Amazônia

30/6/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"A Amazônia, sempre a Amazônia. O 'ainda' nosso território, sobre o qual o mundo todo fala, a Amazônia que todo mundo quer e que nós, os brasileiros, deixamos à sanha dos estrangeiros, para que dela façam o que queiram. Há algumas vozes, poucas é verdade, que se levantam e bradam contra essa entrega do território pátrio, mesmo na base aliada. No entanto, quem fala não é ouvido, enquanto continua o desmatamento, a demarcação irregular e a atividade sem controle das ONGs internacionais, tudo sob os olhos de nosso governo, incompetente. O discurso abaixo é mais um dos tantos que são proferidos na chamada 'Casa do Povo', aquele circo que estamos acostumados a assistir pela TV, com todo mundo de pé, em que todos gritam e ninguém presta atenção em coisa nenhuma.

'CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ 

Sessão: 150.2.53.O  Hora: 15:45 Fase: GE 

Orador: EDIO LOPES, PMDB-RR Data: 23/6/2008

 

O SR. EDIO LOPES (Bloco/PMDB-RR. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Deputado Pastor Pedro Ribeiro, do PMDB do Ceará, Sras. e Srs. Deputados, aqui temos a incumbência de representar Roraima, um dos Estados que formam a Amazônia brasileira. O que não nos falta é assunto para trazer ao conhecimento e à reflexão desta Casa.

A Amazônia, nos últimos anos, com mais ênfase nas 2 últimas décadas, tem-se transformado naquilo que o linguajar comum chama de autêntica casa-da-mãe-joana. O Estado brasileiro voltou inteiramente as costas para a Amazônia, e as mais comezinhas funções do Poder Público estão absolutamente ausentes daquela imensidão que representa dois terços do território nacional.

Sr. Presidente, para que V.Exa. tenha noção do tamanho do drama que vive a Amazônia brasileira, vou falar apenas de uma organização não-governamental que forma um elenco de mais de 100 mil atuantes na região. Segundo estudos, no Brasil atuam cerca de 250 mil ONGs. Só na Amazônia, onde vive um oitavo da população brasileira, existem mais de 100 mil.

Mas hoje quero me ocupar da Associação Amazônia, organização não-governamental fundada em 1992 por um grupo de estrangeiros e que tem à frente o argentino Hector Daniel Garibotti, o Sr. Erik Falk — cidadão belga — , o Sr. Christopher Julian Clark — cidadão canadense — , e o Sr. Paolo Roberto Imperiali — cidadão italiano.

Pois bem, Sr. Presidente. Esse grupo de estrangeiros, seguido de outros, criou no sul do Estado de Roraima, numa das regiões mais ricas em biodiversidade, a chamada Associação Amazônia e, por sua iniciativa, demarcou 192 mil hectares de terras, sem nenhum acompanhamento, sem a presença do Estado brasileiro.

Pergunto: como pode um grupo de estrangeiros chegar ao Brasil, à Amazônia, e com o seu livre entendimento contratar topógrafos em Manaus e sair demarcando centenas de quilômetros dentro da Floresta Amazônica, como se isso aqui fosse uma republiqueta, sem Poder Público, sem a presença do Estado?

Pois bem. Esse grupo de estrangeiros conseguiu recibos de ribeirinhos. E aqui começa uma seqüência de fatos inacreditáveis do ponto de vista jurídico, do mais rudimentar. Esse cidadão de nome Garibotti imprime um recibo, que é assinado — ou melhor, em que é colocada a impressão digital do ribeirinho João Soares Gomes, que lhe repassa o direito sobre 13.457 hectares de terras, às margens do Rio Jauaperi, naquela imensidão de floresta. No mesmo dia, outro recibo é assinado pelo Sr. Manoel Nascimento Horata da Silva, que lhe transfere uma propriedade de 28.215 hectares. No mesmo dia, Sr. Presidente, possivelmente no mesmo momento, porque é a mesma impressora, num terceiro recibo é colocada a impressão digital do Sr. Justino Filho de Souza, analfabeto, transferindo a esse grupo de estrangeiros a titularidade de outros 30.604 hectares de terras. Como se não bastasse, o Sr. Valdemar da Silva Brazão transferiu mais 23.800 hectares e o Sr. Carlos Bezerra de Melo, outros 1.800 hectares. Tudo ocorreu no mesmo dia e no mesmo escritório.

