SC

3/12/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Há uma corrente de 'palpiteiros' que, em vez de procurar estudar as causas da tragédia de Santa Catarina, determinam, sem qualquer conhecimento de causa, que os problemas lá ocorridos seriam conseqüência direta das 'mudanças climáticas' provocadas pelo 'aquecimento global', que hoje é a justificativa para qualquer problema ambiental no mundo, ou do desmatamento da Amazônia, quando qualquer problema ambiental acontece no Brasil, e é mais fácil apontar como culpados governos atuais ou passados, o que torna mais fácil a arte de palpitar sem ter que estudar ou ler a respeito. Outros há, com mais discernimento, e mais pé no chão, que responsabilizam o descaso com a defesa civil, como o Editorial de O Globo de 27/11, que lembra que:'No balaio da irresponsabilidade misturam-se a omissão do poder púbico e manifestações de irresponsabilidade civil como, por exemplo, a ocupação de encostas e as agressões urbanísticas, cujas conseqüências só são percebidas quando a natureza cobra sua parte nesses abusos'. Professores universitários catarinenses publicaram um Manifesto no qual apontam as causas das enchentes e dos deslizamentos que causaram mais de uma centena de mortes e questionam como vem sendo conduzida a política ambiental do Estado. Abaixo, um trecho do referido Manifesto, bastante esclarecedor:

'É preciso compreender que chuvas intensas são parte do clima subtropical em que vivemos. E é por causa desse clima que surgiu a mata atlântica. Ela não é apenas decoração das paisagens catarinenses, tanto como as matas ciliares não existem apenas para enfeitar as margens de rios. A cobertura florestal natural das encostas, dos topos de morros, das margens de rios e córregos existe para proteger o solo da erosão provocada por chuvas, permite a alimentação dos lençóis d'água e a manutenção de nascentes e rios, e evita que a água da chuva provoque inundações rápidas (enxurradas).

A construção de habitações e estradas sem respeitar a distância de segurança dos cursos d'água acaba se voltando contra essas construções como um bumerangue, levando consigo outras infra-estruturas, como foi o caso do gasoduto. Esse é um dos componentes da tragédia.

Já os deslizamentos, ou movimentos de massa, são fenômenos da dinâmica natural da Terra. Mas não é o desmatamento que os causa. A chuva em excesso acaba com as propriedades que dão resistência aos solos e mantos de alteração para permanecerem nas encostas. O grande problema de ocupar encostas é fazer cortes e morar embaixo ou acima deles. Há certas encostas que não podem ser ocupadas por moradias, principalmente as do vale do Itajaí, onde o manto de intemperismo, pouco resistente, se apresenta muito profundo e com vários planos de possíveis rupturas (deslizamento), além da grande inclinação das encostas. E é aí que começa a explicação de outra parte da tragédia que estamos vivendo.

A ocupação dos solos nas cidades não tem sido feita levando em conta que estão assentadas sobre uma rocha antiga, degradada pelas intempéries, e cuja capacidade de suporte é baixa. Através dos cortes aumenta a instabilidade. As fortes chuvas acabaram com a resistência e assim o material deslizou.

A ocupação do solo é ordenada por leis municipais, os planos diretores urbanos. Esses planos diretores definem como as cidades crescem, que áreas vão ocupar e como se dá essa ocupação. Por falta de conhecimento ecológico dos poderes executivo, judiciário e legislativo (ou por não leva-lo em consideração), o código florestal tem sido desrespeitado pelos planos diretores em praticamente todo o Vale do Itajai, e também no litoral catarinense, sob a alegação de que o município é soberano para decidir, ou supondo que a mata é um enfeite desnecessário. Da mesma forma, as encostas têm sido ocupadas, cortadas e recortadas, à revelia das leis da Natureza.

Trata-se de uma falta de compreensão que está alicerçada na idéia, ousada e insensata, de que os terrenos devem ser remodelados para atender aos nossos projetos, em vez de adequarmos nossos projetos aos terrenos reais e sua dinâmica natural nos quais irão se assentar.

A postura não é diferente nas áreas rurais, onde a fiscalização ambiental não tem sido eficiente no controle de desmatamentos e intensidade de cultivos em locais impróprios, como mostram as denúncias freqüentes veiculadas nas redes que conectam ambientalistas e gestores ambientais de toda região. A irresponsabilidade se estende, portanto, para toda a sociedade.

