Falecimento - Ovídio Araújo Baptista da Silva

25/6/2009
André Ramos

"Antes de começar a estudar com mais profundidade o Direito Empresarial, eu iniciei meus estudos acadêmicos com a pretensão de me tornar um 'processualista'. Meu mestrado na UFPE foi nessa área. E foi justamente no curso desse mestrado que eu aprendi a admirar o trabalho do professor Ovídio Baptista da Silva, na minha opinião o maior processualista brasileiro. O meu desencanto com a 'ciência' processual começou exatamente quando eu percebi que esse tão importante ramo da árvore jurídica vivia uma carência enorme de bons 'cientistas'. Nesse ponto, o professor Ovídio foi sem dúvida o maior de todos. Estudava o processo como um matemático estuda os números, como um botânico estuda as plantas, como um biólogo estuda a vida. O professor Ovídio não se limitava a comentar as regras processuais vigentes, tampouco se contentava em explicar sua história ou em reclamar por suas mudanças. Mais que isso: Ovídio Baptista da Silva analisou como nenhum outro processualista brasileiro a ideologia que cerca o direito processual e a importância do processo para o Estado Democrático de Direito. Lembro-me de uma passagem de um artigo de sua autoria que citei em minha dissertação de mestrado. Eu escrevia sobre 'coisa julgada' e investigava as raízes do instituto, bem como sua função primordial para o processo, que é a de estabilizar as demandas, pondo-lhes um fim. Nesse sentido, era minha preocupação estabelecer a vinculação da coisa julgada com o princípio da segurança jurídica, pilar fundamental de qualquer Estado Democrático de Direito. Descobri que a força do princípio da segurança jurídica vinha do positivismo jurídico e de sua tentativa de tornar o Direito um 'sistema' a merecer a qualificação de 'ciência'. Quem me ensinou isso? Ovídio Baptista da Silva, que dizia: ‘se investigarmos as raízes ideológicas que sustentam nosso paradigma, veremos que o direito, a partir das filosofias do século XVII, passou a priorizar o valor 'segurança', como exigência fundamental para a construção do moderno 'Estado Industrial'. Como disse um notável escritor inglês, a ciência jurídica moderna instituiu, como tarefa fundamental, 'domesticar o azar', conseguir no direito resultados tão seguros quanto poderá sê-lo a solução de um problema algébrico. Antes de Savigny 'geometrizar' o direito, criando um 'mundo jurídico' distante das 'no imaginables diversidades' do caso concreto e, portanto, da realidade social, Leibiniz dissera que não apenas o direito, mas a própria moral, seriam ciências tão demonstráveis quanto qualquer problema matemático'. Esse era o professor Ovídio, que num simples artigo sobre tutelas de urgência nos brindava com lições como essa. Certas pessoas vão embora, e nós vamos ficando piores, nós vamos ficando mais medíocres, nós vamos nos apequenando, nós vamos morrendo também, aos poucos. No caso do professor Ovídio Baptista da Silva, pelo menos nos resta o consolo de saber que, embora ele tenha nos deixado, sua obra permanecerá, e tomara que ela continue inspirando as novas gerações de processualistas e juristas a pensar o processo e o direito como instrumentos de mudanças. Mas sem nunca perder de vista a racionalidade, sem nunca ignorar os postulados essenciais do Estado Democrático de Direito. Essa foi talvez a maior lição que o professor Ovídio nos deixou. Descanse em paz, professor. Obrigado por tudo."

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