Poderes

20/11/2008
Milton Córdova Júnior - advogado

"O que aconteceu nessa histórica noite de quarta-feira (19/11) no Senado Federal foi exatamente a concretização daquilo que escrevemos e recomendamos em Migalhas de 5/11, ou seja, que 'é da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes', nos termos da nossa Constituição Federal, no art. 49, XI. Vale dizer que o Presidente do Senado, Garibaldi Alves, valeu-se do art. 48 do Regimento Interno do Senado, que diz o seguinte: 'ao Presidente compete velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos Senadores'. Esse artigo do Regimento Interno é o espelho e efetivação do comando constitucional que nos referimos naquele pequeno artigo. Apesar de tão curto o texto, porém objetivo e direto, recebemos uma série de apoiamentos, inclusive de servidores do próprio Senado Federal. De outros leitores de Migalhas, destaco o comentário do colega Olavo Príncipe Credidio, em 6/11, que está em total conformidade com o que ocorreu nessa quarta-feira. Não poderia deixar de manifestar outras opiniões ('recomendações') ao Senado. A Constituição, se cumprida à risca, aponta para o Congresso Nacional os princípios, instrumentos e meios que podem ser utilizados na defesa de suas prerrogativas, sem a menor necessidade de se aprovar esta ou aquela Emenda Constitucional ou Projeto de Lei. Por exemplo, o art. 49, V, é um primor de comando e direção, mas jamais utilizado como deveria ser, por parte do Congresso Nacional. Eis o que ele diz: 'é da competência exclusiva do Congresso Nacional SUSTAR os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa'. Qual o meio para sustar esses atos? Simples: o decreto legislativo, previsto no art. 59, VI, da Constituição, combinado com o Art. 213, II, do Regimento Interno do Senado ('os projetos compreendem projeto de decreto legislativo, referente a matéria da competência exclusiva do Congresso Nacional'. Por outro lado, temos o grande equívoco do Congresso Nacional ao regulamentar de forma inconstitucional o famigerado art. 62 e seus parágrafos, ou seja, os procedimentos referentes à tramitação de medidas provisórias. Observe-se que a Constituição é clara quando diz que as medidas provisórias só podem ser editadas quando estiverem presentes os pressupostos de relevância e urgência (art. 62, caput), e que a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais (art. 62, 5º). Qualquer pessoa que tenha um mínimo de entendimento e que saiba ler, percebe que a primeira coisa a se fazer é o exame de admissibilidade (juízo prévio) das medidas provisórias, antes da deliberação do mérito. Semelhante ao que acontece por ocasião dos recursos judiciais, que são conhecidos (ou recebidos) apenas depois do exame de seus pressupostos e apenas se estes forem atendidos. Uma vez não atendidos, o recurso é sumariamente rejeitado (não conhecido), sem qualquer exame de mérito. É exatamente isso que deveria acontecer no Congresso Nacional, pois é o que a Constituição diz, de forma clara, ou seja, faz-se primeiro o juízo prévio dos pressupostos constitucionais (verificação se a MP é relevante e urgente). Se nessa etapa inicial a medida provisória estiver em desacordo, ela deve ser rejeitada sumariamente, não se perdendo qualquer tempo em exame de mérito. Para que examinar o mérito de matéria previamente decidida como inconstitucional? Mas o Congresso Nacional - sempre ele! - fez uma lambança ao tentar regulamentar internamente essa matéria, na sua Resolução nº 1, de 2002 - CN. No art. 5º, caput e parágrafo 2º da referida Resolução foi estabelecido (pelo próprio Congresso Nacional) o seguinte:

Art. 5º - A Comissão (mista de deputados e senadores) terá o prazo de ... para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária...

§ 2º - ainda que se manifeste pelo não atendimento dos requisitos constitucionais (de relevância e urgência ... a Comissão deverá pronunciar-se sobre o mérito da Medida Provisória.

Os equívocos foram flagrantes, infelizes e, mais do que isso, inconstitucionais, pois foi estabelecido que não há juízo prévio, pois tudo é analisado concomitantemente (juízo prévio, mérito...). O que o Congresso Nacional deve fazer é simples, pois depende apenas dele próprio: rever o seu Regimento Interno, que é matéria interna corporis, alterando a Resolução nº 1, de 2002 - CN, prevendo e estabelecendo claramente o juízo prévio (exame de admissibilidade) das medidas provisórias, devolvendo-as sumariamente em caso do não cumprimento dos pressupostos. Tudo em conformidade com a Constituição, sem necessidade, como visto anteriormente, de se fazer Emendas à Constituição ou projetos de lei. Assim, a forma atual como é conduzida a matéria (tramitação das MP) no Congresso Nacional é absolutamente inconstitucional nesse ponto. Cabe ao próprio Congresso Nacional, e apenas a ele, fazer o que deve ser feito: alterar o seu Regimento Interno, sem ter que dar satisfações a ninguém, no que tange à tramitação das medidas provisórias, sempre em conformidade com a Constituição. Basta ter coragem e vontade política, como a demonstrada na noite da quarta-feira de 19/11/2008."

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