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Futuro do pretérito

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Atualizado em 5 de outubro de 2022 10:59

O jurista, literato e migalheiro Des. Adauto Suannes remete-nos o seguinte texto: 

"Deu no Migalhas (975): 

'Gosto da Gramatigalhas, pois aprendo muito. Gostaria de conhecer a regência correta do verbo assistir...' 

Sei que não é só em Português que se encontra esse tipo de construção de frase. Mas, por que será que as pessoas preferem aplicar o condicional (era assim que se chamava naquele tempo) em lugar do presente? Se a idéia é 'quero conhecer a regência correta do verbo assistir', por que se evita o presente do indicativo? Diga lá o mestre de plantão." 

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1) É bastante comum que alguém indague qual a forma correta:

a) "Eu quero solicitar a atenção dos presentes";

b) "Eu gostaria de solicitar a atenção dos presentes".

2) Fixe-se, desde logo, que, no primeiro exemplo, o verbo está no presente do indicativo, e, na mente do usuário, não parece haver dúvida acerca de seu uso. A questão que com freqüência se põe, em verdade, busca saber se é correto ou não o emprego do verbo no segundo exemplo.

3) Ora, por largo período, entre nós, esse tempo verbal chamou-se condicional (e ainda se chama, na linguagem do ensino de muitos países). Em 1958, porém, ante um emaranhado de terminologias que grassava nas escolas, uma comissão de estudiosos (dentre eles Antenor Nascentes, Cândido Jucá [filho], Celso Cunha e Rocha Lima) propôs a unificação das terminologias no ensino da Gramática. Em 28 de janeiro de 1959, o Ministério da Educação e Cultura editou a Portaria nº 36, que recomendou a adoção das conclusões de tais estudiosos, dentre elas a sugestão de substituir o nome condicional por futuro do pretérito. Anote-se que Portugal não participou dessa mudança.

4) Sem intenção alguma de perscrutar o intento da alteração, ou mesmo de justificar a posição dos estudiosos, uma das hipóteses de sua ocorrência pode ter sido o fato de que a condição, nesse caso, não reside no tempo verbal sob análise, mas na estrutura sintática da outra oração como um todo, como é fácil verificar no seguinte exemplo: "Eu compraria uma casa, se tivesse dinheiro".

5) Quanto à adequação de seu uso, diga-se, por primeiro, que CELSO CUNHA defende o emprego do futuro do pretérito "como forma polida de presente, em geral denotadora de desejo". Ex.: "Desejaríamos ouvi-lo sobre o crime" (Carlos Drummond de Andrade).1

6) Não é diverso o ensino de GLADSTONE CHAVES DE MELLO: "Empregam-se também as formas do futuro do pretérito, quando se quer atenuar a expressão, por polidez ou timidez; portanto, eufemismo". Exs.: a) "Eu pediria que os senhores tivessem um pouco de paciência, e aguardassem até amanhã"; b) "Eu sugeriria que daqui fôssemos à casa do Governador expor-lhe pessoalmente o problema e nossas razões".2

7) Só pela lição desses gramáticos, pode-se assim resumir: em casos como o desta indagação, tanto é gramaticalmente correto empregar o presente do indicativo como o futuro do pretérito. Não há entre eles, todavia, uma real equivalência de conteúdo semântico: enquanto o futuro do pretérito traduz uma forma polida e atenuada de expressão, portadora de um desejo não tão claro e determinado, já o presente do indicativo denota uma postura mais firme e decisiva, uma manifestação de real intento, que busca efetiva concretização no campo dos fatos.

8) Anote-se, por fim, que muitas pessoas acabam empregando o futuro do pretérito, no intento de conseguir forma polida, mesmo quando querem manifestar um real desejo, uma busca de resposta concreta. Para tal hipótese, todavia, se o intuito é que os ouvintes prestem efetiva atenção ao que está sendo falado, então que se diga "Eu quero solicitar a atenção dos presentes", e não "Eu gostaria de solicitar a atenção dos presentes". A busca de pretensa polidez, no caso, faz a comunicação perder força, sem benefício algum correspondente.
__________

1 Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970, p. 222.

2 Cf. MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970, p. 287.