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Literatura nacional | Thiago de Mello

Poeta Thiago de Mello deixa legado humanista em defesa da natureza

O poeta amazonense Thiago de Mello morreu aos 95 anos, na última sexta-feira. É um dos poetas mais influentes e respeitados no país, reconhecido como um ícone da literatura regional.

Da Redação

domingo, 16 de janeiro de 2022

Atualizado às 11:57

"A cada instante morremos, dessa morte renascemos", foi o que escreveu o poeta amazonense Thiago de Mello, em um de seus ensaios, usando a poesia como crítica social, em defesa da floresta e dos povos nativos.

Na última sexta-feira, 14, o Brasil perdeu um de seus poetas mais influentes e respeitados, reconhecido como um ícone da literatura regional. Aos 95 anos, Thiago de Mello deixa um legado em defesa dos direitos humanos, da natureza, com um olhar sensível sobre a vida e morte.

Thiago de Mello é autor dos poemas "Madrugada Camposena" e "Estatuto do Homem" (leia abaixo), que são apenas dois escritos de sua extensa trajetória pela literatura.

 (Imagem: Silva junior| folhapress)

O poeta Thiago de Mello no parque Maurilio Biagi.(Imagem: Silva junior| folhapress)

Sua história

Amadeu Thiago de Mello nasceu no ano de 1926 em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha (interior do Estado do Amazonas). Durante sua vida, Thiago de Mello se tornou conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos. Além de poeta, Thiago de Mello foi tradutor, escritor, jornalista, artista gráfico e roteirista.

 (Imagem: Reprodução | Twitter)

(Imagem: Reprodução | Twitter)

  • 1950: recebe prêmio conferido pelo Jornal de Letras e publica o poema Tempo por Meus Olhos no jornal Correio da Manhã, em que trabalha como colaborador do Suplemento Literário;
  • 1951: Com Geir Campos (1924 - 1999), funda a Editora Hipocampo, e lança o livro Silêncio e Palavra;

 (Imagem: Divulgação | Vida e cultura)

(Imagem: Divulgação | Vida e cultura)

  • 1952: colabora como cronista no periódico Comício, jornal de oposição ao governo de Getúlio Vargas;
  • 1963: exerce a função de adido cultural da Embaixada do Brasil no Chile. Nessa ocasião conhece o poeta Pablo Neruda e traduz o livro Antologia Poética de Pablo;
  • 1978: vai residir na cidade de Barreirinhas, no Amazonas;
  • 1982: o livro Os Estatutos do Homem é divulgado pelo correio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco;
  • 2002: Publica o livro Mamirauá, com textos dele e fotografia de Luiz Cláudio Marigo, um projeto da Sociedade Civil Mamirauá;
  • 2015: publica "ACERTO DE CONTAS", pela Global Editora.

Para conferir a trajetória detalhada de Thiago de Mello, acesse o site do governo do Amazonas, que possui uma seção específica para o poeta.

Poemas

Leia abaixo dois de seus poemas mais conhecidos:

Estatutos do Homem

(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I.

Fica decretado que agora vale a verdade.

que agora vale a vida,

e que de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II.

Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III.

Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV.

Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar,

como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo Único:

O homem confiará no homem

como um menino confia em outro menino.

Artigo V.

Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a ser servida

antes da sobremesa.

Artigo VI.

Fica estabelecida, durante dez séculos,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII.

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII.

Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar-se amor a quem se ama

e saber que é a água

que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX.

Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal de seu suor.

Mas que sobretudo tenha sempre

o quente sabor da ternura.

Artigo X.

Fica permitido a qualquer pessoa,

a qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.

Artigo XI.

Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo.

muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII.

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.

Artigo XIII.

Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade.

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

Madrugada camponesa

Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.

Madrugada da esperança
já é quase tempo de amor
colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana
minha alma no seu pendão.

Madrugada Camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro, mas eu canto,
porque a manhã vai chegar. 

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