Justiça

1/9/2008
Olavo Príncipe Credidio – advogado, OAB 56.299/SP

"Sr. diretor de Migalhas. Quisera saber: há Justiça? O que é Justiça na acepção da palavra? Inicialmente procuramos frases históricas no Dicionário de Sentenças e Latinas e Gregas de Renzo Tosi, Editora Martins Fontes. Lá, se formos aos clássicos, encontraremos: 'Fiat iustitia et pereat mundus' (Faça-se justiça, pereça embora o mundo). Diz-se que foi o lema do imperador Fernando I de Absburgo, mencionada por Lutero que, na segunda prédica dedicada ao comentário do Salmo 110 (*37, 138,7), escreve: 'Fiat iustitia et ruat caelum' (Faça-se justiça mesmo que o céu desabe) e por Hegel, que, transformou significamente em 'Fiat iustitia ne pereat mundus' (Faça-se justiça para que o mundo não pereça). Entre as sentenças medievais Walther registra a análoga: 'Fiat iustitia, pereat licet interger orbis' (Faça-se justiça mesmo que para isso morra o mundo inteiro); e no Brasil se diz 'Faça-se justiça embora desabem os céus'. Mas o que é Justiça? O termo Justiça advém do latim: justitia, onde se vê a explicação 'Justitia est perpetua e constans voluntas tribuendi cuique juius suum' (Justiça é a intenção perpétua e constante de dar a cada um o que é seu). Então, confunde-se justiça com direito e encontraremos 'Juris praecepta sunt haec honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere' (Os preceitos do direito são: viver honestamente, não lesar terceiros e dar a cada um o que é seu). Bem! Se formos a Xenofonte, lê-se: ???a?a µ??... ?????te? p????? ?d??a p?????s? (Dizendo coisas justas, muitos fazem coisas injustas). Nas tradições populares corresponde a 'Faze o que eu digo e não faças o que eu faço.' No Brasil, D. João VI instituiu o Judiciário. Teria ele instituído a Justiça? Sim, instituiu a Justiça de acordo com suas conveniências, preservando a autoridade da monarquia. Nós assistimos fatos escabrosos, ou melhor, nossos anteros assistiram: a morte de Tiradentes, de Frei Caneca e de muitos outros que se opuseram à monarquia, à exploração. A monarquia foi substituída pelos militares que, obviamente fizeram as leis na defesa de seus ideais. Aí, como na monarquia, encontramos o ditado atribuído a Anacarsis (séc. VI a.C.), em que Plutarco (50 a.C.) diz que tal personagem usou a comparação para criticar os atenienses, porém tal assertiva é atribuída a Sólon (640 a.C.): 'Lex est araneae tela, quia, si in eam inciderit quid debile, retinetur; grave autem pertransit tela rescissa' (A lei é como uma teia de aranha, se nela cai alguma coisa leve, ela retém. O que é pesado rompe-a e escapa). Note-se que esta frase atribuída a filósofos foi escrita séculos antes de Cristo, logo quem é capaz de dizer que ainda não permanece assim, que as leis não  são elaboradas  por aqueles que  estão na direção? O termo democracia foi extraído do grego (d?µ???at?a) como se lá existisse realmente o governo do povo, o que vemos que é contestado pelos filósofos de então; pois as leis são elaboradas pelos que estão no comando. Nós tivemos ditaduras e não poucas: Getúlio Vargas, os militares, recentemente, como afirmar pois, que temos, desde a monarquia, 200 anos de liberdade jurídica? Se não temos liberdade jurídica, como a firmar que temos Justiça na acepção da palavra. Justiça, pois, é um termo utópico. Vamos aos clássicos:

Eis o conceito Aristóteles:

O conceito de justiça de Aristóteles na sua formulação mais acabada é ainda um conceito muito limitado, é a ética no sentido mais estrito da palavra,...

Conceito de Platão:

Platão–Protágoras - A justiça aparece então como fator de sociabilidade em Platão: sem ela a sociedade se desintegraria. Tal idéia aparece também no Protágoras quando constrói um mito em que explica a fundação da polis a partir de uma intervenção dos deuses: 'Zeus, temendo que o nosso gênero perecesse por completo, envia Hermes para levar aos homens o sentimento de respeito (aidós) e justiça, para que nas cidades houvesse harmonia e vínculos conciliadores de amizade.' (Protagóras 322 c).

Conceito de Kant:

Kant-justiça aparece em Kant como fator de sociabilidade, já que para ele 'se a justiça desaparecer do mundo, não mais vale a pena viver sobre a terra' (nota 4) A justiça se funda na racionalidade e aparece como uma necessidade advinda do contrato originário que funda o Estado.

Achamos que, com poucas palavras, Aristóteles disse tudo: Justiça é a ética no sentido mais estrito da palavra.

Fomos a Google para nos inteirar da ética:

O que é Ética?

