SC

10/12/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Bento XVI expressou neste domingo sua solidariedade com as vítimas das inundações que afetaram o sul do Brasil e que já provocaram mais de 100 mortos. Até aí, tudo bem. Em sua saudação em língua portuguesa após a oração do Ângelus com os fiéis e os peregrinos reunidos na Praça de São Pedro no Vaticano, o Papa quis 'de forma particular' reafirmar seus «sentimentos de comoção pela catástrofe ambiental que aconteceu há poucos dias no estado de Santa Catarina, que causou numerosas vítimas e deixou milhares de pessoas sem casa». Quanto a essa parte, também tudo bem. Mas, na sequência, acrescentou o Pontífice, 'Para todos eles invoco a proteção do Altíssimo, para que possa recompensar o povo brasileiro e as autoridades nacionais e estrangeiras pela ajuda que prestaram às vítimas neste momento de viva consternação'. Aí, creio eu, exagerou um pouco, invocando a proteção do Altíssimo também para as autoridades nacionais, talvez por desconhecê-las. Mais diretos foram os representantes do Papa no Brasil, mais propriamente os do local da tragédia, que bem conhecem a ausência das autoridades nacionais e sua parcela de responsabilidade quanto ao ocorrido.

'O bispo de Blumenau, uma das regiões mais atingidas pela tragédia ambiental em Santa Catarina, afirma que é preciso buscar outras causas do evento além das chuvas.

'Precisamos buscar, mais profundamente, outras causas de tantos desmoronamentos, mortes, feridos e desabrigados', afirma Dom Angélico Bernardino, em artigo difundido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) essa sexta-feira.

'Fiquemos nos municípios atingidos, na diocese de Blumenau, onde tantas mortes aconteceram, casas foram destruídas, arrozais e outras plantações comprometidas, ruas, estradas obstruídas', destaca.

Dom Angélico questiona onde está o planejamento urbano preventivo e recorda que nos anos 1983 e 1984 já ouve outras enchentes. O bispo aponta a falta de atenção com os morros e as encostas. 'Tivemos enxurradas generalizadas, enchentes em Navegantes, mas o desastre maior desceu dos morros', afirma.

O prelado questiona a atenção que se dá, nos planejamentos municipais, à Defesa Civil; também se há estudos sérios, abalizados, sobre a qualidade do solo e sua ocupação.

'Por que as encostas dos morros são chanfradas e os barrancos não recebem tratamento adequado? Onde e como estão os muros de arrimo? Por que o Poder Público se curva diante dos interesses da exploração imobiliária?'

O bispo denuncia que locais condenados à habitação por estudos feitos há 25 anos, «por exemplo no morro Coripós, continuaram habitados, com o Poder Público conivente, a cobrar dos moradores, imposto e taxas de água, luz».

'Por que o caminho das águas que descem dos morros não é respeitado e sua vazão não é prevista? Por que, em muitos locais o pinus e o eucalipto imperam (região do Baú), a serviço do interesse de serrarias?'

Dom Angélico questiona ainda qual é 'a segurança efetiva que é oferecida à população que vive ao lado do gasoduto que corta a Região e acabou explodindo em Belchior, Gaspar?'

'Por que os Municípios não têm sério plano habitacional contemplando, de maneira especial, os pobres, os menos favorecidos economicamente falando? Por que há tanto esmero em maquiar a cidade e não há atendimento solucionador de seus problemas básicos?', questiona.

O bispo de Blumenau aponta ainda a 'urgente necessidade' de se respeitar o meio ambiente.

Passados os primeiros momentos de dor e sofrimento –assinala o bispo–, 'em que maravilhosa rede de solidariedade nos envolve, é chegado o momento da reconstrução alicerçada na descoberta das causas profundas da catástrofe e das soluções que se fazem necessárias'.

Não é que o Papa devesse excomungar as autoridades nacionais. Mas invocar a proteção do Altíssimo para elas realmente foi um exagero. As autoridades nacionais, como sempre, deixam muito a desejar a respeito, não só em Santa Catarina, mas em todos os outros locais em que essas tragédias, tragédias anunciadas, se repetem ano após ano, sem que nenhuma providência seja tomada para que não se repitam."

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