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Sessão | STF

STF valida repasse de dados para investigar tráfico humano sem autorização judicial

Maioria da Corte entendeu constitucionais previsões de lei de 2016 que modifica o CP.

Da Redação

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Atualizado às 18:13

Em sessão plenária desta quinta-feira, 18, o STF validou dispositivos da lei 13.344/16 que obriga órgãos públicos e empresas privadas a repassarem dados, requisitados por membros do MP ou delegados de Polícia, em investigações contra tráfico de pessoas, independente de autorização judicial.

A análise centrou-se nos arts. 13-A e 13-B da lei. O art. 13-A autoriza autoridades a requisitar dados cadastrais de suspeitos ou vítimas de sequestro, cárcere privado, redução à condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas, com resposta obrigatória em 24 horas.

Por sua vez, o art. 13-B permite que, com autorização judicial, autoridades solicitem auxílio técnico de empresas de telecomunicações para localizar suspeitos ou vítimas, estipulando que, na ausência de decisão judicial em até 12 horas, a localização pode ser requisitada diretamente às empresas.

Votaram pela constitucionalidade da lei, nos termos originais, o relator, ministro Edson Fachin. S. Exa. foi seguida pelos ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e pela ministra Cármen Lúcia.

A divergência foi inaugurada pelos ministros, atualmente aposentados, Marco Aurélio e Rosa Weber, para os quais a lei é inválida, já que a autorização judicial seria imprescindível.

Ministro Gilmar Mendes propôs uma visão intermediária, apoiada pelos Ministros Cristiano Zanin e Dias Toffoli, sugerindo um prazo de 30 dias como limitador para as requisições sem resposta judicial.

Ao final, a maioria da Corte julgou improcedentes os pedidos de inconstitucionalidade formulados na ADIn e validou a lei.

Os ministros também deram interpretação conforme para a expressão constante do art. 13-A, especificando que "dados e informações cadastrais" devem ser restritos aos necessários para as investigações, cabendo ao Judiciário verificar eventuais distorções.

Além de terem dado interpretação extensiva à expressão "crimes relacionados ao tráfico de pessoas", do art. 13-B, no sentido de abranger os delitos de sequestro, cárcere privado e redução à condição análoga à de escravo.

Caso

A ação foi proposta em 2017 pela Acel - Associação Nacional das Operadoras Celulares para impugnar dispositivo da lei 13.344/16. A norma dispõe acerca da prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. 

O art. 11 da lei acrescentou dispositivos ao CPC para autorizar delegados, promotores e procuradores de Justiça a requisitar, de qualquer órgão público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais de vítimas e de suspeitos de crimes como sequestro e cárcere privado, redução à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas com objetivo de retirada de órgãos, exploração sexual, entre outros delitos.

Conforme a Associação, a lei autoriza o requisito informações cujo sigilo as associadas da Acel têm o dever legal e contratual de preservar.

Voto do relator

Ministro Edson Fachin, relator, julgou improcedente a ação; ou seja, votou pela validade da previsão contida na lei 13.344/16. S. Exa. foi acompanhada pelos ministros Nunes Marques, que proferiu voto-vista, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e ministra Cármen Lúcia.

Fachin explicou que apenas a lei pode determinar hipóteses de investigação criminal que autorizam, mediante ordem judicial, o afastamento do sigilo que se espera das comunicações.

"O sigilo é necessário porque ampara uma legítima expectativa de privacidade (...) As comunicações, em si mesmas, não podem ser interceptadas sem autorização judicial. Nada disso, porém, indica inconstitucionalidade no texto impugnado."

Do outro lado, estão os dados cadastrais. Segundo o relator, há precedentes no STF que assentam que os dados cadastrais de posse das empresas de telefonia também poderiam ser requisitados sem ofensa à privacidade.

S. Exa. entendeu que a lei impugnada não confere um amplo poder de requisição, mas um poder que é instrumentalmente necessário para reprimir as violações graves que atentam contra a liberdade pessoal e que se destinam a permitir o resgate das pessoas. 

Edson Fachin destacou que, na expressão "dados cadastrais" prevista na lei, não estão incluídas intercepção de comunicação ou de dados telemáticos. De modo que, não há qualquer dúvida sobre a interpretação adequada ao dispositivo legal, sendo desnecessário que o STF dê interpretaçaõ conforme a CF.

  • Veja o voto de Fachin.

Divergência

Antes da aposentadoria também votaram os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber. Ambos consideraram a norma é inconstitucional, porque confere ao MP e ao delegado de Polícia possibilidade vedada pela CF/88. 

Segundo explicou o ministro, a Constituição é categórica ao exigir a autorização judicial para o afastamento da privacidade.

Com relação ao art. 13-B, o ministro votou por conferir interpretação conforme a Constituição, desde que a autorização seja tomada como específica, ligada ao caso concreto. A cláusula atualmente assim dispõe:

"Art. 13-B. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de Polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados - como sinais, informações e outros - que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso."

Para a ministra Rosa Weber, o acesso a dados relativos à localização de indivíduos, sem autorização judicial, viola o direito à privacidade e à proteção de dados, pois tais elementos contêm informações que evidenciam escolhas políticas, ideológicas, culturais, profissionais, esportivas, e evidenciam, ainda, traços característicos da personalidade.

Veja o voto de Rosa Weber.

Limite temporal

Ministro Gilmar Mendes, ao concordar com a Ministra Rosa Weber, afirmou temer que se dê ao MP e à autoridade policial poder de quebrar sigilos que, em princípio, só ocorrem mediante autorização Judicial. 

No entanto, ao contrário da ministra, que entendeu impossível a requisição direta dos dados caso não haja manifestação da autoridade judicial em 12 horas, o decano da Corte validou tal requisição direta, desde que limitada ao prazo de 30 dias, conforme estabelecido no art. 13-B, §2º, III.

Casuística

Ao analisar as divergências entre as posições, ministro Edson Fachin comentou que o entendimento divergente da ministra Rosa Weber a respeito do art. 13-A, caput, dando interpretação conforme à CF para restringir a disponibilidade de aos de qualificação pessoal, filiação e endereço pode ser um complicador no deslinde de crimes de imensa gravidade.

Portanto, afirmou que deveria ser possível a demanda de dados adicionais, como o da localização.

Assim, avaliou que é preciso ter cautela na extensão dos dados fornecidos, mas que a restrição à qualificação pessoal, filiação e endereço pode ser insuficiente para a finalidade da própria lei.

Afinal, salientou que mantêm o reconhecimento da constitucionalidade, mas segundo a premissa de que dados e informações cadastrais devem ser apenas suficientes para os delitos apurados e que eventuais distorções devem ser verificadas pelo Judiciário.

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