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Ativismo e desjudicialização

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Atualizado em 19 de fevereiro de 2018 09:49

É inegável que o Poder Judiciário tem sido atacado diuturnamente e que não está em alta com a opinião pública. É também inegável que a cultura da judicialização reina no Brasil e que o país tem quase um processo para cada dois cidadãos, lembrando que hoje temos 208 milhões de habitantes.

Diante deste quadro, em que este poder da República é acusado de morosidade e falta de credibilidade, tem-se juntado uma outra crítica bastante pertinente, que é a discricionariedade das decisões, famoso 'ativismo judicial'.

Em texto brilhante, neste mesmo Migalhas, o professor Ovídio Rocha Barros Sandoval relaciona o ativismo judicial ao Movimento do Direito Livre, que pregava que o legislador não tinha a exclusividade da criação do Direito, além do fato de o juiz ter a necessidade de ser um sociólogo, ou seja, um investigador dos fatos sociais. Como bem define o autor do texto mencionado, o ativismo judicial impregna o Judiciário de subjetivismo e faz do juiz um criador livre do Direito.

Visando mitigar essa série de mazelas atribuídas ao Poder Judiciário, surgiu o fenômeno da desjudicialização, que consiste em retirar atribuições do Poder Judiciário com a expectativa na redução da litigiosidade e do número de demandas. Outros atores passaram a ser considerados relevantes nesse cenário, entre os quais: árbitros, mediadores, conciliadores e, por que não dizer, notários e registradores.

Além das demandas, por hora, não diminuírem, passou a ocorrer um fenômeno bastante interessante e que podemos denominar: "ativismo administrativo". Nesta nova figura jurídica, o mesmo Poder Judiciário, porém na esfera administrativa, passou a criar regras ao arrepio de leis e súmulas. Decisão administrativa, normas de serviço, resoluções e provimentos passaram a "revogar" leis e súmulas consolidadas, caminhando na mesma direção do ativismo judicial, porém na esfera administrativa.

Além de gerar insegurança, diante dessa livre criação do Direito na seara administrativa, naquela ideia já mencionada por Barros Sandoval de que o "novo" sempre aparenta ser melhor que o "velho", diante de subjetivismo do juiz na esfera administrativa, certamente gerará maior litigiosidade.

É possível citar, como exemplo, ato administrativo e decisão administrativa que admitem ser afastada a incidência da súmula 377 do STF por meio de pacto antenupcial. Não se negue que a referida súmula é anacrônica e que buscou, à época de sua edição, resolver distorção do Código Civil de 1916, que só garantia a comunicação dos aquestos para o regime da separação total convencional. A súmula passou a garantir a comunicação dos aquestos para a separação total obrigatória. O Código foi revogado e a súmula se manteve. A decisão e o ato administrativo passaram a admitir o afastamento da súmula por meio de pacto antenupcial, principalmente para a hipótese daquele que casa com mais de 70 anos.

O grande problema não está no caráter moral ou ético da decisão, e sim no fato de que a administração pública está criando e revogando leis e súmulas consolidadas. Ademais, quem é que garante que o eventual prejudicado (marido ou mulher) não venha questionar, no Poder Judiciário, a validade do ato administrativo modificador de súmula.

Por mais que se diga que a desjudicialização é um fenômeno importante, só deve ser admitido dentro de um balizamento legal, lembrando que o sistema administrativo se subordina, dentro dos limites legais, à jurisdição.

Não faz muito tempo que alguns estudiosos do Direito intentaram modificar o art. 204 da Lei dos Registros Públicos, buscando dar caráter jurisdicional à dúvida registral. Diz o dispositivo legal: "A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente". O referido artigo transcrito deixa bem claro que todo o sistema registral está subordinado à jurisdição e que as decisões judiciais, por mais "incorretas" que sejam, têm plena aplicabilidade em toda a esfera registral. Dar caráter jurisdicional à dúvida registral é criar uma autonomia à administração que ela não tem diante da jurisdição.

A dúvida registral é apenas um mecanismo de depuração da esfera administrativa. Nela, o juiz, investido de função administrativa, decide se o título ingressa ou não no assento registral (registro civil, de imóveis, títulos e documentos, pessoas jurídicas etc.). A parte insatisfeita com a decisão pode retomar a discussão na via jurisdicional. Transformar a dúvida em instrumento de jurisdição é subverter todo o sistema processual, além de trazer, à atividade notarial e registral, um caráter que ela não possui, sendo um aparato fundamental, porém burocrático e de apoio ao Poder Judiciário.

Se não houver uma retomada de rumos, um maior cumprimento às leis e o próprio Poder Judiciário passar a observar estritamente o seu papel, os tempos serão ainda mais trabalhosos, como bem descreve o apóstolo Paulo na epístola a Timóteo, quando se refere ao tempo do fim (II Timóteo 3:1-5).