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Estatística é passo indispensável para o debate jurídico

Marcelo Guedes Nunes e Adilson Simonis

Para que a Justiça cumpra sua função, é fundamental que tribunais e advogados se preparem para lidar com números.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Atualizado em 28 de julho de 2016 12:35

Os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Pedro Machado de Almeida Castro escreveram, no fim de junho, um artigo em que criticavam o uso de números como fundamento de decisões no Judiciário. Manifestaram preocupação com o fato de o STF ter baseado certas decisões em pesquisas estatísticas.

Para os autores, a utilização de números seria uma prática duvidosa, um jogo perigoso de ocultação de premissas e vícios metodológicos capaz de induzir os juízes ao erro. Por tal razão, os julgamentos deveriam ser pautados tão somente pela interpretação do direito posto.

É compreensível a preocupação com a qualidade e o uso das pesquisas estatísticas. No entanto, ao se precipitar em críticas genéricas e defender uma linha de aplicação asséptica das leis, o artigo incorre em alguns equívocos.

O direito não é um ramo da literatura dedicado a interpretar textos legais. É um conjunto de instituições sociais, que tem por objetivo civilizar o homem e pacificar a vida em sociedade. As decisões de um tribunal não são abstrações lógicas, e o direito persegue objetivos concretos, como reduzir a criminalidade, o desemprego, o congestionamento de processos e o número de empresas falidas, por exemplo.

Para tal, não basta aos juízes, especialmente os de tribunais especiais, apenas conhecer o texto legal. Devem estar atentos às consequências práticas de suas decisões. Isso passa pela análise de dados estatísticos relativos à realidade na qual o caso se insere.

Por isso, faz todo sentido o ministro Roberto Barroso, do STF, analisar as taxas de reforma recursal quando discute o início da execução da pena a partir da segunda instância. Se anteciparmos o cumprimento da sentença, quantas pessoas serão presas e depois soltas quando ocorrer o trânsito em julgado? Quantos condenados deixam de cumprir pena por conta da lentidão dos julgamentos em Brasília?

Produzir e entender esses números não é um jogo perigoso: é um passo elementar, indispensável mesmo, para que o debate não se perca em um palavrório descolado da realidade.

Obviamente, as pesquisas estatísticas podem apresentar falhas no planejamento ou execução.

Mas esta é a vantagem da estatística: ela obriga os pesquisadores a explicitarem suas premissas, permitindo a reprodução e a avaliação crítica dos resultados pela comunidade.

Convenhamos que o halterofilismo bibliográfico praticado nos tribunais, por meio de citações doutrinárias e argumentos de autoridade, não permite o mesmo escrutínio, mas pode igualmente induzir ao erro.

Concluindo, a discordância em relação à metodologia de uma ou duas pesquisas não deveria motivar uma crítica indiscriminada ao uso da estatística nos tribunais. Trata-se de uma generalização apressada.

Para que a Justiça cumpra sua função, é fundamental que tribunais e advogados se preparem para lidar com números.

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*Marcelo Guedes Nunes é sócio do escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados. Diretor do IASP, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria e autor do livro "Jurimetria: como a Estatística pode Reinventar o Direito".

*Adilson Simonis é conselheiro da Associação Brasileira de Jurimetria, professor livre-docente e chefe do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática e Estatística da USP.






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