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Das diversas modalidades de redução salarial e suas implicações

Em um processo que leva poucos anos, a desigualdade aumenta pela redução da parcela representada pelos trabalhadores na renda total.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Atualizado em 10 de março de 2016 11:05

Novidade não há no fato de que em momentos de queda erosiva do PIB combinada com inflação crescente, há uma redução da renda do trabalhador. São diversos os mecanismos. Há o desemprego, o aumento da economia informal, a dificuldade em reajustar os salários no ritmo inflacionário e também a perda gerada pela corrosão que se estabelece durante o ano, enquanto se aguarda a data-base.

E há empresas que são afetadas pela crise, em diferentes graus; há as que aproveitam o momento para se reciclarem; e existem também as aproveitadoras de crises, que embora por um ou outro motivo não estejam sendo afetadas, aproveitam do momento para demitir, reduzir pagamentos e salários, renegociar contratos e o mais. Afinal, na crise os tubarões correm para comer os peixinhos e terminam a jornada bem mais gordões. Faz parte, em nosso caso, da velha história da excessiva concentração de renda. Mesmo assim, até mesmo quem se beneficia reclama bastante, pois simplesmente faz parte do enredo. Lembro-me quando menino em Minas, perguntava ao meu avô o porquê de alguns tubarões estarem sempre reclamando da vida, especialmente das finanças. "Medo de mordida" ele dizia, de certo de algum outro tubarão.

Mas tratemos aqui, para não perder o "focus", dos casos autênticos de empresas que se encontram em dificuldades em vista da derrocada econômica e paralisia política que vivemos, que ao que parece será tanto longa quanto dura. Empresas produtivas vitimadas em geral pela incompetência estatal de ordem descomunal, preocupadas com a manutenção dos empregos de seus empregados e com sua continuidade após a árdua travessia, que, espera-se, findará um dia.

Atendendo à sugestões de centrais sindicais o Governo Federal (talvez fosse melhor passar a chamá-lo de "Desgoverno Farelal"), editou a MP 680, que se converteu na lei 13.189/15, que instituiu o Programa de Proteção ao Emprego, que a essa altura já é de conhecimento geral. Coisa linda. O nome, porque o programa é um oceano burocrático "que entra vai e volta sem sair", exatamente como dizia o Dalton em sua música "muito estranho", para os que são do meu tempo. Ouvi o caso de umas quatro ou cinco empresas que estavam por aderir ao tal PPE, e chegamos a atender algumas consultas. Mas digamos que os requisitos para adesão são extensos, e mais a mais os empresários tem receio do prazo não ser suficiente, para a crise finalizar e para a dificuldade passar. Envolve muita gente e o pior, os terríveis órgaos da burocracia estatal. "Coisa para quem quer dar o golpe no FAT", como disse um cliente nosso, pessoa séria. E porquê tudo aqui tem de ser tão burocrático? Vai ver que é um "lobby" dos motoboys, que, sempre na informalidade, necessitam ficar voando de lá pra cá e morrendo seis por dia para protocolar coisas, autenticar, reconhecer firma, copiar documentos e recolher assinaturas. E é óbvio que caso você simplifique as coisas, seguindo inclusive modelos já existentes em várias sociedades, 40% do pessoal aqui perde a vaga da noite pro dia, simplesmente porque não produzem nada, somente se deslocam, quando deslocam, para criar dificuldades. E o setor público então? Coisa seríssima.

Deixando a tal lei de lado, nossa Constituição, que é uma maravilha e comprova a tese de que "papel aceita tudo de uma caneta", prevê de longa data o instituto da redução salarial via acordo/convenção coletivos, como forma de flexibilização do contrato, atrelada à necessidade de manutenção da saúde da empresa por médio e longo prazos; até mesmo porque disso depende o emprego do trabalhador e o perseverar do sistema econômico-social. E tal maleabilidade via tutela sindical, em hipótese, pode se dar com ou sem redução de jornada concomitante.

