Células-tronco

10/6/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Lamento, prezado migalheiro Dávio Antonio Prado Zarzana Júnior tê-lo decepcionado, com a simplicidade de meu comentário e com o simplismo de minha ponderação, se assim se pode chamar minha demonstração de cansaço com o assunto (Migalhas dos leitores – "Células-tronco" – clique aqui). Não sei, com certeza, a idade do colega, mas, imagino, não ser meu contemporâneo e, estar mais para a idade de um de meus filhos que aplaudiu, alegremente, a decisão do Supremo. Meu primeiro contato com uma doença chamada distrofia muscular foi quando assisti a um filme chamado 'O Óleo de Lorenzo' que, emotivo que sou, gostei muito. Até comprei uma cópia para meu acervo particular. O filme tratava de distrofia muscular de Duchenne, um tipo determinado da doença, imaginava eu o único, que ataca crianças pequenas. Nenhuma sobrevive após, no máximo, 10 ou 11 anos, e trata da luta do casal de pais, inglória, pela salvação de seu filho. Os meus, graças a Deus, pensei na ocasião, fortes e saudáveis, já mais velhos, haviam passado dos 15. Desse mal, ao menos, estávamos livres. Foi aos 20 que um deles, o que praticava esportes, tênis e squash preferencialmente, apresentou alguns problemas sobre os quais não vou aqui me alongar. Foi uma época que só a palavra 'infernal' descreve, até chegarmos ao diagnóstico de 'distrofia facioescapuloumeral', ou de Emery-Dreifuss, um outro tipo, que atinge jovens nessa idade, genética, progressiva, incurável, que transforma massa muscular em gordura, que vai dificultando os movimentos dos órgãos superiores e pode, com o tempo, chegar aos inferiores. Apesar de genética, testes de DNA foram feitos, pela Dra. Mayana Zatz, da USP, nada se encontrando nos pais. De lá para cá, ele, que provavelmente tem uma idade próxima da sua, convive com esse fantasma, e com a esperança, qualquer fio de esperança, de qualquer pesquisa, de qualquer célula, tronco ou embrionária, qualquer uma, qualquer coisa. Ele, eu e nossa família. De lá para cá, cumprimos o circuito completo, começando pelos médicos especializados, brasileiros, passando por consultar um grande número de especialistas estrangeiros (todos nos confirmando que nada existia no exterior que a Dra. Mayana Zatz não conhecesse no Brasil), fixando-nos na espera infindável, junto com os especialistas brasileiros pelas pesquisas com células, visitando, cumprindo mais todo aquele caminho esotérico que os amigos e parentes, ansiosos por ajudar, nos indicam e que à falta de opções (não custa tentar) até que, por nada restar, passamos a aguardar, como milhões de pessoas, o avanço da ciência, indignados, como tantos, com as discussões, que a nós parecem estéreis, acerca do assunto. Lin Yutang foi apenas uma menção. É claro que mais me interessou a parte em que deixou de ser cristão, e não a que foi de volta, de pagão a cristão, como descreveu em outro de seus livros. Foi apenas ilustrativo. No entretempo, sempre li, e muito, como sempre faço, desde tenra idade, pois que sou do tempo em que se lia desde criança, e não apenas 1,7 livros ao ano, como hoje. Além do mais, minha família é, e eu também, de formação católica, e desde cedo estudei em colégios religiosos (em São Paulo, o Colégio de São Bento) e tive oportunidade de ler sobre a dor e o que Deus pretende nos ensinar com ela, inclusive acerca das discussões sobre se o sofrimento não seria o grande erro de Deus. E, para dizer a verdade, após conhecer todos os argumentos, não me convenceram aqueles que nos dizem que devemos ser agradecidos por Deus ter inventado a dor, até porque não poderia Ele ter feito coisa melhor. Acho, sim, que poderia ter feito coisa melhor, muito melhor. Eu, com a dor, ou com o sofrimento, pouco aprendi, a não ser que dói e que se sofre. Mas, nada como a experiência, para aprender, de perto, na própria carne, e testar nosso aprendizado. Não pretendo, aqui, discutir religião. Há muito aprendi que religião não se discute. Eu, que no colégio católico de lá saí quase um ateu (talvez por força do mau ensino religioso dos beneditinos), acabei, depois de algumas tentativas conjugais frustradas, casando-me com uma mulher evangélica. E, fiel às minhas crenças, não discuto religião em casa, até para preservar a felicidade conjugal. Mas, quanto a esse assunto, sinto-me mais confortado agora, quando a ouço repetir que Cristo prometeu – em João 10.10 – 'Eu vim para que tenham vida e vida em abundância', que Ele se ocupa para que suas ovelhas, para que toda a coletividade, toda a criação, tenham vida e vida abundante e, é claro, com saúde. Para mim é o quanto basta. Para meu filho, esperamos, bastarão os resultados das pesquisas das células tronco e embrionárias. Se derem certo, melhor ainda. Se não derem, ao menos alguém tentou, sem interferência da religião, cientificamente. Epicuro, cuja doutrina muitas vezes é confundida com o Hedonismo, entendia que o sumo bem reside no prazer, mas o prazer do sábio, entendido como a quietude da mente e o domínio das emoções que satisfaz uma necessidade ou que aquieta a dor, que liberta o homem, sendo que o mais alto prazer reside no que chamamos de saúde. É de Epicuro o pensamento: 'Se Deus pode acabar com o mal, mas não quer, é monstruoso; se quer, mas não pode, é incapaz; se não pode, nem quer, é impotente e cruel; se pode e quer, por que não o faz?'."

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