Circus

26/2/2009
Francimar Torres Maia - OAB/RS – 21.132

"Grande Mestre, excelente a crônica de hoje (Migalhas 2.089 - 20/2/09 - "Circus" - clique aqui). Rendeu várias gargalhadas. Já tive a ideia de fazer um 'dicionário cearucho', justamente pensando na riqueza do vocabulário brasileiro. Sobre a cabaça, a título de ilustração, - é produto de uma árvore, que os nordestinos, mais carentes do que os sulistas, bem aproveitavam. A cabaça, depois de seca, era trabalhada e dela se fazia a cuia, com a qual, no interior ou nas casas das famílias mais pobres, se pegava água, como fosse uma concha (aqui, concha em português...), e se usava como recipiente, vasilha. Escavada na sua extremidade superior, a cabaça era usada como se fosse uma moringa ou quartinha, na qual os trabalhadores levavam água para os roçados, ou as mulheres transportavam-na do rio para casa. Como a água era pouca, tomava-se banho de cuia - pegava-se água dum balde e jogava-se sobre a cabeça da gente. Aliás, daí surgiu a expressão ‘banho de cuia’ ou ‘bãe de cuia’, que seria o lance hoje chamado 'chapéu', que os jogadores mais habilidosos aplicam nos adversários. A punição aos ambiciosos, que tudo querem e tudo perdem, é traduzida pelo dito popular: no nordeste, 'nem mel nem cabaça'; aqui no Sul, 'nem mel nem porongo'. Aliás, justamente do porongo, é que é feita a cuia onde o gaúcho toma o tradicional chimarrão, o 'amargo doce que eu sorvo', nas palavras inspiradas do poeta. No livro Pegando no Pé da Letra há a história duma brasileira que quase chorou quando o uruguaio a quem visitava disse que os doces carinhosamente feitos pela mãe dela estavam 'muy exquisitos', até que a anfitriã explicou que exquisito significava delicioso. Um brasileiro, único lusófono em um restaurante latino-americano, viu de repente o ambiente ficar pesadamente silencioso, depois de ter afirmado estar com fome porque 'todavía no he comido nadie'. Querendo saber qual teria sido o 'problema', foi informado de que 'nadie' é ninguém, não nada. Outro amigo meu, estudando na Espanha, perdeu uma amiga que gostava muito de 'tortillas', porque a chamou de 'tortillera'. - Como a moça saísse repentina e furiosamente do restaurante, perguntou para o garçom, que lhe disse que 'tortillera' seria uma meretriz das mais rameiras (se é que existe gradação entre elas). - A observação é minha. O fato é que o Circus da última sexta-feira transportou-me à minha infância no Ceará, aos banhos de cuia, bem como ao assunto de que tanto gosto, qual seja a riqueza e a beleza das palavras, quando magistralmente manejadas, como é o seu caso, Suannes. Não me cobre ingresso, pois o Circus esteve impagável. O seu amigo Cearucho,"

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