Militar homossexual

11/6/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Primeiro, tive uma surpresa, ao ver, na televisão, a história do sargento gay desertor. Na hora, pensei: 'Desertor? Será que tem gay desertor?' Achei que, de novo, estávamos diante daquela discussão sobre ex-gay. Mas, não, o tal sargento era desertor do Exército. Bem, assim entendido, desertor é o que abandona as fileiras. O CPM – Código Penal Militar, em seu artigo 187, prevê como delito, 'ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias'. Já o artigo 243 do mesmo Código, autoriza a prisão do desertor, mesmo sem mandato judicial. A deserção, como se diz, é o mais militar dos delitos, e qualquer pessoa que escolheu a carreira militar sabe, perfeitamente, que esse é o mais grave dos delitos militares. Os dois sargentos já viviam o que hoje se chama uma situação homoafetiva há mais de dez anos, inclusive convivendo juntos, coabitando, vivendo como marido e mulher (embora não obrigatoriamente casados). E, no Exército, cumpriam suas obrigações. É o que se sabe. Acontece que, de um tempo para cá, veio essa necessidade do que hoje se chama de 'visibilidade gay' que, em outras palavras, significa que não basta ser homossexual, conviver com outro homossexual, coabitar. É necessário chocar a sociedade, achincalhar as Forças Armadas. Daí, o sargento Laci, que pensa ser parecido com a falecida Cássia Eller, e acredita cantar como ela, resolveu sair por aí fazendo a Cássia Eller Cover, cantando a bem escolhida composição de Cazuza e Frejat, onde se pergunta, 'Quem sabe eu ainda sou uma garotinha?' recitando, grotescamente, com a farda de campanha, versinhos tais como:

'Quem sabe eu ainda sou uma garotinha

Esperando o ônibus

Da escola, sozinha...

Cansada com minhas

Meias três quartos

Rezando baixo

Pelos cantos

Por ser uma menina má...' 

Foi, sim, uma menina má, Laci, que com o uniforme do Exército, compareceu, histérica, a um programa de televisão, para declarar que o Exército brasileiro, como instituição, não era merecedor de confiança, e que, desertor que era, tinha medo de, preso, como manda o Código Militar, ser assassinado pelas Forças Armadas brasileiras. Um parêntese para comentar que minha irmã, quando jovem, cursava o Colégio Sacré Coeur de Marie, na rua Rússia, esquina com a av. Nove de Julho. Lá como em qualquer outro colégio em que uniformes eram adotados, havia a proibição – talvez haja, até hoje, não sei – para as meninas, de os usarem fora da instituição escolar, principalmente para freqüentar certos lugares, ou para namorar, o que, julgavam, ofendia a instituição. Antes de se instalar a permissividade na sociedade, as regras eram assim, regras que permaneceram em certas instituições, como nas Forças Armadas, por exemplo, que contam até mesmo com códigos e leis próprias. Do que se viu quanto à prisão do rapaz, inclusive no que foi exaustivamente repetido pelo mesmo canal de televisão, com elogios aos militares que efetuaram a prisão, com paciência de Jó e tato inesperado de quem cumpre um mandato até desnecessário, houve mesmo uma delicadeza extrema, seguindo o desertor – talvez um caso único na história militar – não no camburão que lá estava para isso, mas no carro particular do coronel, que lá compareceu à paisana, como um velho pai, cuidando de uma ovelha desgarrada. Nem o casal Nardoni, na delegacia ou no IML, acompanhados por seus advogados, foram tratados com tanta sensibilidade e delicadeza. Mas, vamos ponderar, ninguém obriga ninguém a permanecer em um ambiente em que o consideram hostil, no qual vige código de conduta que é preciso obedecer e não concorda. Nos Estados Unidos, talvez mais maleável que no Brasil, vige, desde Clinton, a regra do 'Não pergunte. Não diga.', em que as Forças Armadas não perguntam sobre as tendências ou orientação sexual dos que pretendem adentrar na mesma e, em contrapartida, esses 'não dizem', até porque, assuntos de foro íntimo, não dizem respeito a ninguém. Mas, não é o que aconteceu no caso dos dois sargentos, um dos quais conhecido, nas fileiras, como sargento Cássia Eller, coabitando, há dez anos, com um companheiro de farda, sem ser incomodado, significando com isso que as Forças Armadas cumpriram a sua parte, no que tocou a 'não perguntar', o que foi descumprido pela necessidade da 'militância', do escândalo, de 'dizer', de mostrar, de expor as Forças Armadas brasileiras como reduto gay no Brasil. A pirotecnia, se houve, não foi do Exército, mas do espalhafato, dos fricotes dos militantes que foram muito além do aceitável e do razoável, não porque são gays, como querem fazer parecer, mas porque são escancaradamente indisciplinados para fazer parte das Forças Armadas de qualquer parte do mundo. Regras de conduta existem em qualquer lugar, em qualquer ambiente de trabalho, em empresas, em repartições públicas e, principalmente, nas Forças Armadas. Laci e seu companheiro não querem, apenas, ser homossexuais, como muitos – talvez a minoria hoje – desejam ser heterossexuais, exercer seu amor no recesso de seu lar, como todos os casais. Eles querem mais, querem ser os gays DO Exército, os gays NO  Exército. Por isso, posaram para a revista Época, com uniforme militar: 'Eles são do Exército, eles são gays, eles são parceiros.'. E, não se satisfizeram. Tinham que pensar na banda – eu disse banda – e no sucesso da Cássia Eller rediviva, não na carreira militar, e lá se foram para o Superpop, sempre fardados. Laci até cantou de 'garotinha má' para Luciana Gimenez, em cadeia nacional... Fosse heterossexual, tivesse uma banda, fosse fardado ao programa do Jô, para se apresentar, enquanto desertor, para cantar como cover do Waldick Soriano, a bela 'Eu não sou cachorro não', daria no mesmo. Seria preso como desertor. Só que sem chiliques, fricotes ou faniquitos. Sem frescuras, enfim. Afinal, é possível ser homossexual no Exército? A resposta é sim. Outra pergunta: é possível ser militante gay no Exército? A resposta só pode ser negativa. Certamente a tropa, cuja causa é, especificamente a obediência a seu código disciplinar, não receberá nenhuma outra causa, nem mesmo a 'causa gay', por mais estardalhaço que se faça a respeito. Como disse Reinaldo Azevedo, gays ou não, o que eles não conseguiram ser é bons soldados."

Envie sua Migalha