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EC 45/04

Reforma do Judiciário (EC 45/04) - 10 anos depois

Juristas fazem um balanço da reforma promovida pela Emenda.

Da Redação

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Atualizado em 16 de dezembro de 2014 08:35

Foram quase 13 anos de tramitação no Congresso Nacional. Publicada no DOU em 31/12/04, a EC 45 foi responsável por profundas modificações no Judiciário, principalmente com a criação do CNMP e do CNJ. Este último, em especial, despertou acalorada discussão entre os doutrinadores pátrios. Nas palavras do ex-presidente Lula, iríamos com o Conselho Nacional de Justiça abrir a "caixa preta do Judiciário".

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O jurista Ives Gandra da Silva Martins conta que no início da década de 90, quando começaram a falar em controle externo da magistratura, houve grande resistência. Afirma que ele mesmo foi contra por dois motivos: "Não há controle externo da advocacia, o Poder Judiciário é um poder técnico e não um poder político e um controle político sobre um poder técnico poderia desfigurar o Judiciário."

"A EC 45, todavia, não contemplou um controle externo da magistratura, mas um controle interno com participação da OAB, MP, Senado e Câmara dos Deputados, com 2/3 do Conselho sendo de magistrados. O objetivo maior foi de julgar originária ou recursal a conduta dos magistrados, ao lado das Corregedorias de cada Tribunal. Considerei a solução adotada boa, não só por dar maior agilidade a processos que andavam lentamente nas Corregedorias, como por instituir um exame comportamental mais isento, pois distante das soluções, muitas vezes difíceis, de julgamento de colegas com quem se convive diariamente (art. 103, § 4º, inc. III, da CF). Entendo, todavia, que sua competência não se estende a poder decidir, por exemplo, qual o índice a ser adotado nas dívidas da União, em seus precatórios, pois matéria de exclusiva competência dos Tribunais. Examina a forma de agir do magistrado, mas não o seu poder de cautela."

Para o Professor ainda há muito a se fazer. "Algumas vezes, o CNJ ultrapassou os limites de sua competência, matéria, todavia, de sempre possível correção pelo Pretório Excelso. Os aspectos positivos de sua atuação, entretanto, são evidentes, tendo todos os presidentes comandado a Instituição com indiscutível habilidade e resultados positivos."

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Presidente do STJ na época, o ministro Edson Vidigal conta que "as maiores resistências partiram de juízes de todos os níveis e especialidades que não admitiam a criação do Conselho Nacional de Justiça. No STJ, por exemplo, quando me pediram que levasse a discussão ao Pleno e a submeti a votos restei vencido por esmagadora maioria. Em razão do resultado, alguns tentaram me impedir de falar a favor do que então se chamava controle externo".

"No começo parecíamos os três mosqueteiros - o Márcio Thomaz Bastos, Ministro da Justiça; o Nelson Jobim, então Presidente do Supremo, e eu. O Nelson e eu enfrentamos muitas animosidades do corporativismo. Embora a criação do CNJ tenha despontado como o algo mais da reforma do judiciário, o tempo está provando que a inspiração inicial - a de que seria o órgão da governabilidade do Judiciário, de planejamento estratégico, por exemplo, - tem sido confundido muitas vezes com delegacia de policia ou inspetoria do transito judicial. Embora eu tivesse sugerido a extinção de todos os demais Conselhos do Judiciário, vi que não havia clima propicio. Mas ainda há tempo. Tem Conselho demais que poderiam ter suas funções encampadas pelo CNJ, redundando em eficiência na gestão e economizando dinheiro que poderia ser investido em projetos como o das Cidades Judiciárias."

O ministro destaca a constitucionalização dos tratados e convenções, que, segundo ele, "veio para ficar". "A submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional também. Embora o Brasil esteja devendo 6 milhões de dólares à ONU e por isso já nem pode apresentar candidato a Juiz. Uma vergonha."

Para Vidigal, a obrigatoriedade de o juiz titular residir na comarca "não pegou, exceto quando as sedes são nas capitais ou grandes cidades. O fim do recesso judiciário, exceto nos tribunais superiores, na prática, também não pegou na maioria dos Estados. Do mesmo modo com a garantia à razoável duração do processo. Tem muito juiz que não liga a mínima para isso."

No mais, complementa, "a Justiça do Trabalho ganhou muito. Foram-lhe atribuídas mais competências e possibilidades de descentralização como, por exemplo, as turmas itinerantes dos Tribunais Regionais do Trabalho."

