Células-tronco

3/6/2008
Dávio Antonio Prado Zarzana Júnior

"Temos que debater, né? Fazer o quê... o migalheiro Paulo Roberto Iotti Vecchiatti ainda não entendeu. Vamos lá (células-tronco): (i) a sociedade não é laica, mesmo que você tente se livrar disso; você mistura sociedade com Direito, como se fossem uma coisa só, e pior, conceitualmente; (i.1) No julgamento do Direito foi falado por alguns Ministros, como o Eros Grau, que tratava-se de um caso de religião contra religião, o chamado 'dogmatismo científico' além da comprovação própria... releia aquele voto, que inclusive afirma a autenticidade de se decidir com base na religião e na fé (é o argumento que você tenta afastar como se não existisse, justamente porque contraria seu interesse pessoal, mesmo que você diga que não); (ii) Se o amor é passível de comprovação indiretamente, sendo abstrato por definição, a fé também o é, e seu argumento justifica a fé, comprovada na resposta empírica às milhões de orações feitas pelo mundo todo. Você procurou - aparentemente sem perceber - dar um novo significado ou extensão à palavra ‘subjetivismo’, como se os migalheiros não fossem perceber... mas Eros Grau e outros Ministros perceberam o 'subjetivismo' que certas pessoas ligadas à ciência estão utilizando...(iii) eu sei que lhe parece confortável que a Psicologia procure oferecer respostas a todos os fenômenos ditos inexplicáveis, mas nem Freud respondeu a tudo... fosse assim, a Psicologia seria uma religião - a resposta a todos os questionamentos. É uma ciência de respeito e real auxílio, mas não é onipotente. A tese - veja bem, a tese - do inconsciente coletivo e da 'luz branca' relativa a este, é uma tese, uma tentativa de teoria, e não uma solução. Mas parece que algumas pessoas se apegam a teorias não comprovadas cientificamente como a um dogma, mesmo que não haja conclusão irrefutável, não é mesmo, caro migalheiro? (iv) Eu sei que é notório sua demonstração de desprezo à Igreja Católica neste rotativo, como nessa frase 'a Igreja Católica só utiliza a ciência quando lhe é conveniente', mas cuidado para não desprezar o próprio Prêmio Nobel, que já consagrou mais de vinte cientistas que trabalham no Vaticano,. A Igreja não manipula a ciência, meu caro migalheiro, porque a ciência, antes de mais nada, é a busca da verdade. Não sei se você estudou essa parte, mas a Filosofia é um ramo da ciência, assim como a Teologia. E mesmo o Direito, veja você! Dentro da Filosofia - leia Miguel Reale, por exemplo - encontrará uma ampla discussão sobre a problemática de se considerar como absoluto o empirismo (em outras palavras), ou de se considerar como falso aquilo que os sentidos não podem medir; Aí parece que você mais uma vez quis demonstrar - de novo - sua metralhadora giratória contra tudo o que a Igreja ensina, falando de divórcio (sem discutir a estrutura do casamento), aborto e controle de natalidade (procriação é negativo?), e celibato (tenho certeza de que você nem ao menos sabe o que é isso, nem sua origem, nem sua profundidade). Bom, sobre o amor homoafetivo já conversamos em outras oportunidades. Veja como você coloca a frase: 'a busca da felicidade em detrimento dos dogmas...' Em detrimento? Então, é a felicidade construída a partir da destruição de algo, não é verdade? Isso não é lá muito correto, na minha opinião. Mas eis que surge a luz: você não conhece nenhum dogma. Não sabe o que é dogma. Fala genericamente utilizando - de forma pouco louvável - um ataque a tudo o que é Igreja, sem ao menos conhecê-la, nem ao menos a Idade Média, uma parte de uma história de 2000 anos. E acha, francamente, que esses 'argumentos' não são facilmente captados como gesto pessoal, e não intelectual? (v) Eu vou dar uma chance a você. Para não dizer que seu tom agressivo contra a Igreja, em dezenas de migalhas sem fundamento, não recebeu de minha parte - que tenho o trabalho de enfrentar todas as argumentações sozinho - uma chance de conhecer a beleza que ultrapassa a nossa própria miséria, convido você a estudar a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, em leitura meditada. Eu que não sou perfeito e tenho muitos defeitos, como você e todos nós, temos muito que progredir. Esta leitura poderá ajudá-lo a encontrar muitas das respostas que procura, principalmente no que se refere à lógica e à busca da mente humana e da 'ciência' sobre a realidade de Deus, e sobre a realidade da fé em geral; (vi) Tudo bem. Vamos parar um pouco. Você disse que todos os eleitores sabem que estão votando naqueles que governarão a nação. Nobre migalheiro Vecchiatti, eu sei que você é leitor e pesquisador. Responda rápido: somente as pessoas nas quais nós votamos são as que