Deslizamentos, erosão pela chuva e ação dos rios apresentam fatores condicionantes diferentes, mas todos fazem parte da dinâmica natural. A morfologia natural do terrreno é uma conquista da natureza, que vai lapidando e moldando a paisagem na busca de um equilíbrio dinâmico. Erode aqui, deposita ali e assim vai conquistando, ao longo de milhões de anos, uma estabilidade dinâmica. O que se deve fazer é conhecer sua forma de ação e procurar os cenários da paisagem onde sua atuação seja menos intensa ou não ocorra.

As alterações desse modelado pelo homem foram as principais causas dos movimentos de massa que ocorreram em toda a região. Portanto, precisamos evoluir muito na forma de gestão urbana e rural e encontrar mecanismos e instrumentos que permitam a convivência entre cidade, agricultura, rios e encostas.

Por isso tudo, essa catástrofe é um apelo à inteligência e à sabedoria dos novos ou reeleitos gestores municipais e ao governo estadual, que têm o desafio de conduzir seus municípios e toda Santa Catarina a uma crescente robustez aos fenômenos climáticos adversos. Não adianta reconstruir o que foi destruído, sem considerar o equívoco do paradigma que está por trás desse modelo de ocupação. É necessário pensar soluções sustentáveis. O desafio é reduzir a vulnerabilidade.

Uma estranha coincidência é que a tragédia catarinense ocorreu na semana em que a Assembléia Legislativa concluiu as audiências públicas sobre o Código Ambiental, uma lei que é o resultado da pressão de fazendeiros, fábricas de celulose, empreiteiros e outros interesses, apoiados na justa preocupação de pequenos agricultores que dispõe de pequenas extensões de terra para plantio.

Entre outras propostas altamente criticadas por renomados conhecedores do direito constitucional e ambiental, a drástica redução das áreas de preservação permanente ao longo de rios, a desconsideração de áreas declivosas, topos de morro e nascentes, além da eliminação dos campos de altitude (reconhecidas paisagens de recarga de aqüíferos) das áreas protegidas, são dispositivos que aumentam a chance de ocorrência e agravam os efeitos de catástrofes como a que estamos vivendo. Alega o deputado Moacir Sopelsa que a lei ambiental precisa se ajustar à estrutura fundiária catarinense, como se essa estrutura fundiária não fosse, ela mesma, um produto de opções anteriores, que negligenciaram a sua base de sustentação.

Sugerimos que os deputados visitem Luiz Alves, Pomerode, Blumenau, Brusque, só para citar alguns municípios, para aprender que a estrutura fundiária e a urbana é que precisam se ajustar à Natureza. Dela as leis são irrevogáveis e a tentativa de revogá-las ou ignorá-las custam muitas vidas e dinheiro público e privado.'

As enchentes do Vale do Itajaí são decorrência do desmatamento na região, em especial junto às cabeceiras dos rios afluentes do Itajaí, associada à ocupação indevida do solo. As árvores, que sustentam o solo são retiradas para dar lugar a culturas de bananas, novas fábricas e loteamentos residenciais, tudo com alvarás, todos felizes com o 'progresso'. Nada é feito com fiscalização, seja do CREA, seja da defesa civil, seja das prefeituras, como de resto em todo o Brasil. Daí, a natureza acaba cobrando seu preço. Não só em Santa Catarina, mas em todos os outros locais onde, nesta época do anos se vê essas enchentes provocarem a morte de centenas de pessoas. Até pode haver alguma influência do aquecimento global. Mas, nesses casos, isso pode até ser desconsiderado. Nietzsche, acerca de opiniões e convicções, considera que possuímos nossas opiniões como possuímos peixes, na medida em que somos proprietários de um viveiro. Temos de sair para pescar e ter sorte, então temos nossos peixes, nossas opiniões. Falo de opiniões vivas, de peixes vivos. Outros se satisfazem em possuir uma coleção de fósseis, 'convicções' em sua cabeça. São os que ouvem o galo cantar e...basta. Ficam a repetir sempre a mesma e surrada cantilena, até porque se informar cansa, dá trabalho."

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