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Retrato falado

STJ anula condenação baseada em retrato falado três meses após crime

Ministro Schietti destacou problemas no reconhecimento por show-up e que regras do CPP precisam ser cumpridas.

Da Redação

sábado, 18 de junho de 2022

Atualizado às 15:50

Por entender descumpridas as regras de reconhecimento pessoal previstas pelo art. 226 do CPP, ministro Rogerio Schietti, do STJ, absolveu um homem condenado pelo crime de roubo que foi identificado pela vítima três meses após o crime, apenas por meio de um retrato falado. No dia posterior ao roubo, a vítima foi à delegacia, mas não reconheceu os suspeitos com base nas fotos mostradas pela polícia.

Na decisão, o magistrado reforçou os problemas no reconhecimento de suspeitos por meio da técnica show-up - na qual se apresenta apenas uma foto à vítima ou à testemunha e se pede que ela diga se essa pessoa é ou não a autora do crime. O magistrado também lembrou que, uma vez realizado o reconhecimento, não seria possível repeti-lo em iguais condições, o que torna inviável a reiteração do ato como forma de validar a confirmação inicial da vítima.

"É pertinente ressaltar, por oportuno, que não se está, no caso, a negar a validade integral do depoimento da vítima; mas sim, de negar validade à condenação baseada em reconhecimento colhido em desacordo com as regras probatórias e não corroborado por nenhum outro elemento dos autos."

 (Imagem: Lucas Pricken / Flickr STJ)

Ministro Rogério Schietti reverte condenação baseada em retrato falado mostrado à vítima três meses após o crime.(Imagem: Lucas Pricken / Flickr STJ)

De acordo com os autos, a vítima foi roubada em via pública. No dia seguinte, ao comparecer à delegacia, ela, inicialmente, não reconheceu os criminosos em fotografias que lhe foram apresentadas e disse que não tinha condições de fornecer os traços físicos para confecção de retratos falados. Três meses depois, foi novamente à delegacia e, então, reconheceu um dos suspeitos por meio de retrato falado. Segundo o processo, a vítima não fez o reconhecimento presencial do acusado porque ele havia sido preso por outro crime e encaminhado a um presídio.

Na condenação, o juiz apontou que a vítima não teve dúvidas ao reconhecer o suspeito. A sentença foi confirmada pelo TJ/RJ.

Procedimento de observância obrigatória

Ministro Schietti explicou que o artigo 226 do CPP estabelece o seguinte procedimento: a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever o indivíduo que deva ser reconhecido; a pessoa a ser reconhecida será colocada, se possível, ao lado de outras que tenham semelhanças com ela; se houver algum perigo para aquele que fará o reconhecimento, a autoridade deve providenciar que a vítima ou a testemunha não tenha contato direto com o suspeito.

O relator lembrou que, a partir do julgamento, pela 6ª turma, do HC 598.886, o STJ deu nova interpretação ao art. 226 do CPP para estabelecer que o dispositivo não traz meras recomendações, mas sim um procedimento que, caso não seja seguido, invalida o reconhecimento.

"Reconheceu-se ali a necessidade de se determinar a invalidade de qualquer reconhecimento formal - pessoal ou fotográfico - que não siga estritamente o que determina o artigo 226 do CPP."

O ministro ainda lembrou que o STF tem firmado posição semelhante sobre o tema.

Reconhecimento presencial

Rogerio Schietti destacou que, no HC 712.781, a 6ª turma avançou em relação à compreensão anterior para fixar que, mesmo se for realizado em conformidade com o CPP, o reconhecimento pessoal, embora válido, não é suficiente para gerar certeza quanto à autoria do delito.

No caso dos autos, o relator apontou que houve absoluta desconformidade com as regras do CPP e, além disso, se o suspeito estava preso, nada impedia que ele fosse requisitado do presídio para a realização do reconhecimento na delegacia, com observância do procedimento legal, em vez de ser mostrado à vítima apenas um retrato falado.

Segundo o ministro, estudos indicam que a técnica do show-up é contraindicada, por conferir maior risco de falso reconhecimento. O maior problema, apontou, está no chamado "efeito indutor" pela autoridade policial, pois se estabelece um pré-juízo sobre quem seria o autor do delito, que acaba por contaminar e comprometer a memória da vítima.

"Ademais, não obstante o ato de reconhecimento irregular haja sido repetido em juízo, tal circunstância não convalida os vícios pretéritos. Isso porque não há dúvidas de que o reconhecimento inicial, que foi realizado em desconformidade com o disposto no art. 226 do CPP, afeta todos os subsequentes, haja vista que, conforme se assentou no julgamento do HC 712.781, o reconhecimento de pessoas é considerado como uma prova cognitivamente irrepetível."

Leia a decisão.

Informações: STJ.

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