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Um dos principais incentivadores da Reforma do Judiciário, o ministro Márcio Thomaz Bastos, falecido recentemente, falou à TV Migalhas, em 2011, durante a XXI Conferência Nacional dos Advogados, sobre a criação do CNJ e suas funções. "Acredito que o papel dele é um papel de construção do Judiciário moderno. Ele talvez seja a única esperança de nós termos um Poder Judiciário como o que sonhamos e não como o que efetivamente temos."



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Bastos estava à frente do Ministério da Justiça, em 2003, quando foi criada a Secretaria de Reforma do Judiciário, chefiada por Sérgio Rabello Tamm Renault (Tojal | Renault Advogados), com o objetivo primordial de impulsionar a reforma.

"Durante as mais de duas décadas que o projeto de reforma do judiciário tramitou no Congresso Nacional, havia grande resistência a criação do Órgão de controle externo do Judiciário, como se dizia na época, porque setores da magistratura temiam que ele pudesse trazer ingerência indevida na livre formação da convicção dos juízes. Após intenso e leal debate com as entidades representativas da magistratura e o Congresso Nacional, esse temor foi afastado e a emenda aprovada."

Para o advogado, "hoje os dados e estatísticas sobre o Judiciário podem ser conhecidos de todos. Esse conjunto de informações, que não se tinha antes da Emenda 45, possibilita a implementação de políticas públicas mais consistentes. Hoje o CNJ tem competência para planejar globalmente as atividades dos juízes e tribunais. O Judiciário deixou de ser um conjunto de órgãos que não se conversam, agindo sem coordenação e unidade".

Renault também cita, no entanto, que em relação a um dos maiores problemas do Judiciário, que é a "demora na tramitação" dos processos judiciais, pouco mudou. "Com a emenda 45 e após a sua promulgação, várias alterações da legislação processual foram implementadas, mas a verdade é que elas não deram conta de resolver este problema central da lentidão."

"Após a emenda 45 e a criação do CNJ o Judiciário deixou de ser uma caixa preta. Hoje o Judiciário é menos hermético e mais conhecido da sociedade. Antes do CNJ pouco se sabia sobre o Judiciário e sem informações consistentes era impossível traçar políticas, metas e estratégias", completa.

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A EC 45 alterou significativamente o Judiciário ao contemplar ainda importantes inovações como a Repercussão Geral, a Súmula Vinculante, a Incidência de Deslocamento de Competência - IDC, o princípio da duração razoável do processo e a autonomia da Defensoria Pública.

No entanto, para o atual secretário de Reforma do Judiciário, Flávio Crocce Caetano, a EC 45 ainda não atingiu todo o seu potencial transformador. "A Incidência de Deslocamento de Competência - IDC foi admitido em apenas dois casos. A Repercussão Geral e Súmula Vinculante estão em fase de amadurecimento, e ainda temos uma justiça extremamente morosa e uma defensoria pública com pouquíssimos integrantes."

"O volume de processos na Suprema Corte continua altíssimo e ainda não há solução adequada para a redução do estoque de processos nas três instâncias, apesar dos institutos inovadores introduzidos pela emenda. Há três enormes desafios a serem superados: a morosidade da justiça, o excesso de litigiosidade e a falta de acesso à justiça aos excluídos. A boa notícia é que a vontade de mudança permeia todos aqueles que atuam no sistema de justiça. O ambiente político-institucional encontra-se propício para a adoção de políticas públicas de justiça que incentivem os meios alternativos à solução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem; que estimulem a implantação irrestrita do processo judicial eletrônico e que fortaleçam o acesso à justiça com o aprimoramento da defensoria pública e da advocacia solidária."

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Nas palavras do advogado Pierpaolo Cruz Bottini (Bottini & Tamasauskas Advogados), ex-secretário de Reforma do Judiciário, a EC 45 deixou o Judiciário muito mais transparente.

"As pessoas passaram a discutir as questões estruturais, o funcionamento do Judiciário. Passaram a perceber que isso é relevante para um país mais democrático".

Bottini observa, no entanto, que faltou a aprovação de alguns projetos de leis importantes, "como aquele que trata da mediação e uma melhor regulação dos processos coletivos".

Pierpaolo Bottini finaliza ao dizer que a transparência é o "melhor instrumento para o aprimoramento de um poder, e que a EC 45 foi um passo decisivo nesse sentido. Hoje não temos um sistema de justiça perfeito, mas temos um sistema muito melhor do que aquele anterior a aprovação da emenda".

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