Falta de afeto 21/10/2009 Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668 "Discordo dos colegas. V.Sas. estão, 'data maxima venia', com uma visão muito simplista da situação. Com efeito, é fato notório que crianças e adolescentes precisam receber afeto de seus pais para que tenham um desenvolvimento psicológico saudável. Perguntem a qualquer psicólogo a diferença entre um adulto que foi amado pelos pais enquanto menor e aquele que não o foi. Ao menos na grande maioria dos casos, aquele que não recebeu afeto parental terá algum tipo de problema psicológico em razão disso, maior ou menor dependendo da situação. É também notório que a criança, quando não recebe amor, passa a se sentir culpada, como se ela tivesse causado o desapego de seus pais para com ela, o que lhe causa grave sofrimento subjetivo que ela, para piorar, não sabe como exteriorizar. Esses são argumentos lógicos. Fundamento jurídico-constitucional para a caracterização do ato ilícito consistente na ausência de amor aos filhos? Art. 227 da CF/88, segundo o qual é dever da família assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade ('rectius': a uma vida digna) e, para uma criança, a vida digna supõe o afeto de seus pais, de sorte a evitar a infinidade de problemas psicológicos que isso possa gerar. Por outro lado, um fato importante é o seguinte: não se defende (pelo menos eu não defendo) que o abandono afetivo enseja dano moral 'in re ipsa', ou seja, pelo mero abandono afetivo, sem comprovação de prejuízo. O prejuízo, aqui, deve ser psicológico. Ou seja, somente se a pessoa provar (por perícia psicológica, no caso) que sofreu traumas psicológicos por conta do abandono afetivo é que ela terá direito à indenização. Afinal, trata-se de 'dano moral por abandono afetivo', não de mera 'indenização por abandono afetivo puro e simples', donde o abandono afetivo deve ter ensejado um dano moral à pessoa para que esta tenha direito a alguma indenização. Não me venham dizer que a indenização só irá piorar a situação porque não trará o amor perdido de volta porque isso não tem nenhuma relação com o tema. O dano moral é indenizável, ponto. Se a situação chegou ao ponto da pessoa processar o pai e/ou a mãe por dano moral por abandono afetivo, é porque seu trauma psicológico já é (deve ser) considerável, trazendo-lhe sofrimento subjetivo – e o sofrimento subjetivo causado por outrem por ato ilícito é ensejador de danos morais, como é óbvio. O ato ilícito civil, no caso, decorre da negligência parental, de não dar amor quando este amor era indispensável à criação do filho. Por fim, não me venham dizer que esse entendimento que defendo geraria indenizações a ex-cônjuges/companheiros(as)/namorados(as) porque aqui estamos tratando apenas de casos de filhos, pessoas em formação que necessitam receber o amor parental para ter um desenvolvimento sem traumas, o que obviamente não se aplica a adultos (o dano moral por rompimento de noivado tem fundamento jurídico distinto, ressalte-se). Sinceramente, negar a pertinência da indenização por dano moral quando o abalo à honra (subjetiva, no caso) decorrer de abandono afetivo é o mesmo que negar a pertinência da indenização por dano moral em qualquer caso. Mas claro, a jurisprudência brasileira só reconhece a possibilidade jurídica da indenização por dano moral puro porque a CF/88 a reconheceu expressamente, pois, do contrário, o legalismo positivista irritantemente arraigado na mentalidade do jurista brasileiro mediano provavelmente faria com que se mantivesse o inacreditável entendimento segundo o qual o dano moral puro não seria indenizável... É o que penso enquanto advogado civilista, especialista e mestrando em Direito Constitucional." Envie sua Migalha