Operação Satiagraha

22/7/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Bem a propósito dos comentários dos migalheiros Geraldo de F. Forbes, Gilberto Seródio e Antonio Carlos de Martins Mello, vem o artigo de Reinaldo Azevedo, em seu blog de hoje, que reproduzo abaixo:

'Acreditam ter achado o direito na rua e querem largá-lo na sarjeta

Muita gente ficou um tanto assustada com o texto do juiz Fausto De Sanctis, publicado na quinta-feira pelo Estado e comentado ontem por mim. Compreendo. O troço me pareceu mesmo chocante. O que há de compreensível em seu artigo, de fato, não é novo e está perfeitamente adaptado a uma corrente chamada ‘O Direito Achado na Rua’, filie-se ele ao grupo ou não.

Notem bem: falo de um corrente, não de um clubinho. Não existe carteirinha de filiação a um 'partido', mas a comunhão de um conjunto de valores. Há pouco mais de um ano, expus a vocês o que é essa tal corrente: trata-se da teoria gramsciana aplicada ao direito — e, entendo, em vez de Justiça, ela opta pelo justiçamento. É um pouco longo, mas vale seguir o mapa de uma teoria que subverte o estado democrático e de direito sob o pretexto de fazer a Justiça chegar aos pobres. Acompanhem:

*

Tenho aqui em mãos uma preciosidade. Trata-se do que poderia ser definido como a carta de princípios de uma estrovenga chamada 'O Direito Achado na Rua'. Foi publicado pela Editora UnB e elaborado pelo Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos. Paz? Si vis pacem, para bellum, já ensinava adágio latino. Se queres a paz, prepara a guerra. E foi o que os valentes fizeram.

(...)

Mas que diabo é 'O Direito Achado na Rua'? Trata-se de uma formulação teórica, que aspira a uma corrente, inspirada num troço chamado NAIR, pomposamente traduzido por 'Nova Escola Jurídica Brasileira', de que o grande mestre foi Roberto Lyra Filho (1926-1986). De tal maneira se encantou com a sua obra, que ficou conhecido no meio como 'o homem da NAIR', até que virasse simplesmente 'o Nair'.

'O Direito Achado na Rua', conforme é definido por seus adeptos, busca combater o que consideram o 'legalismo'. Entenda-se por isso o conjunto das leis que aí estão, que estes bravos avaliam ser vincado pelas desigualdades de classe. Daí que se ocupem, na prática, de combater esse formalismo, digamos, classista em benefício de um 'verdadeiro direito', que seria aquele formulado pelas lutas sociais. Já contei isso aqui. Mas as crias da NAIR acharam que eu estava sendo simplista. De certo modo, é verdade. O conjunto da obra é bem pior do que eu imaginava.

A cartilha que tenho aqui dá o caminho das pedras. Lyra, por alcunha 'o Nair', não brincava em serviço. Informam-me, por exemplo, que era versado na obra de Gramsci, o pai do totalitarismo perfeito. Gramsci, como sabem, é o teórico comunista italiano que deu o caminho das pedras: forneceu o instrumental teórico para que a esquerda açambarcasse as instituições da ‘sociedade burguesa’ e as usassem a serviço de sua causa.

'O Nair' era um verdadeiro guru, um mestre. Num texto de sua autoria, que está no manual, ele ensina como devem agir seus gafanhotos. Reproduzo um trecho para que continuemos. Vejam como ele se dirige ao jovem estudante de direito:

'Vocês devem, inclusive, aproveitar as lições de seus mestres conservadores. Se o ceguinho remói as suas fontes, se o catedr'áulico (SIC) irrita com a arrogância do cortesão, se o nefelibata dá sono com os seus discursos, onde há pérolas de erudição sem um fio que as reúna em colar de verdadeira cultura — todos eles, sem querer, trazem milho para o nosso moinho.

A questão é não comer o milho (não somos galinhas agachadas diante dos falos de terreiro pedagógico) e, sim, 'moer' o milho, isto é, constituir com ele o nosso 'fubá dialético, acrescido com outras matérias que os ceguinhos catred'áulicos e nefelibatas ou não conhecem ou deturpam, e, em todo caso, não usam porque eles são do Planalto, e nós somos da planície, democrática, popular, conscientizada e libertadora'

(...)

