Desde 1891, Senado rejeitou apenas cinco nomes de indicados aos STF
Todas as recusas ocorreram em 1894, no governo Floriano Peixoto, e marcaram o início do controle político sobre as nomeações à Corte.
Da Redação
quinta-feira, 23 de outubro de 2025
Atualizado às 08:01
Em 134 anos de história do Supremo, o Senado Federal rejeitou apenas cinco indicações presidenciais ao STF - todas em um único e conturbado ano: 1894, durante o governo do marechal Floriano Peixoto.
Desde então, nenhum nome indicado ao STF voltou a ser barrado pela Casa.
Agora, com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se prepara para fazer uma nova indicação ao Supremo, reacendendo a tradição republicana.
Um médico no Supremo
O caso mais famoso é o do médico e abolicionista Cândido Barata Ribeiro, nomeado por Floriano Peixoto em 1893 e que chegou a exercer o cargo de ministro do STF por dez meses, antes de ser rejeitado pelo Senado.
Natural da Bahia, Barata Ribeiro mudou-se jovem para o Rio de Janeiro, onde se formou pela Faculdade de Medicina em 1867 e construiu carreira como cirurgião, professor e ativista político.
Defensor do fim da escravidão e entusiasta do regime republicano, foi prefeito do Rio de Janeiro (o DF da época) e atuou com forte presença pública, a ponto de inspirar até Machado de Assis.
Em crônica publicada em A Semana (29/1/1893), o escritor descreveu-o como "homem pequeno e magro, todo vontade, todo ação", elogiando sua decisão de demolir o cortiço Cabeça de Porco, símbolo da insalubridade carioca, comparando-o a Josué derrubando as muralhas de Jericó.
"Como Josué, acaba de pôr abaixo as muralhas de Jericó, vulgo Cabeça de Porco. Chamou as tropas segundo as ordens de Javé durante os seis dias da escritura, deu volta à cidade e depois mandou tocar as trombetas. Tudo ruiu...", escreveu Machado.
Mas o prestígio popular não bastou no Senado.
A Comissão de Justiça e Legislação, ao analisar sua indicação, concluiu que ele não possuía o "notável saber jurídico" exigido para o cargo.
O parecer de 1894, preservado no Arquivo do Senado, registrou que "mentiria a instituição [STF] a seus fins se entendesse que o sentido daquela expressão 'notável saber' referindo-se a outros ramos de conhecimentos humanos, independesse dos que dizem respeito à ciência jurídica".
Os senadores ainda foram severos: Barata Ribeiro teria revelado "grande falta de senso jurídico" em atos administrativos praticados como prefeito, posteriormente rejeitados pela Casa
O documento, datado de setembro de 1894, afirmava que "mentiria a instituição a seus fins se entendesse que o sentido daquela expressão 'notável saber', referindo-se a outros ramos de conhecimentos humanos, independesse dos que dizem respeito à ciência jurídica", pois isso permitiria que o tribunal fosse composto "de astrônomos, químicos, arquitetos etc., sem inquirir-se da habilitação profissional em Direito".
O parecer também foi duro com o médico: "revelou não só ignorância do direito, mas até uma grande falta de senso jurídico", referência a decisões que tomara como prefeito e que haviam sido rejeitadas pelo próprio Senado.
As outras quatro recusas
Após o episódio, Floriano Peixoto indicou outros onze nomes para o Supremo. Desses, quatro foram igualmente reprovados:
- Ewerton Quadros, general que atuara na Revolução Federalista, sem formação em Direito;
- Demóstenes Lobo, diretor-geral dos Correios, também sem diploma jurídico;
- Inocêncio Galvão de Queiroz, general formado em Direito, mas sem trajetória reconhecida no campo jurídico;
- Antônio Seve Navarro, subprocurador da República.
As sessões eram secretas, e as atas se perderam.
O parecer sobre Barata Ribeiro foi o único divulgado publicamente.
À época, a imprensa chegou a se desculpar por não ter acesso aos debates - como registrou o jornal O Paiz:
"Não entram cronistas nem repórteres no recinto, os empregados mais familiares da Casa são banidos do local e as próprias paredes pouco ouvem."
Política e tensão entre Poderes
A recusa dos indicados também teve motivações políticas.
Floriano Peixoto, conhecido como o "Marechal de Ferro", governava sob estado de sítio em meio à Revolta da Armada e à Revolução Federalista.
Enfrentava o Congresso e o próprio Supremo, que concedia habeas corpus a presos políticos. Incomodado, chegou a ameaçar os ministros.
"Se concederem habeas corpus contra meus atos, não sei quem lhes dará habeas corpus quando precisarem."
Do silêncio às sabatinas públicas
A experiência de 1894 resultou em mudanças nas Constituições seguintes, que passaram a exigir "notável saber jurídico" e reputação ilibada como critérios expressos.
O processo de escolha foi também aprimorado: as sessões tornaram-se públicas e o indicado passou a ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - como ocorre até hoje.
Desde a redemocratização, todas as 29 indicações feitas a partir da Constituição de 1988 foram aprovadas.