governam a nação? Pense direito. Você acha que a Dona Chica de Santana do Parnaíba tem condições de 'estudar candidato'? Você estudou teoria política? Sabe o que é o poder da mídia? Conhece Maquiavel, Boétie? É você que está defendendo - salvo melhor juízo - esse 'elitismo democrático', para utilizar a expressão que você mesmo criou, pois todas as vezes que a uma parcela da população - a católica, como bem lembrou outro migalheiro - é retirado o direito de expressão de maioria, não está havendo um elitismo dos que não querem a Igreja por perto? (vii) A Matemática é interessante. Some (de 'somar') as 'barbaridades' que você acha que a Igreja fez, que eu lhe trago a soma das bênçãos e contribuições para o mundo (a começar das Universidades, como a que você cursou). Verá uma diferença bem grande. Agora, some as barbaridades do regime comunista, do nazismo, e dos movimentos em prol da mentira científica e da tática eugenista, e procure bênçãos neles. Não encontrará nada. Teocracia é o sistema de governo - não uma 'idéia' - em que a autoridade política é exercida por pessoas que se consideram representantes de Deus na Terra. O Brasil não é uma Teocracia. Mas cada Ministro do Supremo, cada advogado, professor, médico, empresário, político ou funcionário público que crêem em Deus, em Jesus e na Igreja, como fé, tem o Direito de ver essa fé respeitada. A razão para este respeito está justamente no fato de que Jesus ('Eu vos dou a Paz') quer a salvação de todas as pessoas, de todas as almas. É dever moral e ético do católico seguir a Cristo. E é por isso que ao artigo 19 da Constituição alguns juristas tem feito uma interpretação erroneamente ampliada de seu conteúdo, ao estender o termo 'aliança' à mera expressão prática de fé, como se os membros da organização estatal, por suposto mandamento constitucional, tivessem todos de ser ateus, o que seria um desiderato anti-clerical do legislador constituinte, em afronta ao desejo do povo brasileiro. Continuando suas argumentações, você fala em assassinato de homossexuais - qualquer assassinato é errado e crime -, esquecendo-se dos assassinatos cometidos por homossexuais (já comentamos em outras migalhas, a começar de Calígula), em número muito maior (não sei se você sabe que Mao Tsé-Tung mandava capar os jovens bonitos para tomá-los como noivas, no relato feito pelo filósofo Olavo de Carvalho); ou ainda, que na Índia do século retrasado milhares de meninos foram comprados ou roubados de suas famílias e levados à força para servirem em bordéis homossexuais na Inglaterra... como diz Olavo de Carvalho, 'Ora oprimidos, ora opressores, os homossexuais, nesse ponto, não são melhores que os outros homens ou mulheres. Tudo depende de estarem fora do poder ou dentro dele'. Também duvido que, a despeito dos erros da Igreja (um nada perto de seus acertos), você conheça realmente a complexidade da relação entre o Poder Civil e Religioso da Idade Média, e do esforço inútil de uma dezena de intelectuais anti-clericais em tentar reduzir a Igreja a erros, os mesmos intelectuais que estudaram em universidades criadas pela Igreja (que ingratidão...). Sobre a influência religiosa na legislação, recomendo o livro 'Cristianismo e Constituição', da editora Del Rey, recém-lançado. Veja só no que a influência religiosa na legislação deu, de verdade; (viii) Antes de discutirmos sobre dogmas, é preciso que você estude o que seja um dogma, senão fica uma coisa unilateral, em que eu defendo o que conheço e você ataca o que nem ao menos conhece... Infelizmente, caro migalheiro, o ser humano não tem total capacidade de decidir o que lhe faz bem. O ser humano pensa ter essa total capacidade. Mas, se tivesse, seria um deus, e não teríamos nenhum tipo de guerra, pois o homem teria aprendido com seus erros. O homem precisa de Deus, e o orgulhoso odeia a constatação dessa humildade, diria até, humildade que se faz presente empiricamente. Dogma, caro migalheiro, não é coação. É artigo de fé. Ou você crê, ou você não crê. Mas não existe um só dogma (estude melhor) voltado para o mal. Pode verificar. E se você disser que existe, pode trazê-lo em 100 linhas, que terei prazer em responder em 101. A liberdade genérica, mais conhecida como libertinagem, não é protegida pela Constituição. Não existe liberdade sem responsabilidade, e os princípios constitucionais relacionam-se em diálogo perene. Autonomia moral não é imoralidade, caro migalheiro. O que é moral? É o que esse ou aquele grupo acha que é moral? Ou é a moral universal, válida para todos os povos de todas as épocas? De que moral estamos falando aqui? Matar seres-humanos dentro do útero materno é moral? Desde quando? Desde que alguns juristas