De posse desse emaranhado de documentos, o grupo de estrangeiros leva os ribeirinhos a Manaus, à Delegacia Regional do Trabalho, que no mesmo dia e na mesma hora emite a Carteira de Trabalho, único documento com fotografia que os ribeirinhos passam a ter. De posse dos recibos, na companhia dos ribeirinhos, com a sua carteira novinha, acabando de sair da Delegacia Regional do Trabalho — e talvez este seja o fato mais grave — , dirigem-se ao Cartório David, 2º Ofício de Notas de Manaus, onde tudo é registrado.

O fato mais grave é que o tabelião daquele cartório registra, no reconhecimento dos documentos, que conhece todos aqueles ribeirinhos, apesar de morarem a quase mil quilômetros de distância, na beira dos rios e dos igarapés do Estado de Roraima. É muita coincidência.

Pois bem. Depois de tudo isso, a organização chamada Associação Amazônia contrata topógrafos, e abre picadões em centenas e centenas de quilômetros e demarca, com pontos rastreados por satélite — a mais moderna técnica de demarcação de terras — , 192 mil hectares.

É de se perguntar, portanto, onde estão as autoridades deste País.

Pois bem. A Assembléia Legislativa do Estado de Roraima constituiu Comissão Parlamentar de Inquérito, que levantou tudo isso, inclusive com o depoimento dos estrangeiros e dos ribeirinhos. Foi um trabalho monumental realizado pelos Deputados Estaduais, visto que a região é muito grande e de difícil acesso. O único meio de transporte é a canoa, muitas vezes. O Governo do Estado disse que a situação não era de sua responsabilidade porque as terras eram de propriedade da União. As autoridades federais foram informadas, inclusive esta Casa, que constituiu Comissão, na Legislatura passada, para levantar as informações a partir do ponto em que havia parado a Assembléia Legislativa, e nada aconteceu.

E as operações pirotécnicas da nossa Polícia Federal, que tem conhecimento e nada fez? Onde estão os nossos tão zelosos Procuradores de Justiça? Mas o Sr. Garibotti, o Sr. Christopher Clark, o Sr. Imperiali e muitos outros estrangeiros belgas e dinamarqueses estão lá.

V.Exa. sabe o que aconteceu com os ribeirinhos? Continuam lá, com um contrato assinado na cabeça de um toco ou em cima de uma tora de samaúma, de prestação de serviços à Associação Amazônia. Serviço: impedir que estranhos adentrem naquela gigantesca área de 192 mil hectares.

Sr. Presidente, imagino que, para entrar na Amazônia, demarcar quase 200 mil hectares de terras e lá permanecer, vigiando para que nenhum brasileiro nelas adentre, é preciso ter muito dinheiro. Quem financia isso? O Instituto Ítalo-Latino Americano, da Itália; a University of Birmingham, da Inglaterra; a Colorado Springs High School, do Estado do Colorado, Estados Unidos; a Fundação Gaia, da Dinamarca; o Banco Cassa Rurale di Castel Goffredo, da Itália; a Fundação Kleinwort, da Suíça, dentre outros.

Sr. Presidente, nobres Deputados Geraldo Pudim e Mauro Benevides, se V.Exas., sendo Deputados Federais deste País, ousarem pegar a canoa que o ribeirinho da Amazônia usa e chegar até a entrada da reserva, encontrarão ribeirinhos de espingarda em punho, com um correntão atravessado, na boca do igarapé. V.Exas. não terão outra alternativa a não ser dar meia-volta.

