Jogo de azar

8/10/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Fico feliz ao ler que as notícias sobre a crise do mercado norte-americano, que atinge, agora, o resto do mundo e chega ao Brasil serve, ao menos, para que eu tenha a certeza de que sempre tive razão: esse negócio de Bolsa de Valores sempre pareceu mais uma insana máquina de apostas, gerindo um não menos insano jogo de azar. É possível, é claro, que eu, como advogado que sou, não entenda nada de mercado, e esteja dizendo uma grande besteira. Se assim for, penitencio-me. Mas, que parece, parece. Ao ler nos jornais a declaração entristecida da artista Cássia Kiss, que foi brincar de bolsa e se ferrou, querendo com isso dizer que perdeu tudo o que a muito custo havia amealhado em sua vida de trabalho, lembrei-me que também eu passei pelo mesmo, ao conhecer em um desditoso dia, em uma festa na casa de um amigo, um corretor da Bolsa, que se propôs a duplicar (talvez, até, triplicar ou quadruplicar) o dinheiro que eu vinha guardando, cuidadosamente, para construir uma casa de praia, um velho sonho. Passado algum tempo, procurando saber de meu 'investimento', fui surpreendido com a notícia de que eu não só tinha mais nada, mas estava 'devendo' um certo valor. Na conversa telefônica, tensa, é claro, procurei ver ao corretor que, se eu tinha ações, elas poderiam não valer nada, mas não valer negativamente. Santa ignorância a minha, que foi logo aplacada com a solerte explicação de que havia ele aplicado meu dinheiro em 'contratos de risco', coisa da qual eu jamais ouvira falar na ocasião. Depois da explicação, de que havia aplicado em contratos de venda de boi, assinados por quem não teve, jamais, boi algum, mas que se comprometia, em data determinada, a entregar não sei quantas cabeças de gado inexistente, por um valor antes combinado e prometido. Lembro que, na ocasião, tentei fazer ver ao corretor que, para nós advogados, essa operação muito se parecia com a descrita com o nome de estelionato (art. 171) e, por isso, denunciei-o à Bolsa de Valores que, estudou o caso e concluiu, afinal, que o corretor agira corretamente 'sob ordens verbais minhas'. E eu fiquei a ver navios. Não da varanda da minha sonhada casa de praia, mas na televisão, aqui em meu apartamento em São Paulo. Agora, tenho em mãos um artigo de Robert J. Samuelson, publicado em 'Época Negócios', no qual o articulista descreve o dia em que Wall Street se desintegrou, e como bancos que investem capital próprio, executivos movidos a bônus e operações 'alavancadas' com dinheiro emprestado transformaram o sistema financeiro americano em uma máquina insana de apostas. Diz o articulista – e acho que aí está o motivo pelo qual Cássia Kiss agora, e eu no passado nos ferramos – 'não que as lideranças de Wall Street enganassem clientes ou emprestadores, levando-os a assumir riscos que fossem sabidamente perigosos. Em vez disso eles concluíram que os riscos eram baixos ou inexistentes. Enganaram-se a si mesmos, porque os retornos a curto prazo cegaram-nos para os perigos a longo prazo. Que inevitavelmente afloraram. A lógica poderosa da alta alavancagem deu marcha à ré'. E, conclui o articulista, que as crises financeiras se parecem muito com as guerras em um aspecto crucial: 'são frutos de cálculos errados'. Mas, como o próprio Carl Marx afirmava, 'crises permanentes não existem', de modo que nem mesmo ele acreditava que o colapso do capitalismo fosse inevitável. Não existe, segundo o marxismo, crise econômica tão profunda da qual o capitalismo não possa recuperar-se. Essa é a boa notícia. A má notícia é que, ainda segundo Marx, essa inevitabilidade estará garantida sempre que a classe trabalhadora pague o preço do desemprego, da deterioração dos padrões de vida e das condições de trabalho. Ou se os governos garantirem, com trilhões de dólares e euros, não os que, inadvertidamente, foram levados de roldão como massa de manobra do mercado, mas os grandes bancos, ou os médios ou pequenos, que provocaram essa enorme crise e que, agora, gritam por socorro, para manter o 'sistema' financeiro mundial."

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