Qual era o uniforme que você vestiu ?

9/11/2009
Marília L. Rolo Duarte

"O Caso dos Cajus. Eu era novata naquela classe de 4ª série primária, do famoso Instituto 'Marden', hoje já inexistente, mas nunca esquecido. Logo que cheguei, percebi que os colegas eram conhecidos entre si, desde o Jardim da Infância, havendo até um grupinho de primos. Portanto, a única estranha era eu. Dos professores já sabia a fama: que a de Aritmética, a Dona Ester Majadas, era muito brava, que a de Português era um doce-de-coco, que a de Geografia, Dona Maura, exigia de cor todas as capitais do Brasil e do mundo e também os nomes dos principais rios etc. Com o passar dos dias, fiz amizade com Diana, a quem revelei um segredo, pedindo-lhe que o guardasse: era que a Nidinha, a mais briguenta da classe, estava indo todos os dias a minha casa, inventando desculpa para copiar os enunciados dos problemas de Matemática, mas o que ela fazia mesmo era copiar a solução deles, pois sabia que eu já fizera a minha tarefa. Para minha surpresa, no dia seguinte, em plena classe, mas antes da chegada da professora, a Nidinha me desafiou para uma briga após as aulas, dizendo em alto e bom som que ela não era coladeira e que eu inventara aquela história para aparecer! É claro que tremi na base, já antevendo que eu perderia a luta para a valentona. Senti um misto de temor e vergonha, pois era a primeira vez que eu me via diante de um confronto físico. Logo, porém, tive uma ideia. Resolvi poupar meu lanche daquele dia, dois enormes e suculentos cajus amarelos, pois sabia que essa fruta mancha o tecido e viria a calhar durante a briga. Nosso uniforme era composto de um vestido azul-marinho de saia pregueada, e mangas compridas, mas com punhos e gola tipo babadouro brancos. No fim da aula, quando a sineta tocou, foi aquele vexame: um empurra-empurra, troças, apupos, torcida dos primos de Nidinha, a Cirene, a Maria Aparecida, o Rubico Horta e o Rubão, que berravam e nos empurravam para a calçada da casa dela, que era pertinho do 'Marden'. Lá chegando, paramos e ela me disse: 'Começa!' Foi então que me dei conta, se ela me pedia para começar, que sua valentia não era tanta assim e num instante atraquei-me com ela e lhe espremi os cajus, com gosto, por sobre a gola engomada de fustão branco e por todo o uniforme. Não é preciso dizer que acabei sendo aclamada vencedora, em meio ao tumulto que se formou. Peguei minha adorada pasta nova, de couro, com chave, que fora jogada longe, e voltei para casa, apenas com alguns arranhões. Para minha surpresa, dali a uma semana, pude saborear melhor a vitória: Nidinha, obrigada por sua avó, uma senhora muito enérgica com quem morava, teve de ir à escola com o uniforme todo manchado. E foi assim, através do estratagema dos cajus, que me destaquei entre os colegas. Só fiquei muito chateada com a Diana, que revelara o segredo e, por isso, muito pesarosa, devolvi-lhe o presente que ela me dera no meu aniversário: o livro de fábulas 'A Macacada', que eu adorava ler. Ainda bem que ela, num ato de reparação, não o aceitou de volta e pude lê-lo para meus filhos, quando crianças. Mesmo agora, tanto tempo depois, releio-o para meus netos, com emoção e saudade dos colegas mardenienses e conto-lhes o caso dos cajus!"

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