STJ fixa critérios para suspender passaportes, CNH e cartões na execução
Por unanimidade, ministros definiram que medidas coercitivas só podem ser aplicadas após esgotados os meios tradicionais de execução.
Da Redação
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Atualizado às 18:17
A 2ª seção do STJ fixou, por unanimidade, que juízes podem aplicar medidas executivas atípicas, como suspensão de passaporte, CNH e bloqueio de cartões, desde que esgotados os meios tradicionais de execução e observados contraditório, proporcionalidade e fundamentação específica.
A tese foi firmada no Tema 1.137, a partir do voto do relator, ministro Marco Buzzi, que reconheceu a validade dessas ferramentas como expressão do poder geral de efetivação previsto no CPC.
Veja a tese fixada:
"Nas execuções civis submetidas exclusivamente ao código de Código de Processo Civil, a adoção judicial de meios executivos atípicas é cabível, desde que, cumulativamente, sejam ponderados os princípios da efetividade e da menor onerosidade do executado, seja realizada de modo prioritariamente subsidiário, a decisão contém a fundamentação adequada às especificidades do caso, sejam observados os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive quanto à sua vigência temporal."
Histórico
O caso chegou ao STJ por meio de dois recursos repetitivos. Em um deles, um banco recorreu contra acórdão do TJ/SP que barrou a suspensão do passaporte e da carteira de habilitação de um devedor em execução, entendendo que tais medidas violariam proporcionalidade e razoabilidade.
O tribunal paulista só admitiu o bloqueio de cartões de crédito, desde que não relacionados à compra de alimentos.
Amicie curiae
A advogada Clarice Frechiani Lara Leite, falando como amicus curiae pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, alertou para o risco de o STJ fixar uma tese demasiadamente ampla sobre medidas executivas atípicas a partir de casos com quadro fático limitado. Destacou que os pedidos analisados, como apreensão de passaporte, CNH e bloqueio de cartões, não trazem demonstração de ocultação patrimonial nem justificativa concreta que relacione a medida ao comportamento do devedor.
Defendeu que a aplicação dessas medidas exige contraditório real, proporcionalidade e fundamentação específica, além de prazo definido para evitar restrições indefinidas. Concluiu ressaltando que o precedente deve permitir desenvolvimento futuro da matéria e não engessar a análise casuística necessária.
Falando pela Febraban como amicus curiae, Anselmo Moreira Gonzalez defendeu a constitucionalidade das medidas executivas atípicas do art. 139, IV, do CPC, afirmando que são instrumentos legítimos para garantir a efetividade da execução quando os meios tradicionais falham. Ressaltou que tais medidas devem observar contraditório, proporcionalidade e caráter subsidiário.
O advogado destacou que o debate não trata da validade das garantias fundamentais, mas da eficácia do Processo Civil, e citou entendimento consolidado do STJ reconhecendo a possibilidade dessas medidas. Concluiu que o fortalecimento da execução é compatível com o Estado Democrático de Direito e com a própria jurisprudência do STF.
Por fim, a advogada Ana Carolina Andrada Arraias Caputo Bastos, pelo FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis, afirmou que as medidas executivas atípicas são legítimas e essenciais para garantir a efetividade das decisões quando o devedor, de forma deliberada, impede o cumprimento da sentença.
Destacou que os enunciados do FPPC reconhecem sua aplicação subsidiária, desde que respeitados proporcionalidade, razoabilidade e contraditório, e que o juiz pode adotá-las de ofício para assegurar a autoridade da Justiça.
Voto do relator
O ministro Marco Buzzi, relator, votou pelo reconhecimento da possibilidade de uso de medidas executivas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC, desde que aplicadas de forma excepcional.
Para ele, o CPC conferiu ao Judiciário um poder geral de efetivação que autoriza mecanismos como suspensão de CNH, passaporte ou cartões de crédito, sobretudo diante da crônica inefetividade das execuções.
O relator ressaltou, porém, que tais medidas devem observar requisitos cumulativos: esgotamento prévio dos meios típicos de cobrança ou resistência injustificada ao cumprimento da obrigação, fundamentação específica e respeito à proporcionalidade e ao contraditório. Buzzi frisou que tais atos não violam o direito de locomoção, desde que não impeçam a circulação física do devedor.
Nos casos concreto, Buzzi entendeu que o acórdão estadual utilizou fundamentação abstrata que, na prática, inviabilizaria o próprio instituto previsto no CPC.
Diante da impossibilidade de reavaliar provas, o ministro deu parcial provimento ao recurso para cassar o acórdão e determinar que o Tribunal paulista julgue novamente o agravo, agora à luz dos parâmetros definidos pelo STJ.
No REsp 1.955.539, manteve a medida já concedida na origem, bloqueio de cartões de crédito, exceto os usados para compra de alimentos, porque não houve recurso do devedor, evitando reformatio in pejus.
Divergência?
No momento de fixação da tese, formou-se discussão específica sobre o requisito "existam indícios de patrimônio expropriável do devedor", inicialmente proposto pelo relator mas retirado após proposta da ministra Nancy Andrighi.
A ministra Isabel Gallotti foi a única a defender a manutenção expressa desse trecho, por entender que a exigência funciona como salvaguarda indispensável para evitar que medidas restritivas recaiam sobre quem não tem condições reais de cumprir a obrigação, preservando o caráter coercitivo, e não punitivo, do instituto.
Buzzi e Raul Araújo, porém, afirmaram que esse requisito poderia limitar indevidamente a eficácia das medidas, sobretudo em situações em que o devedor oculta bens ou adota condutas que esvaziam a execução. Para esses ministros, o CPC autoriza o juiz a buscar a efetividade do processo mesmo quando não há, de início, sinais concretos de patrimônio disponível.
Com isso, Isabel Gallotti restou vencida nesse ponto, e a tese final foi aprovada sem a obrigatoriedade de indícios prévios de bens expropriáveis, enfatizando, em contrapartida, a necessidade de observância cumulativa da subsidiariedade, proporcionalidade, razoabilidade, fundamentação adequada e contraditório.
Confira o momento:
- Processos: REsp 1.955.539 e REsp 1.955.574