Observem que 'o Nair' fala a agentes subversivos, que devem aproveitar o 'milho dos conservadores' para produzir o ‘fubá dialético'. Atentem também para a elegância revolucionária da linguagem e para o estímulo ao que não passa de delinqüência intelectual contestadora. 'O Nair', vê-se, gostava mesmo de jovens topetudos, ousados, malcriados quem sabe... Não estranho que tanto garotão que mal saiu dos cueiros, que mal sabe articular a inculta e bela, se atreva a dar lições de direito, de moral, de ética e, por que não?, de censura. Devem achar que chegou a hora de a gente passar pelo teste do fubá dialético.

Doutor Nair falava também umas coisas um tanto estranhas — e, às vezes, fica parecendo que o público-alvo de sua revolução eram só os rapazolas. Num outro momento de seu artigo, depois de desancar o direito, digamos, tradicional, ele escreve: 'Não à toa, o 'direito' que se adapta a esse esquema, dito apolítico (isto é, político de direita) só pode ser um 'direito' examinado segundo a teoria 'jurídica' de um positivismo (capado) ou de um jusnaturalismo (brocha)'. Eu, hein, Rosa... 'A direita', como vêem, apanhava demais, coitadinha. E urgia não ser capado (ah, tudo menos isso!) nem brocha (uma decepção, certo?). Era um homem maduro falando aos jovens, era o Sócrates do 'direito achado na rua'. Os partidários dessa corrente, nem capada nem brocha, hoje se dizem muito preocupados com as criancinhas.

E onde ele queria chegar? Ele responde: 'Dialeticamente, direi que política é tornar 'possível' o 'impossível', isto é, o objetivo final de toda ação, mediante a 'evolução revolucionária', constituída por sucessivas aproximações, que pressionam e dilatam as barreiras da reação e do conservantismo, com vista à transformação do mundo e não à adaptação ao mundo da dominação instituída'. Trata-se de um pastiche gramsciano, com intenção muito clara. A receita acima, que já usei para convencer algumas moças a ceder aos meus encantos ('Que isso... Temos de romper barreiras etc e tal'), aplicada ao direito, resulta num esforço sistemático e continuado de subversão da ordem.

Sim, este blog tem muitos correspondentes na Universidade de Brasília. Eles me informam que esse negócio se espalhou por lá feito PRAGA — sem deixar de ser uma CHAGA —, especialmente no curso de Direito, que teria se tornando um samba de uma nota só. Ora, compreende-se por quê: Seu Nair julgava que seu pensamento — e a doutrina que ensinava a seus rapazes — não era uma entre várias leituras; não era uma entre várias interpretações; não era uma entre várias possibilidades. Não! Ele tinha grandes ambições revolucionárias: como todo revolucionário, via-se como a própria encarnação da evolução. Ele defendia 'a verdadeira cultura' — os outros tinham apenas pérolas esparsas de erudição. Aqueles que não se alinhavam com seu pensamento eram 'catedr'áulicos, nefelibatas'. O livro tem 156 páginas e é um verdadeiro show de horrores. Mas, acreditem, nele está a explicação de boa parte dos descalabros que vivenciamos.

Formalização

O que a turma do Seu Nair — na verdade, toda a tal escola jurídica — faz é tentar dar uma expressão legal (!?) à subversão da ordem e à transgressão da lei. Muito 'dileticamente', como diria o mestre... Já falei dessa gente aqui e lhes pedi que pensassem, por exemplo, na invasão da Reitoria da USP. Ilegal? E daí? O manual que tenho aqui me diz que ela pode ser legítima. E, se é assim, a legalidade que se dane. Direitos individuais estão sendo desrespeitados? Calma lá: 'individuais' de quem? É perfeitamente possível concluir que existe um direito coletivo à greve, que àquele se sobrepõe. Assim como os interesses dos invasores do MST fundam uma nova demanda de direito que se sobrepõe ao da propriedade. Quem, na imprensa, passou a mão na cabeça dos comuno-fascistinhas da reitoria está endossando isso: a formalização da barbárie

Olhem lá para a Venezuela. O tiranete fechou um canal de televisão, ameaça um outro e mandou prender o oposicionista que liderou os protestos. Chávez fez tudo isso com o direito que foi encontrando na rua, aniquilando a ordem legal 'tradicional', 'catedr'áulica', 'conservadora', de 'direita' e impondo a 'evolução revolucionária'. Na aparência, agiu segundo o mais estrito formalismo. Porque essa gente também sabe enganar, não é? Vai moendo o milho para produzir o seu 'fubá dialético'. Não é outra coisa que o PT tem feito desde que chegou ao poder: submeter as instituições a uma pressão que "dilata as barreiras da reação'.

(...)

Não achamos a democracia na sarjeta."

Envie sua Migalha