STJ: Ministro anula ação penal por falta de acesso às provas pela defesa
Entre as provas indisponíveis, estavam informações bancárias decorrentes da quebra de sigilo do acusado e o conteúdo integral de aparelhos eletrônicos apreendidos.
Da Redação
sexta-feira, 19 de dezembro de 2025
Atualizado às 17:56
Ministro Carlos Pires Brandão, do STJ, concedeu habeas corpus e anulou ação penal com denúncia oferecida sem a disponibilização integral das provas, o que, segundo entendeu, configurou violação ao contraditório e à ampla defesa.
Entenda
No caso, o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de organização criminosa e peculato, previstos no art. 2º, § 4º, II, da lei 12.850/12 e no art. 312 do CP.
Inicialmente, a defesa impetrou HC perante o TRF da 1ª região, buscando o reconhecimento de nulidade processual absoluta, sob o argumento de cerceamento de defesa, em razão da impossibilidade de acesso à totalidade dos elementos probatórios que fundamentaram a denúncia.
Segundo relatou, ficaram indisponíveis, entre outros materiais, informações bancárias decorrentes da quebra de sigilo do acusado, o conteúdo integral dos aparelhos eletrônicos apreendidos e os denominados "papéis de trabalho", em mídia digital, utilizados na elaboração de nota técnica da controladoria-geral da União, apontada como peça central da acusação.
Ordem parcialmente concedida
O tribunal concedeu parcialmente a ordem, reconhecendo a existência de flagrante ilegalidade e de violação ao princípio da não surpresa, e determinando a juntada integral das provas ausentes aos autos da ação penal.
No entanto, indeferiu pedido de anulação do processo a partir do recebimento da denúncia, bem como a reabertura do prazo para apresentação da resposta à acusação.
Conforme a decisão, a defesa não teria suscitado a matéria no momento processual adequado, operando-se a preclusão, e eventual desequilíbrio processual poderia ser sanado mediante a reabertura de prazo para requerimento de diligências complementares, nos termos do art. 402 do CPP, além da possibilidade de repetição de atos processuais.
Contradição
No STJ, a defesa apontou a existência de contradição no acórdão do tribunal regional. Conforme afirmou, uma vez reconhecido o vício insanável consistente no cerceamento de defesa, seria imperiosa a anulação da ação penal desde o recebimento da denúncia.
Alegou também que a solução adotada pela Corte, com fundamento no art. 402 do CPP, é incapaz de afastar o prejuízo decorrente da apresentação da resposta à acusação e do acompanhamento da instrução processual sem acesso integral às provas.
Sustenta, por fim, que a nulidade absoluta não se submete à preclusão temporal e que, de todo modo, a premissa fática adotada pelo TRF-1 estaria equivocada, pois a questão teria sido suscitada oportunamente em sede de resposta à acusação.
Com isso, requereu a anulação do feito desde o recebimento da denúncia, com a consequente reabertura do prazo para apresentação da resposta à acusação.
Garantias do contraditório e da ampla defesa
Ao analisar o caso no STJ, o relator, ministro Carlos Pires Brandão, entendeu que a solução adotada pelo TRF da 1ª região não recompôs, de forma efetiva, as garantias do contraditório e da ampla defesa, já que a ação penal seguiu tramitando mesmo sem a defesa ter acesso integral ao acervo que embasou a imputação.
Na decisão, o ministro registrou que, cessada a necessidade concreta de sigilo, não é admissível que a persecução penal avance com "gestão unilateral do acervo probatório", com retenção e juntada fracionada de peças já produzidas, pois "as provas compõem o espaço processual, e devem estar franqueadas tanto à defesa quanto à acusação".
O relator também apontou que essa prática compromete a paridade de armas e converte o processo em terreno de surpresa, ressaltando que "esse comportamento acaba por converter o processo penal em um campo de surpresas calculadas, no qual o 'tempo' de revelação da prova é manipulado conforme a conveniência acusatória".
Ao tratar do fundamento utilizado pelo TRF da 1ª região, o ministro afirmou que a providência baseada no art. 402 do CPP não se presta a reparar o prejuízo causado pela falta de acesso às provas no momento certo.
Segundo escreveu, a fase do art. 402 tem caráter residual e excepcional, voltado a diligências complementares surgidas no curso da instrução, e não a corrigir omissões relevantes na formação do contraditório.
Nesse ponto, enfatizou que "o contraditório e a ampla defesa não admitem flexibilização, nem podem ser relativizados sob o argumento de que eventual prejuízo seria corrigido em fase posterior".
Para o relator, o dano é especialmente sensível quando as provas só aparecem depois de etapas decisivas, como a resposta à acusação e a instrução, porque a defesa perde, de modo irreversível, a chance de delinear sua estratégia e orientar a produção probatória com base no material completo.
Com esse entendimento, concedeu o habeas corpus para anular os atos processuais a partir da resposta à acusação e determinou a abertura de novo prazo para que a defesa apresente a manifestação, agora com acesso integral aos elementos probatórios que fundamentaram a denúncia.
O escritório Peter Fernandes e Marihá Viana Advogados Associados atua pelo acusado.
- Processo: HC 1.047.527
Leia a decisão.