Mas a tal flexibilização salarial "in pejus" não poderá se dar assim, solta pelos ares. Existem alguns requisitos a validá-la. Não temos a pretensão nesse curtíssiomo texto de analisar jurisprudência ou doutrina, mas de justificar minimamente a realidade em questão. Em primeiro, o fato de ser necessário uma tutela sindical profissional, e bem assim, para o bom entendedor, uma assembleia dos trabalhadores envolvidos na questão, já é filtro bastante a peneirar o fundamento e os motivos da solicitação de redução salarial realizada pela empresa. Cabe aos próprios trabalhadores, com o amparo sindical, analisar a "verdade" empresarial e acreditar ou não em suas dificuldades e em sua necessidade. A situação, para o convencimento, deverá vir embasada em provas contábeis ou então ser notoriamente justificada, como é o caso em que todo um setor econômico sofre horrores em dado momento. Ainda mais, deve haver uma previsibilidade do período de tempo em que durará tal redução (lembrando que as categorias têm data-base e negociação em geral anualmente), o que também deverá ser justificado, pois no geral a diminuição salarial é momentânea e faz parte de um plano de recuperação. E ainda espera-se alguma contrapartida, como é o caso de uma redução de jornada ou outra diversa, a depender sempre do caso concreto e do plano estabelecido. Questões mal propostas, mal resolvidas e mal justificadas, em geral terminam no Judiciário; e terminam mal.

Mas redução não é sempre nominal. Em um ambiente severamente recessivo e com inflação em torno de 11/12% ao ano, para que haja redução efetiva do salário basta que determinada categoria ou setor não consiga repor integralmente a inflação para que tenhamos a perda salarial real. Na Edição Online do Estadão de 13/10/15 havia duas matérias assim entituladas: "Negociações salariais ficam mais difíceis" e "Crise leva 111 categorias a fechar acordos com redução de salarios". De lá pra cá a situação piorou e as perdas na renda do trabalhador vem crescendo. Aliás, pode-se até considerar a nocividade da elevação inflacionária em um nível mais apurado, pois mesmo aquele que tem a reposição integral sai perdendo, pelo menos em dois momentos. O primeiro é pelo período de um ano em que passa sofrendo a perda continuada do poder de compra de seu dinheiro, já que o reajuste, que é quando as perdas são zeradas, é apenas anual. O segundo é a cada mês, quando o dinheiro entra em sua conta para durar trinta dias, e é certo que os produtos que ele adquire no final do mes estão em geral 1% mais caro do que no seu início.

Essas perdas, caso inevitáveis aos trabalhadores em função da situação atual da empresa e da queda econômica enfrentada pelo país, não podem e não devem cair no esquecimento. Os sindicatos obreiros em questão, ao negociar, e até mesmo as próprias empresas bem intencionadas, devem estabelecer mecanismos de contrapartida futura aos trabalhadores para os tempos de recuperação e bonança, até porque salvo questão particular, as crises são cíclicas e o princípio que norteia nosso trabalhismo é de que o risco da atividade é empresarial.

Somente assim é que se pode evitar uma nova onda futura de ainda maior concentração de renda em nosso país, lembrando que essa desigualdade é exatamente um dos nossos maiores problemas e empecilhos ao desenvolvimento. Sobre tal questão, analisemos a seguinte situação já descrita por economistas. Os trabalhadores no geral em países como o nosso recebem salário. Os empresários e altos executivos recebem ações, stock-options e outras modalidades de participação. Quando o mecanismo entra em crise, as modalidades de participação sofrem sensível queda, o que leva à negociação empresa/empregados visando a redução salarial como técnica de sobrevivência. A crise, por tendência, acaba e as ações e participações voltam a subir e por vezes chegam a patamares exorbitantes, em vista de movimentações mercadológicas, enquanto os salários tendem a permanecer nos níveis reduzidos em que foram negociados. Em um processo que leva poucos anos, a desigualdade aumenta pela redução da parcela representada pelos trabalhadores na renda total. E em visão macroeconômica de longo prazo, essa situação não é interessante para ninguém, na medida que gerará redução do consumo global. Daí a insistência de que a todos interessa um mecanismo de equilíbrio e compensações, assim como políticas de bem estar social.

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*Mauro Tavares Cerdeira é advogado e economista, sócio da banca Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais.

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