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Antígona e o direito de creonte

O conjunto de direitos não escritos tem o mesmo valor dos direitos revelados pela lei, o que parece resolver o antigo conflito que levou Creonte a condenar Antígona à morte.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Atualizado às 08:13

É possível reconhecer no Brasil a existência de direitos e garantias não escritos ao lado ou abaixo dos direitos não escritos? Sófocles, que viveu entre 490 e 406, antes de Cristo, tratou do problema quando narrou a tragédia de Antígona. Era ela irmã de Polinice que morreu lutando contra o rei Creonte que, portanto, decidiu que o corpo do rebelde não poderia ser sepultado como condenação perpétua pelos seus erros.

Antígona, reversamente, entendeu que nenhum irmão poderia deixar insepulto o corpo de seu próprio irmão, ainda que para tanto tivesse que enfrentar a lei do seu rei. Por isso foi julgada, condenada e executada. Uma mulher não podia enfrentar um homem, especialmente o seu rei.

Quem ditava lei, Creonte ou Antígona? De quem é a lei que autorizava o sepultamento de um rebelde? Uma mulher? Não, os deuses, sustenta Antígona. Sobre a lei de rei Creonte existe um sistema legal não escrito que obriga um irmão dar sepultura ao corpo do irmão morto.

Se há um conflito entre as leis escritas pelo monarca e as leis não escritas impostas pelos deuses, estas últimas merecem prevalecer. Portanto se Antígona prefere morrer ao lado dos deuses ainda que tenha que enfrentar as decisões do rei. São suas palavras: "Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar as leis perenes não escritas dos deuses, visto que és mortal; pois elas não são de ontem e nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram; por isso, não pretendo, por temor às decisões de algum homem, expor-me à sentença divina; sei que vou morrer, por isso sei que vou morrer".

Boa parte da literatura clássica afirma que a teoria do direito natural encontrou forte alicerce na tragédia deixada por Sófocles. Antígona invocou um direito natural; Creonte aplicou um direito positivo.

A questão ganhou forma e fundo recentemente no direito brasileiro, por isso que foi reconhecido que não estão excluídos direitos e garantias não escritos nas nossas leis devendo ser reconhecidos se decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição de 1988. Tal é a redação do parágrafo segundo do seu art. 5.

Portanto, o conjunto de direitos não escritos tem o mesmo valor dos direitos revelados pela lei, o que parece resolver o antigo conflito que levou Creonte a condenar Antígona à morte. É necessário registrar que o tema até hoje teve pouca repercussão na vida prática dos brasileiros.

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*Sérgio Roxo da Fonseca é advogado e procurador de Justiça aposentado pelo Ministério Público de SP.

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