Figura histórica apagada em parede do antigo STF é identificada; veja quem é
Concurso promovido pelo CCJF concluiu que personagem ausente em painel da antiga Sala de Sessões representa o jurista romano Quinto Múcio Cévola.
Da Redação
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
Atualizado às 11:26
Durante décadas, um dos painéis que ornamentam a antiga Sala de Sessões do Supremo Tribunal Federal, no edifício histórico hoje ocupado pelo CCJF - Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro, permaneceu incompleto.
No espaço onde antes figurava uma das imagens, restaram apenas o contorno apagado da pintura e a inscrição em latim "Abusus non est", expressão associada à vedação ao abuso do Direito.
Agora, o mistério foi oficialmente esclarecido.
O personagem retratado era Quinto Múcio Cévola (Quintus Mucius Scaevola, 140 a.C.-82 a.C), jurista romano conhecido como pontífice da República e mentor de Marco Túlio Cícero.
Com base em registros da época da inauguração do prédio, em abril de 1909 - especialmente em edições dos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil -, os cinco trabalhos finalistas do concurso criado para identificar a figura ausente chegaram à mesma conclusão.
A identificação resultou do Prêmio Quis Ego Sum - Concurso Nacional de Pesquisa e Identificação de Personagem Histórico, iniciativa do CCJF em parceria com a Caixa Econômica Federal.
O concurso teve como objetivo convidar pesquisadores a investigar, a partir de fontes históricas, simbólicas e iconográficas, quem teria sido o personagem originalmente representado na pintura não recuperada, contribuindo para a reconstrução da memória institucional do Judiciário brasileiro.
Quem foi Quinto Múcio Cévola?
Segundo o dicionário de Oxford, Quinto Múcio Cévola, conhecido como Pontífice, foi um dos mais relevantes juristas da República romana.
Filho de Públio Múcio Cévola, destacou-se por sua atuação tanto na oratória quanto no Direito, superando a projeção do próprio pai nessas áreas.
É lembrado especialmente por sua participação na chamada causa Curiana, um dos casos mais célebres do Direito romano, citado por Cícero em "De oratore".
Na controvérsia, Cévola defendeu a interpretação literal de um testamento, em oposição à tese fundada na aequitas (equidade) e na intenção do testador, sustentada por Lúcio Licínio Crasso. O episódio tornou-se emblemático do debate entre a letra da lei e a justiça do caso concreto.
Sentido simbólico das pinturas
O trabalho vencedor foi assinado por Bruno Lacerda, professor de Filosofia do Direito da UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora.
Na pesquisa, o autor analisou o conjunto das quatro figuras históricas retratadas nos painéis da Sala de Sessões: o imperador Justiniano, o cônsul Ápio Cláudio, o orador Marco Túlio Cícero e, por fim, Quinto Múcio Cévola.
Segundo o pesquisador, cada personagem se relaciona diretamente às frases latinas inscritas sob as imagens e aos valores que estruturam a atividade jurisdicional.
Enquanto Justiniano simboliza a justiça, Ápio Cláudio remete à legalidade e Cícero à paz civil, Cévola estaria associado à noção de contenção e ao princípio da não instrumentalização abusiva do Direito.
Para Lacerda, as pinturas não cumprem função meramente decorativa. Elas integram um programa simbólico pensado para expressar fundamentos éticos do Judiciário, funcionando como elementos do ritual judicial e da própria identidade institucional da Corte.
Além do primeiro colocado, Rachel Lima obteve o segundo lugar e Vanessa Melnixenco ficou com a terceiraito em terceiro. Os vencedores receberam certificados e prêmios em valores simbólicos: R$ 5 mil, R$ 3 mil e R$ 1 mil, respectivamente.
Os prédios do STF
Desde a instalação no final do século XIX, o Supremo Tribunal Federal teve diversas sedes no Rio de Janeiro.
Inicialmente abrigado no Solar do Marquês do Lavradio, mudou-se em 1892 para o Solar do Conde da Barca.
Anos depois, passou para um prédio na Rua Primeiro de Março e, em 1909, estabeleceu-se na Avenida Rio Branco, onde permaneceu por mais de meio século.
A transferência definitiva para Brasília ocorreu entre 1960 e 1964, com a construção do edifício-sede na Praça dos Três Poderes, projetado por Oscar Niemeyer.
A mudança do STF para Brasília foi marcada por intensos debates internos e exigiu decisão colegiada. Com a criação da nova capital federal, os ministros discutiram se a Corte deveria acompanhar os demais Poderes da República na transferência para o Planalto Central.
A deliberação final ocorreu em 13 de abril de 1960, na última sessão administrativa realizada no Rio de Janeiro, quando, por 7 votos a 4, os ministros aprovaram a mudança, amparados em parecer da comissão presidida pelo ministro Nelson Hungria.
O novo edifício-sede, na Praça dos Três Poderes, foi projetado por Oscar Niemeyer e compõe o conjunto arquitetônico inaugurado em 21 de abril daquele ano.
À frente da construção, a escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, tornou-se símbolo do Supremo. Embora a sede oficial tenha sido inaugurada na mesma data da fundação de Brasília, os trabalhos da Corte permaneceram temporariamente no Rio de Janeiro, até que toda a estrutura fosse definitivamente transferida.
A primeira sessão plenária realizada na nova capital só ocorreu em 15 de junho de 1960, marcando o início das atividades efetivas do STF em Brasília, após o recesso forense que seguiu a sessão de despedida na antiga sede da Avenida Rio Branco. Parte do mobiliário histórico foi incorporada ao acervo do Museu do STF, diante da inadequação à nova arquitetura modernista.