dizem que a vida jurídica (o céu jurídico, o cabide jurídico, a vida jurídica, o banheiro jurídico...) começa com o sistema nervoso, sem a aprovação da ciência, em unanimidade? Percebe, caro migalheiro, que no assunto em debate, o STF chutou a ciência, em nome do dogmatismo eugenista, utilizando argumentos que atacam a Igreja, e criando dogmas científicos sem comprovação? Você sabe que a origem da vida humana a partir do surgimento do sistema nervoso é tese não aceita pela comunidade científica na sua totalidade. Você sabe disso. E, no entanto, trata esse tema como superado. Isso não é muito honesto dos Ministros do STF, não acha? (ix) Você acha mesmo que o STF - qualquer dos Ministros - tem alguma competência superior ao de Jerome Lejeune no tema das células-tronco? Se acha, então confirmará a tese do positivismo jurídico fanático (nem Kelsen nem Kant quiseram isso...). Segundo essa tese, o que está escrito na lei equivale à verdade indubitável, mesmo que seja contrário às evidências científicas. Ou seja, pura desonestidade. Em seguida, esse argumento de que a vida começa com a concepção e com a alma já foi enfrentado por mim muitas vezes. Você então desconhece que há casos relatados de pessoas que ‘voltaram’ da morte cerebral e também da cardíaca. Mas tudo bem. Se você tem a coragem de chegar para algum dos familiares da pessoa que voltou a viver nestas condições, para dizer que a família estava cometendo um absurdo empobrecendo e pagando fortunas, tudo bem. Eu não faria isso, seria perigoso para a saúde. Você teria uma família inteira revoltada contra você; (x) Ora, ainda bem que para você a democracia não é a ditadura da maioria. Justamente, é o que eu penso: democraticamente, a maioria católica não quer comportamentos sendo tidos como mais normais do que os normais (novamente Olavo de Carvalho). E o Congresso, eleito pelo povo, deve observar isso. Pois bem. Nada contra o seguimento à Constituição. Somos advogados, ora pois; (xi) Não acusei você de nada, se você prestou atenção. A pessoa não pode chegar ao cúmulo de ter preconceito de si mesma . Explico melhor. É claro que o advogado vai utilizar argumentos jurídicos e racionais para defender uma tese particular, mas também contará, naturalmente, com uma disposição pessoal, para defender uma tese a favor da advocacia. Porque ele próprio é, por assim dizer, advogado. Sua racionalidade não estará 'afetada', estará norteada, se o projeto for bom para a classe. Do mesmo modo, o gay terá sua racionalidade 'norteada' para a aprovação do pensamento jurídico que o auxilie. Ou estou errado? A questão é: será que esse tipo de 'racionalidade' é isento, imparcial, verdadeiramente? Eu exemplifico essa falta de isenção intelectual pelo seu próprio argumento, a seguir: 'Se você vai supor que eu seria parcial por minha homossexualidade, então você e todo católico terão que ser tidos como parciais por suas fés católicas'. Ora, nós dois sabemos que a verdade deveria ser o oposto da afirmação acima. Assim, o católico é imparcial - como você mesmo disse 'contrario sensu' - e deve ser tratado com igual respeito. Com igual importância à qual está sendo conferida a cientistas ou a homossexuais. Sem preconceitos contra a Igreja (que conheço bem, são muitos preconceitos). Aborto é matar alguém, e tem relação, sim, com o genocídio que o STF aprovou (não por unanimidade, ainda há consciência no Supremo). Fundamentalista é a pessoa que interpreta toda a Bíblia ou texto sagrado de qualquer religião literalmente. A posição da Igreja Católica é baseada na ciência e na fé, pelos motivos já apontados acima, bem distante de qualquer fundamentalismo. Engraçado que as pessoas que não gostam da Igreja nunca pararam pra pensar o porquê dela existir. Por fim, vejamos a frase final de nosso caro migalheiro: 'por uma questão de isonomia, se um absurdo for aceito, o outro também deverá sê-lo'. Eu, por outro lado, prefiro que não haja absurdo nenhum. Peço ao colega que responda rapidamente à minha migalha. Estou pronto para a tréplica, sem dúvida. No final de tudo, a poeira passou, o estrondo silenciou, a ciência olhou, os migalheiros se entreolharam e... deram risada. Somos responsáveis pelas maiores migalhas deste rotativo (e o Diretor nem fala nisso, acho que ele nem precisa), tudo em nome da defesa do direito à vida. Caro migalheiro Vecchiatti, não sou contra você, e respeito você e suas colocações. Só não pense que não haverá resultados no campo espiritual, do descaso do homem jurídico, no plano material. Pense nisso. Obedeça à lei. Mas não pense que Deus, Verdade e lei são a mesma coisa. Isso não é positivismo. É confusão."

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