Migalheiros

10/6/2008
Nelson Castelo Branco Eulálio Filho

"A propósito do texto-poema do colega migalheiro Luiz Domingos de Luna, gostaria de trazer minha contribuição: O que é, afinal, o homem? Encimando o pórtico do Oráculo de Delfos na Antiga Grécia havia a inscrição: 'Homem, conhece-te a ti mesmo'. Conselho tão sábio quanto difícil de ser seguido. De Sócrates a Freud, passando por Aristóteles e Marx, só obtivemos respostas vagas: 'alma/intelecto', 'ser de pulsões', 'animal político', 'relações sociais'. A verdade é que procurando os confins do universo e, portanto, procurando sempre fora de nós, continuamos sem saber o que nós mesmos somos. E nem poderíamos, pois como disse o filósofo F. Nietzsche (1844-1900) no ‘Prólogo’ de sua Genealogia da Moral (1887): 'Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos – e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos?' Esse enorme desconhecimento acerca de nós mesmos resultou, ao longo dos milênios, numa atividade 'cega' que veio dar na alarmante situação proclamada recentemente pela ONU a respeito do futuro sombrio que se descortina para o planetinha azul. De minha parte, embora também não saiba bem o que somos nós desconfio, seriamente, que não somos uma coisa lá muito boa. Pela situação a que chegou o planeta, acho que somos algo assim como um câncer. Um câncer de pele da terra – do organismo terra. Talvez o desenvolvimento do ramo animal da vida devesse se restringir aos primatas do tipo chimpanzés, gorilas, orangotangos... Todavia, por um desses 'desequilíbrios' que fazem nascer uma árvore torta, um feto anencéfalo, uma vaca de cinco patas, etc., num dos ramos dos primatas – aquele que veio dar no chamado homo sapiens - ocorreu de a caixa craniana se tornar maior; de o tamanho do cérebro ter ido além do 'previsto'; de os neurônios, os neurotransmissores, as sinapses, etc., se sofisticassem para além dos limites 'programados', e deu no que deu: um agressivo predador de sua própria espécie, do próprio 'si mesmo' e do ecossistema que o mantêm – incluídos os animais ditos 'inferiores'. Desde seu surgimento o homem compromete tudo a sua volta: polui os rios, devasta as florestas, provoca a extinção de espécies animais e vegetais. Destrói seus semelhantes, quer individualmente, nos milhões de assassinatos que ocorrem todos os dias no planeta, quer em massa como nas guerras e, nestas, chega ao ápice da estupidez como foi o caso do holocausto – essa 'banalização do mal' na expressão da filósofa judia-alemã Hannah Arendt. Comprometeu a camada de ozônio e provocou um aquecimento anormal da Terra. Impregnou o ar com monóxido de carbono (Dá-lhes capitalismo! Dá-lhes 'progresso'!). Desenvolveu técnicas de torturas físicas e psicológicas - institucionalizadas, inclusive. Cultivou a raiva, o ódio, a lascívia. Fez do amor pornografia, necrofilia, pedofilia... Fez da vida sofrimento e do sofrimento tortura. E, como disse Santo Agostinho, 'inter faeces et urinam nascimur' (nascemos entre fezes e urina). Por tudo isso, estou fortemente inclinado a crer que o homem é um desequilíbrio, um quantum não 'programado', um desvio – um acaso, enfim. Talvez não passe mesmo de um mero câncer de pele da Terra. A idéia nem mesmo é nova, pois o já citado Nietzsche, no seu magnífico Assim falava Zaratustra, (De grandes acontecimentos) disse que 'A Terra tem uma pele e essa pele tem doenças. Uma dessas doenças, por exemplo, chama-se: homem'. Por todo o exposto, desconfio que eu e Nietzsche estamos certos... Será que estamos?"

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