Essa é a Amazônia para a qual todos os dias estamos chamando a atenção deste País. A Amazônia está entregue às organizações não-governamentais, Sr. Presidente, financiadas com dinheiro estrangeiro. E as que são financiadas com dinheiro do contribuinte? Só para cuidar da saúde indígena, o Governo brasileiro tirou do bolso do contribuinte, no ano passado, a fantástica soma de 3,4 bilhões de reais. Se V.Exa. dividir essa montanha de dinheiro, Deputado Mauro Benevides, entre os 460 mil índios que a FUNAI diz que estão aldeados — e esse número é superestimado, esteja certo disso — vai chegar à soma de 8 mil reais por ano para cada indígena, ou seja, 670 reais por mês. Isso daria para pagar o melhor plano de saúde deste País. Mas o índio continua morrendo de oncocercose, de tuberculose, de sarampo, de malária.

Todos os meses é destinada essa montanha de dinheiro às ONGs. Só o Conselho Indígena de Roraima — CIR, a mais xiita organização não-governamental da Amazônia — só ela, Sr. Presidente — , recebeu 61 milhões de reais nos últimos 4 anos.

A Diocese de Roraima, a Igreja Católica de Roraima, recebeu outros 15 milhões de reais, Sr. Deputado Mauro Benevides.

São números oficiais do Governo Federal, que levaram o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União Lucas Furtado, em entrevista ao jornal O Globo, no mês de março, a dizer: "Se uma única organização não-governamental tivesse aplicado corretamente esse dinheiro, seria o caso de encaminhar o nome dela para o Vaticano canonizá-la". Fecha aspas.

Este é o Brasil.

Nós ficamos na mesma situação do profeta que clama ou que clamou no deserto. Ultimamente, é bem verdade que a mídia, que sempre foi cega e esteve pronta para defender as organizações não-governamentais, como se estas pudessem substituir o Estado, graças a Deus tem dado sinais de que começou a ver que a coisa não é bem assim. Mas talvez essas coisas já tenham avançado demais. Não sei se o Estado brasileiro será capaz de pôr freio a esse descalabro que campeia pela Amazônia. Não sei qual vai ser a reação da comunidade internacional. Disso isso porque o Brasil reconheceu, junto à ONU, Deputado Geraldo Pudim, o documento denominado Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e, num de seus artigos, aceita a seguinte exigência: que as Forças Armadas, para adentrarem em uma área indígena, têm de obter prévio consentimento daquela comunidade.

Não há precedentes para essa determinação. É de uma gravidade que não se pode imaginar. Não estamos falando de áreas indígenas iguais à dos guaranis dentro de São Paulo, na qual 560 índios vivem amontoados em 23 hectares de terra. Estamos falando de áreas indígenas iguais à yanomâmi, no Estado de Roraima, que abrange os 1.155 quilômetros de fronteira do Brasil com a Venezuela, maior do que a distância de Brasília a São Paulo, Deputado Mauro Benevides. E, nesses 1.155 quilômetros, não há um povoado, não há uma fazenda, não há rastro de civis.

Estamos falando aqui da área indígena do Alto Rio Negro que se estende por 960 quilômetros, na divisa do Brasil com a Colômbia. Depoimentos de lideranças indígenas asseguram que os membros das FARC atravessam a fronteira, a seu bel-prazer, para descansar do lado de cá, onde ficam a salvo da perseguição das Forças Armadas da Colômbia. Também vêm se abastecer do lado de cá. E vão mais longe: do ouro extraído na Cabeça do Cachorro, próximo ao Pico da Neblina — e é muito ouro — , não fica 1 grama sequer no Brasil: tudo é levado para a Colômbia e trocado por drogas, que vem pelos nossos rios e vai acabar com os nossos filhos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília.

O Sr. Mauro Benevides - Permite-me V.Exa. um aparte, nobre Deputado Edio Lopes?

