Um perigoso precedente

25/6/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"A Justiça do Trabalho do Amapá fixou em R$ 5 mil o valor a ser pago pelo trabalho de umbanda feito por um pai-de-santo mediante contrato verbal. A história é a seguinte: Olga Sueli Santana, dona de um frigorífico, o Frigorífico Polar, contratou, verbalmente, o pai-de-santo Antônio Romão Batista, para efetuar sessões de limpeza (descarrego) em três unidades de sua empresa, nos municípios de Macapá, Calçoene e Oiapoque. O pai-de-santo se dirigiu para a unidade de Macapá, com seus instrumentos de trabalho, ao que consta dos autos, e assim disseram as testemunhas, efetuou o descarrego, mas... nada. A contratante não ficou satisfeita. Recusou-se a pagar, alegando que o descarrego não fora feito, de vez que não notara os resultados práticos, ou seja, financeiros. Levada a questão a juízo, a Juíza Bianca Libonatti considerou que a jurisprudência, a dos homens, aqui da terra, dá razão ao pai-de-santo, pois 'havendo prestação de serviços por pessoa física a outrem, seja a que título for, há relação de trabalho. A prestação de serviços constitui espécie de relação de trabalho, que é realizada de forma autônoma, ou seja, sem a subordinação exercida por parte do contratante'. Na decisão, a juíza lembrou ainda que o pai-de-santo se comprometeu a fazer uma limpeza espiritual nas instalações do frigorífico, sem que fizesse menção expressa a sucesso financeiro: 'a cláusula especial do resultado, portanto, não se encontra prevista nos serviços supostamente prestados'. Difícil saber como chegou a juíza à conclusão, já que o contrato era verbal. Como o ‘contrato’ era de 15 mil, mas não chegaram a ser feitas as sessões em Calçoene e Oiapoque, a sentença fixou o pagamento em R$ 5 mil, referentes aos serviços efetivamente prestados. Belíssima lição de Direito! Criada jurisprudência nesse sentido, vamos voltar à época da venda das indulgências e nós, advogados, melhor faríamos em fechar nossos escritórios, e abrirmos terreiros, até porque, de acordo com a legislação brasileira, estaríamos isentos de impostos. É de conhecimento público o destino que tiveram outras ações, referentes a doações ou pagamentos a outras religiões, com o intuito, ou a esperança de retribuição em dobro, ou em quádruplo, uma confiança mais voltada para o material do que para o espiritual, conforme Acórdão proferido pela 4ª Câmara do TJ/SP na AP nº 273.753-4/8, entre Maria Moreira de Pinho e a Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo. Promessas diretas de religiosos, de qualquer religião, a determinada pessoa, de solução de problemas específicos, sejam curas de doenças, seja de enriquecimento ou outros benefícios, em troca de dinheiro ou bens, constitui ato reprovável, ilícito mesmo. O que fazem as religiões, de uma maneira geral, é confortar seus seguidores, adeptos ou crentes, mostrando o caminho para alcançar graças espirituais, ou seja, mera orientação espiritual. A indução pelo desfazimento do patrimônio pela promessa de solução de problemas financeiros, em Direito Penal tem o nome de estelionato, e não tem abrigo no direito do trabalho. Aliás, no Direito, de uma maneira geral, não se justifica o enriquecimento sem causa de uma parte em favor da outra. Em uma outra ação – contra a mesma igreja acima referida – na AP cível 252.381-4/6 em que o 'doador' pedia de volta o que pagara esperando a solução de problemas financeiros – o que, afinal, não ocorrera – o Des. Teixeira Leite (também na 4ª Câmara do TJ/SP) considerou que se a preocupação da apelada era resolver os problemas financeiros do apelante, melhor seria que, desde logo, lhe devolvesse o que dele recebera. O mesmo, certamente, seria aplicável na Justiça do Trabalho do Amapá – sem contar o risível de considerar o trabalho de descarrego do pai-de-santo – e, mais ainda, as considerações acerca dos termos do contrato verbal que instruíram a contratação dos 'serviços' em discussão na Justiça, se havia ou não cláusula de sucesso."

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