A origem da palavra ética vem do grego 'ethos', que quer dizer o modo de ser, o caráter. Os romanos traduziram o 'ethos' grego, para o latim 'mos' (ou no plural 'mores'), que quer dizer costume, de onde vem a palavra moral. Tanto 'ethos' (caráter) como 'mos' (costume) indicam um tipo de comportamento propriamente humano que não é natural, o homem não nasce com ele como se fosse um instinto, mas que é 'adquirido ou conquistado por hábito' (VÁZQUEZ). Portanto, ética e moral, pela própria etimologia, diz respeito a uma realidade humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem. No nosso dia-a-dia não fazemos distinção entre ética e moral, usamos as duas palavras como sinônimos. Mas os estudiosos da questão fazem uma distinção entre as duas palavras. Assim, a moral é definida como o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes, valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A moral é normativa. Enquanto a ética é definida como a teoria, o conhecimento ou a ciência do comportamento moral, que busca explicar, compreender, justificar e criticar a moral ou as morais de uma sociedade. A ética é filosófica e científica. 'Nenhum homem é uma ilha'. Esta famosa frase do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender que a vida humana é convívio. Para o ser humano viver é conviver. É justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e ético. É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais: o que devo fazer? Como agir em determinada situação? Como comportar-me perante o outro? Diante da corrupção e das injustiças, o que fazer? Portanto, constantemente no nosso cotidiano encontramos situações que nos colocam problemas morais. São problemas práticos e concretos da nossa vida em sociedade, ou seja, problemas que dizem respeito às nossas decisões, escolhas, ações e comportamentos - os quais exigem uma avaliação, um julgamento, um juízo de valor entre o que socialmente é considerado bom ou mau, justo ou injusto, certo ou errado, pela moral vigente. O problema é que não costumamos refletir e buscar os 'porquês' de nossas escolhas, dos comportamentos, dos valores. Agimos por força do hábito, dos costumes e da tradição, tendendo à naturalizar a realidade social, política, econômica e cultural. Com isto, perdemos nossa capacidade critica diante da realidade. Em outras palavras, não costumamos fazer ética, pois não fazemos a crítica, nem buscamos compreender e explicitar a nossa realidade moral. No Brasil, encontramos vários exemplos para o que afirmamos acima. Historicamente marcada pelas injustiças sócio-econômicas, pelo preconceito racial e sexual, pela exploração da mão-de-obra infantil, pelo 'jeitinho' e a 'lei de Gerson', etc, etc. A realidade brasileira nos coloca diante de problemas éticos bastante sérios. Contudo, já estamos por demais acostumados com nossas misérias de toda ordem.  Naturalizamos a injustiça e consideramos normal conviver lado a lado as mansões e os barracos, as crianças e os mendigos nas ruas; achamos inteligente e esperto levar e os mendigos nas ruas; achamos inteligente e esperto levar vantagem em tudo e tendemos a considerar como sendo etário quem procura ser honesto. Na vida pública, exemplos é o que não faltam na nossa história recente: 'anões do orçamento', impeachment de presidente por corrupção, compras de parlamentares para a reeleição, os medicamentos 'b o', máfia do crime organizado, desvio do Fundef, etc. etc. Não sem motivos fala-se numa crise ética, já que tal realidade não pode ser reduzida tão somente ao campo político-econômico. Envolve questões de valor, de convivência, de consciência, de justiça. Envolve vidas humanas. Onde há vida humana em jogo, impõem-se necessariamente um problema ético. O homem, enquanto ser ético, enxerga o seu semelhante, não lhe é indiferente. O apelo que o outro me lança é de ser tratado como gente e não como coisa ou bicho. Neste sentido, a Ética vem denunciar toda realidade onde o ser humano é coisificado e animalizado, ou seja, onde o ser humano concreto.

Platão–Protágoras - A justiça aparece então como fator de sociabilidade em Platão: sem ela a sociedade se desintegraria. Tal idéia aparece também no Protágoras quando constrói um mito em que explica a fundação da polis a partir de uma intervenção dos deuses: 'Zeus, temendo que o nosso gênero perecesse por completo, envia Hermes para levar aos homens o sentimento de respeito (aidós) e justiça, para que nas cidades houvesse harmonia e vínculos conciliadores de amizade.' (Protagóras 322 c).

Por que nos dedicarmos a esse tema: Justiça? É, como advogado, nosso dever é procurar a Justiça, na acepção do termo. Esbarramos, porém, nisso tudo que dissemos e principalmente, nosso Judiciário não está preparado para nos dar Justiça, por formação, por conclusões infelizes e liberdade subjetiva, na aplicação das leis. Um dos maiores defeitos dele é aquilo que chamam de Jurisprudência, em que há liberdade de procurar esclarecimento naquilo que deve ser absolutamente claro quando prolatado: o texto legal. Só vamos citar, pela extensão de um caso em que nos deparamos com um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, contrariando uma sentença legítima de 1º Grau, dada de conformidade com a lei, em que manifestamos para um Desembargador, nosso inconformismo e ele nos disse que fora uma questão de interpretação, que eu lhe disse: 'Data venia' então V. Exªs podem interpretar o preto como branco e o branco como preto e têm liberdade para isso? Em que ele encerrou nossa conversa dizendo-me para eu recorrer; e note-se que me atendeu porque eu dissera que meu filho era Juiz. Eu cito o caso em meu livro: A Justiça Não Só Tarda... Mas Também Falha. Obviamente, muito assunto ainda haveria para eu dispor; que eu aludi em meu livro, mas seria muito extenso, motivo pelo qual limito-me a esse, e peço desculpas pelo espaço usado. Atenciosamente,"

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