Cartões corporativos

8/8/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Abaixo, um artigo, de autoria de Glauco Fonseca, acerca dos hoje quase esquecidos Cartões Corporativos. Só em uma coisa se engana o articulista. É que, ainda que fosse ótimo se as coisas se passassem como descritas, a verdade é que, no Brasil, não só os tais cartões são aceitos, gostosamente, como é um sonho de todos os brasileiros, um dia, ter um desses cartões. E não só para pagar tapiocas, mas para realizar todas as vontades, exatamente para o que servem. As pessoas que os apresentam são tratadas com o respeito dado aos que, de alguma forma, conseguiram o que todos desejam: viver às custas do Erário. Tais pessoas, importantes e arrogantes, crêem os cidadãos, os eleitores enfim, fizeram por merecer, assim como afirma a propaganda dos Ford Fusion, que todos usam, adquiridos às centenas pelo governo, o mesmo que manda emitir os Cartões, para que nada falte a seus usuários. Lula, pensam os detentores dos cartões, é nosso Pastor, e nada nos faltará, nunca na história deste país.

'TAPIOCA NA CARA

 

por Glauco Fonseca

 

Sujeito apresenta cartão para pagar a conta no restaurante e o garçom diz:

- O senhor por acaso não teria um outro? Não se trata de problema nem na tarja, nem no chip nem na maquininha. O problema é de ordem ética mesmo.

É que lamentavelmente não poderemos aceitar este cartão. Sua despesa não configura urgência e relevância para o Estado brasileiro.

No supermercado, a moça do caixa olha com desdém para o cartão corporativo e diz ironicamente ao cliente:

- O moço encontrou tudo que precisa? Não quer aproveitar para comprar produto para proteção de madeira contra cupim? Não quer aproveitar para comprar lixa de madeira, pregos e verniz? Sim, porque nunca vi tamanha cara-de-pau comprar uísque, picanha argentina e vinho importado com um cartão pago por mim que ganho salário mínimo. Eu, hein?

No posto de gasolina, diz o frentista com as mãos na cintura para o descolado dono do carro particular em pleno sábado à tarde:

- Num sábado, amigão? Indo pra praia, meu chapa? Não aceito. Ou paga com outro cartão ou vou tirar a gasolina. Leva a mal não, cidadão, mas essa gasolina aí ta sendo paga por mim também, né? E eu não tô a fim de rachar contigo, não.

No hotel de luxo, a autoridade apresenta o cartão para pagar a hospedagem. O atendente diz à cliente VIP:

- A senhora não gostaria de pagar com outro cartão? É que, como se trata de dinheiro público, o povo tá numa dureza braba, eu sou povo e estou liso como sabão também, estamos tentando economizar um pouquinho, sabe com é.

Se a senhora ajudar, pagando com um cartão próprio pelo menos o extras, já ajudaria nas MINHAS finanças.

Na casa de massagem:

- Olha, amigo, cartão de crédito a gente aceita. Se o cliente for um cara bacana, a gente pendura e até vale-transporte e ticket alimentação a gente recebe. Agora, esse cartão como essa estrela aí eu não vou aceitar não. Aqui a gente passa a mão no cliente, sim. Mas a mão no bolso a gente não mete não e isso aí é dinheiro público. Mão boba aqui só da iniciativa privada.

No freeshop, o rapaz do caixa repassa as compras do cidadão bacana chegando de Miami:

- Cigarros, chocolates suíços, gravatas Hermès, iPods para as crianças. Era só isso, Excelência ou vai cravar mais alguma facada no combalido erário através deste cartão corporativo pago com dinheiro público?

E digo eu:

- Ah, se um dia o povo descobre...'."

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