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Lei anticrime

TJ/SP permite acordo de não persecução penal a condenado por tráfico

Aplicação de instituto criado na lei anticrime tem divergências jurisprudenciais nas Cortes superiores.

Da Redação

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Atualizado às 15:05

O TJ/SP possibilitou a aplicação do ANPP - Acordo de Não Persecução Penal a condenado por tráfico de drogas privilegiado. Decisão é da 12ª câmara de Direito Criminal do TJ/SP, ao transformar o julgamento em diligência para que seja analisada a aplicação do acordo previsto na lei anticrime.

 (Imagem: Freepik)

(Imagem: Freepik)

Na origem, os réus foram condenados à pena de reclusão de 2 anos e 2 meses, em regime semiaberto. Após pedido incidental da defesa técnica, o caso foi analisado pela Corte bandeirante.

A relatora, desembargadora Angélica Almeida, explicou que o acordo previsto no art. 28-A, introduzido pela lei anticrime (13.964/19), representa hipótese de solução consensual, que traz como consequência, uma vez cumpridas as condições estipuladas, a extinção da punibilidade, sem que conste da certidão de antecedentes criminais. Este, na visão da magistrada, deve retroagir em benefício do acusado.

"Trata-se de norma que, ao lado da natureza processual, guarda conteúdo de direito material. Tem aplicação imediata, retroagindo em benefício do acusado para alcançar processos em andamento, inclusive, em grau de recurso."

Tratando o processo em análise de delito ao qual foi aplicada pena mínima inferior a quatro anos e, primários os réus, a magistrada entendeu possível a aplicação do novo instituto.

Por decisão do colegiado, o julgamento foi convertido em diligência e deve ser encaminhado ao promotor de 1ª instância para que seja examinada a possibilidade do acordo de não persecução penal.

Confira o acórdão.

Divergência jurisprudencial

O STJ já decidiu em sentido diverso sobre a mesma questão, reconhecendo a impossibilidade de aplicação da ANPP em casos já sentenciados.

No Resp 1.860.770, quando julgado agravo pela 5ª turma do STJ, com relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik, os ministros consideraram ser descabida a aplicação retroativa do ANPP "quando a persecução penal já ocorreu, estando o feito sentenciado, inclusive com condenação confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no caso em tela".

No mesmo sentido, no HC 628.647, o ministro Nefi Cordeiro, em decisão monocrática, indeferiu o pedido por entender que, quando da sentença daquele caso, já se encontrava em vigência a lei que possibilita o acordo de não persecução penal - contudo, a defesa somente invocou a questão nos embargos de declaração em sede de apelação, "momento, portanto, inoportuno, estando a matéria acobertada pela preclusão consumativa".

STF

Em maio de 2020, o tema aportou ao STF, por meio do HC 185.913, distribuído por prevenção ao ministro Gilmar Mendes. Ao considerar a relevância do tema, o ministro entendeu por bem submeter o caso ao plenário, "para que se assente um precedente representativo, com eventual fixação de tese a ser replicada em outros casos e juízos".

Em decisão monocrática, o ministro destacou que "a possibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal a processos em curso tem sido objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial no que diz respeito à sua natureza e consequente retroatividade mais benéfica". 

O ministro destacou a divergência entre as turmas do STJ e citou julgado no qual a 5ª turma assentou a aplicação do ANPP em processos em curso somente até o recebimento da denúncia (EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 1.681.153/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 8.9.2020, DJe 14.9.2020); e da 6ª turma, no sentido de aceitar a aplicação do ANPP para processos em curso até o trânsito em julgado da condenação (AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 8.9.2020, DJe 14.9.2020).

"Considerando a potencial ocorrência de tal debate em número expressivo de processos e a potencial divergência jurisprudencial sobre questão de tal magnitude, impõe-se a manifestação plenária deste Tribunal , de modo a assegurar-se a segurança jurídica e a previsibilidade das situações processuais."

Na Suprema Corte, os ministros devem definir: se o ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da lei 13.964/19; qual a natureza da norma inserida no art.28-A do CPP; se é possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado; e se é potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo.

O julgamento do caso foi iniciado em meio virtual, mas, após pedido de destaque pelo relator, foi suspenso e ainda não tem data para ser retomado.

Leia a decisão.

Política criminal

O advogado Jean Alves Martins, que atuou no caso julgado no TJ/SP, destaca o ineditismo da decisão e pontua que a celebração de ANPP em casos de tráfico de drogas vai ao encontro da política criminal que deve circular esses delitos. "Sendo o réu primário, de bons antecedentes e sem vinculação com a criminalidade organizada, certamente a submissão ao cárcere não é a melhor saída." 

Ele explica que, para o acusado, o acordo, além de ser uma possibilidade estatal de aviso prévio (função preventiva geral) para inibir a reiteração, fica o registro, como condição adicional, que se vier a ser processado novamente por delito análogo, em prazo acordado entre as partes, haverá a rescisão do acordo.

"As penas alternativas figuram como uma ótima opção ao tráfico privilegiado. De um lado, reduz a superlotação do sistema carcerário - já falido - em especial em situação de pandemia e caos na saúde pública. De outro, produz efeitos benéficos à sociedade, como exemplo, na estipulação de prestação pecuniária a entidade pública local e mesmo a prestação de serviço à comunidade", finaliza.

ANPP

Acerca das questões que envolvem a lei anticrime, Migalhas conversou com o desembargador do TJ/SP Guilherme Nucci, para quem o ANPP é um benefício para criminosos de pequeno escalão.

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