O SR. EDIO LOPES - E as autoridades brasileiras continuam com aquela visão utópica, romântica e estúpida de achar que está tudo certo.

Com muito prazer, ouço o Deputado Mauro Benevides.

O Sr. Mauro Benevides - Nobre Deputado e companheiro Edio Lopes, que pertence à nossa bancada e representa nesta Casa o Estado de Roraima com a maior dignidade, V.Exa. faz na tarde de hoje uma denúncia da maior gravidade. Há poucos instantes confidenciava ao nosso eminente colega Geraldo Pudim a impressão — que é de S.Exa. também — de que V.Exa. ocupa na tarde de hoje esta tribuna para fazer denúncia que deve ser apurada. Não para que se contestem os números apontados por V.Exa., mas sobretudo para que se adotem providências inadiáveis, imediatas, a fim de pôr cobro nesse quadro anômalo, com números e nomes de instituições envolvidas. Enfim, reclamando a nossa posição. E o discurso de V.Exa. vai certamente chegar aos órgãos que podem adotar providências imediatas. Mas este Plenário ouve o seu discurso e os órgãos governamentais competentes terão de demonstrar, inequivocamente, nas próximas horas, alguma sensibilidade para solucionar questão de tamanha gravidade. Cumprimento V.Exa. pelo discurso que faz, pela coragem e altanaria que demonstra, ao fazer pronunciamento com esta contundência.

O SR. EDIO LOPES - Agradeço o aparte a V.Exa., Deputado Mauro Benevides, sobretudo pela grandeza que representa nesta Casa e neste País.

Sr. Presidente, de maneira alguma seria leviano denominar essas organizações como autênticas quadrilhas que se instalaram na Amazônia brasileira, à sombra do Poder Público. A omissão do Estado brasileiro é criminosa, porque hoje andam e perambulam pela Amazônia milhares de estrangeiros sem nenhum controle da nossa Polícia Federal, que tem 4 gatos-pingados na região. E lá se encontram estrangeiros de todas as categorias: missionários, padres, biólogos, etc. O que fazem? Ninguém sabe. Mesmo porque, amparados pela omissão da Fundação Nacional do Índio, entram e saem das reservas indígenas quando querem e lá permanecem o quanto querem, sem controle de ninguém. Ao passo que V.Exa., Deputado Geraldo Pudim, e eu, para adentrar numa área indígena dessa, teremos de pedir autorização à FUNAI, que vai pedir autorização ao Ministro Tarso Genro, cujo mandato vai terminar, e a permissão não vai ser dada.

Este é o Brasil da Amazônia. Este é o Brasil do descaso.

A Amazônia esconde no seu subsolo a mais fantástica riqueza mineral deste planeta. Na sua biodiversidade — e isso é do conhecimento de qualquer cidadão de cultura mediana — está a maior riqueza da humanidade. E tudo isso está sendo explorado, traficado, sem nenhum controle do Governo brasileiro.

Não adianta o Presidente Lula fazer discurso, dizer que a Amazônia é dos brasileiros. Sim, ela é dos brasileiros. E daí? É preciso ir muito mais longe. É preciso acabar com a hipocrisia de querer punir um general porque teve a coragem que a maioria não tem de dizer esta verdade nua e crua: que a política indigenista do Brasil está equivocada.

E está. Qual país demarca, em 11 mil quilômetros de fronteira, mais de 70% de área indígena, sem nenhum controle da Polícia Civil, sem controle do Estado, do Município, ao bel-prazer da FUNAI? Que país faria isso a não ser o Brasil?

Então, é preciso ter a coragem, enquanto ainda há tempo, de providenciar a retomada da presença do Estado brasileiro na região, para que mais adiante possamos dizer aos nossos filhos: "Sim, a Amazônia é do Brasil". Hoje, não sei se estaria falando a verdade com tal afirmativa, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Pastor Pedro Ribeiro) - Ouvimos o importante e oportuno pronunciamento do nobre Deputado Edio Lopes, do PMDB de Roraima'."

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