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Plenária

STF decide que vacina contra covid-19 deve ser obrigatória

Os ministros também decidiram, por unanimidade, que pais são obrigados a levar os filhos para serem vacinados de acordo com o calendário infantil de imunização, independentemente de convicções filosóficas.

Da Redação

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Atualizado às 19:45

Na tarde desta quinta-feira, 17, o plenário do STF decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra doenças infecciosas, dentre elas, a covid-19. No entanto, para o colegiado, o Estado não pode adotar medidas invasivas, aflitivas ou coativas. Por maioria, os ministros fixaram a seguinte tese:

I - A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras: a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei ou dela decorrentes e:

Tenham como base e evidência científica e análises estratégicas pertinentes;
Venham acompanhadas de ampla informação sobre eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes;
Respeitem a dignididade humana e os direitos fundamentais das pessoas;
Atendam os critérios de proporcionalidade e razoabilodade;
Sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente;

II - Tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União, como pelos Estados, DF e municípios, respeitadas as respectivas esferas de competências. 

Em tema similar, os ministros decidiram, por unanimidade, que pais são obrigados a levar os filhos para serem vacinados de acordo com o calendário infantil de imunização, independentemente de convicções filosóficas. A tese estabelecida foi a seguinte:

"É constitucional a obrigatoridade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária: (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii)  tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou; (iii) seja objeto de determinação da União, Estado e municípios, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consicência e de convicção filosífica dos pais e responsáveis, nem tampouco ao poder familiar"

 (Imagem: Freepik)

(Imagem: Freepik)

Entenda os casos

As ações foram ajuizadas por partidos políticos que tem pedidos antagônicos. O PDT - Partido Democrático Trabalhista requer que o Supremo fixe a orientação de que compete aos Estados e aos municípios determinarem a realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas no combate à pandemia da Covid-19, "desde que as medidas adotadas, amparadas em evidências científicas, acarretem maior proteção ao bem jurídico transindividual".

O PTB - Partido Trabalhista Brasileiro, por sua vez, requer que a regra da lei 13.979/20 (artigo 3º, inciso III, alínea "d") que confere ao Estado a competência para determinar a realização compulsória de vacinação e adotar outras medidas profiláticas no combate à pandemia seja declarada inconstitucional. Segundo o partido, a norma viola diversos dispositivos da Constituição Federal e geraria lesões irreparáveis a direitos fundamentais, em especial ao direito à vida, à saúde e à liberdade individual. A norma impugnada diz o seguinte:

"Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
III - determinação de realização compulsória de:
d) vacinação e outras medidas profiláticas"

O recurso também apregoado para julgamento tem origem em ação civil pública ajuizada pelo MPSP contra os pais de uma criança, a fim de obrigá-los a regularizar a vacinação do seu filho. Por serem adeptos da filosofia vegana e contrários a intervenções médicas invasivas, eles deixaram de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias.

  • Pela obrigatoriedade da vacina

Na sessão de ontem, votou o relator da ADIns, o ministro Ricardo Lewandowski pela legitimidade da vacinação obrigatória, desde que não haja imposições em relação à integridade física e moral dos recalcitrantes, o que violaria os direitos à intangibilidade, à inviolabilidade e à integridade do corpo humano. 

Na tarde de hoje, votaram os demais ministros. Luís Roberto Barroso, relator do recurso nos quais pais veganos não queriam vacinar o filho, abriu seu voto retomando fatos históricos nos quais as vacinas foram essenciais para erradicar doenças que acometiam à sociedade. "Inúmeros doenças foram sendo derrotadas pela ciência e pela vacinação em massa da população". O relator citou doenças como tuberculose, tétano, coqueluche e poliomielite.

Barroso explicou que o caso envolve a ponderação de dois pilares fundamentais: de um lado está a liberdade de consciência e do outro lado estão os direitos da coletividade à vida e à saúde. 

O ministro afirmou ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, ou seja, o direito de as pessoas formularem as suas próprias concepções de vida. No entanto, para Barroso, está fora de dúvida que o direito à vida e à saúde da coletividade, e o direito prioritário às crianças, devem prevalecer sobre à liberdade de consciência.

"É legítimo o caráter compulsório quando exista consenso científico e registro em órgão de vigilância sanitária (...) Não é legítimo em nome de um direito individual, frustrar o direito da coletividade"

Para explicar os motivos pelos quais entende pela vacinação compulsório, Barroso salientou três razões: (i) o Estado pode proteger as pessoas, em situações excepcionais, mesmo contra sua vontade. Como exemplo, citou o caso do cinto de segurança; (ii) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítima as escolhas individuais que afetam gravemente os direitos de terceiros, "as vacinas salvam vidas", afirmou; (iii) o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloque em risco à saúde dos filhos.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu ambos os relatores, ou seja, pela obrigatoriedade da vacina. Conforme o ministro explicou, a compulsoriedade da vacina é um dever duplo: do poder Público, que tem a obrigação de realizar uma ampla campanha de vacinação e do indivíduo, "o que não significa que poderá ser levado de forma forçada à vacinação".

Quanto aos entes responsáveis pelo plano de imunização, o ministro retomou julgado do STF nos quais ficou claro o dever e responsabilidade do governo Federal, Estados, municípios o DF em combater à doença.

"Na ausência do desenvolvimento da ação central, não impede que os entes federativos possam realizar suas campanhas de vacinação (...) aqui não me parece que devamos colocar que só é possível a obrigatoriedade se estiver no plano nacional de imunização. Quero crer que isso não ocorra, e se, eventualmente, o governo Federal não colocar a vacinação no plano nacional de imunização?"

Quanto à vacinação dos filhos, o ministro afirmou que não há dúvidas que a livre convicção filosófica dos pais não pode prevalecer sobre o princípio da integral proteção das crianças e adolescentes. 

Em breve voto, o ministro Edson Fachin seguiu ambos os relatores, ou seja, de que a vacinação é, sim, obrigatória, que se dá e se dá nos limites e nas possibilidades na expressão democrática do federalismo. Segundo o ministro, o STF não retirou poderes de quem quer que seja, muito menos do Executivo Federal, poderes para enfrentar a pandemia. Fachin frisou que o STF não definiu que apenas os Estados poderiam agir para enfrentar, a obrigação é de todos os entes públicos. 

Na mesma linha pela obrigatoriedade da vacina, a ministra Rosa Weber disse ser necessário enfatizar com exaustão que a constitucionalidade da lei que dispõe acerca da vacina obrigatória não significa que o STF esteja determinando à vacinação compulsória, "sua eventual necessidade deverá ser avaliada pelos gestores da saúde", observou.

"A vacinação compulsória é justificada em síntese quando a recusa de um indivíduo coloca em risco injustificado a saúde e a vida de seu vizinho."

Com relação à vacinação de crianças contra a vontade dos pais, Rosa Weber salientou que a imunização contra doenças infantis é uma das maiores conquistas da medicina moderna. De acordo com a ministra, crianças, cujos pais rejeitam deliberadamente à vacinação, beneficiam-se da imunização a que submetidas as outras crianças.

Em sucinto voto, o ministro Dias Toffoli seguiu na íntegra ambos os relatores.

A ministra Cármen Lúcia afirmou que não há democracia em um sistema egoísta: "a responsabilidade consigo e com o outro tem a ver com a dignidade humana". Segundo a ministra, "pior do que ser contaminado pelo vírus, é o medo de contaminar alguém". Cármen Lúcia enfatizou que a liberdade individual no caso de um vírus, que tem um alto índice de transmissibilidade, é suficiente para dizer que a CF não garante liberdade para uma pessoa ser soberanamente egoísta. 

Para o ministro Gilmar Mendes, a vacinação compulsória pode ser determinada mesmo em relação aos medicamentos que forem aprovados, em caráter emergencial, para uso pelas autoridades reguladoras estrangeiras. O ministro pontuou que todos os entes federados poderão autorizar, de forma excepcional e temporária,  a importação e distribuição de quaisquer materiais medicamentos e insumos da área da saúde sujeito à vigilância sanitária, sem registro na Anvisa.

"Vacinar-se é um ato solidário", foi o que disse o ministro Marco Aurélio, o qual subscreveu o voto dos relatores. Em breve voto, o ministro salientou que o interesse no caso é coletivo e, por conseguinte, a medida precisa ser compulsória.

Finalizando o julgamento, o ministro Luiz Fux agradeceu a colaboração dos ministros para a celeridade no julgamento e votou a favor da vacina obrigatória. 

  • Obrigatoriedade em último caso

O ministro Nunes Marques entende pelo não conhecimento das ações por entender que os meios processuais pelos quais a discussão é travada não são adequados. O ministro salientou que não há ato administrativo concreto, mas especulações oriundas de manifestações de Bolsonaro na imprensa ou nas redes sociais acerca da vacinação.

Outro motivo pelo não conhecimento das ações, a obrigatoriedade da vacinação obrigatória, estaria regulamentada em lei pré-constitucional (lei 6.259/75), a qual não poderia ser impugnada em ação direta.

No entanto, ultrapassadas estas questões, o ministro entende que a vacinação obrigatória não pode ser medida inaugural de uma política sanitária, em razão de seu caráter invasivo. Por esse motivo, não é possível, para o ministro, que haja imposição de vacina por meios físicos. Segundo Nunes Marques, a obrigatoriedade da vacina pode ser sancionada apenas por medidas indiretas, tal como multas, sem que haja qualquer tipo de constrangimento físico.

"Vacinação obrigatória deve ser medida extrema, apenas para situação grave e cientificamente justificada e esgotadas todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária."

De acordo com Nunes Marques, deve se assegurar ao cidadão o direito de não se submeter obrigatoriamente à nenhuma vacina que tenha sido concebida por procedimentos inéditos e nunca aplicados em massa. "Não é totalmente infundado o receio de algumas pessoas quanto aos eventuais efeitos que estes imunizantes podem ter", afirmou. 

O ministro concluiu que a instituição de obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 é possível pela União ou pelos Estados, mediante oitiva da União (ministério da Saúde), como última medida para o combate à disseminação da covid-19, após campanha de vacinação voluntária e esgotamento de todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária. No caso da vacinação obrigatória, as sanções  apenas podem ser temporárias e indiretas, incidindo sobre o patromônio, por exemplo.

Quanto ao recurso acerca dos pais, em caso de resistência dos genitores, deve-se aplicar a sanção indireta de suspensão temporária e episódica do poder familiar pelo Judiciário, em procedimento instaurado pelo MP ou pelo Conselho Tutelar, apenas para aplicação na criança da vacina obrigatória devidamente registrada na agência de vigilância sanitária. A liberdade de crença dos pais, segundo o ministro, não deve ser imposto aos menores. Nesse caso, o ministro seguiu o ministro Lewandowski. 

"Não há na lei nenhuma autorização para os pais expandirem sobre seus filhos, com prejuízo de direitos destes, as suas convições pessoais em detrimento de normas sanitárias válidas e eficazes. Legalmente, não há dúvida de que os pais têm que vacinar seus filhos menores. Trata-se da concretização do direito da saúde do menor, que deve ser assegurado não apenas pelos pais, mas pelo Estado." 

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