CPC na prática

Mais posições dos tribunais sobre o artigo 190 do CPC/15

Mais posições dos tribunais sobre o artigo 190 do CPC/15.

8/11/2019

Elias Marques de Medeiros Neto

Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".

Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma:

"convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".

Luiz Guilherme Marinoni2 observa:

"É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."

Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual.

Não há dúvida de que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico.

Por isso, as manifestações jurisprudenciais autorizando a aplicação do artigo 190 do CPC/15 se mostram interessante norte para a consolidação dos contornos a serem observados pelas partes quando da celebração do negócio processual atípico.

No julgado abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiou-se o negócio processual celebrado em execução, com efeitos quanto aos bens penhorados:

"Agravo de Instrumento. Ação de execução por quantia certa. Decisão que determinou que as partes apresentassem nova minuta de acordo, com expressa previsão de quais garantias serão remidas, e observação de garantias prestadas em favor de terceiros, além de ordenar a expedição de ofício para cancelamento da ordem de liberação de hipotecas gravadas, tornando nula eventual averbação de levantamento cumprida em razão da decisão que homologou acordo entre as partes. Inconformismo. Acordo homologado que diz respeito a direitos que admitem autocomposição. Partes que podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Inteligência do art. 190 do CPC. Acordo que não afeta Ente Público. Homologação do acordo firmado entre as partes do feito executivo que deve permanecer. Decisão reformada. Agravo provido.  

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2096470-98.2019.8.26.0000; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/07/2019; Data de Registro: 01/07/2019)"

No julgado abaixo, do Tribunal de Justiça do Amapá, permitiu-se o negócio processual, em ação de improbidade administrativa, no sentido de se fixar as consequências jurídicas para os atos em apuração na lide:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. POSSIBILIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DE VALIDADE. PARTES CAPAZES, FORMA E OBJETO LÍCITO. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA E SISTEMÁTICA DO ART. 17, § 1º, DA LEI Nº 8.429/1992. RECURSO PROVIDO. 1) A celebração de acordo em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa no sentido de fixar consequências jurídicas para os atos em apuração, configura claro exemplo de negócio jurídico processual atípico, previsto no art. 190 do Código de Processo Civil; 2) O negócio jurídico processual atípico, segundo a doutrina, possui três requisitos básicos de validade, quais sejam partes capazes, forma e objeto lícito; 3) A validade do negócio jurídico celebrado nos autos de ação de improbidade administrativa carece de uma interpretação mais atual, porquanto, após mais de 25 (vinte e cinco) anos desde a sua edição, período em que houve a aprovação dos mais variados diplomas legislativos, que contemplam inclusive acordos na esfera criminal, tem-se que uma simplória interpretação literal do art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 destoa do ordenamento jurídico pátrio vigente, o que deve ser ponderado pelo intérprete no momento da aplicação da norma, sob pena de incorrer em evidente contradição com o sistema em que está incluso; 4) Estando presentes os requisitos de validade do acordo firmado em Ação de Improbidade Administrativa, a sua homologação é medida que se impõe; 5) Recurso provido. (TJ-AP - AI: 00035683920188030000 AP, Relator: Desembargadora SUELI PEREIRA PINI, Data de Julgamento: 10/09/2019, Tribunal)”

No julgamento abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, permitiu-se a negociação processual para conferir efeito vinculante a laudo pericial:

"Recurso — interesse recursal — Ausência — Celebração de negócio jurídico processual de sujeição das partes ao resultado de laudo pericial grafotécnico com titulo de credito - Validade, por versar sobre direitos disponíveis — Implemento da condição, com o reconhecimento da falsidade da assinatura aposta na cártula — Sujeição do réu à concordância com o cancelamento do protesto e com o pagamento de indenização por danos morais — Inocorrência de homologação da composição pelo Juízo —- Apelação não conhecida.  

(TJSP;  Apelação Com Revisão 9115766-85.1999.8.26.0000; Relator (a): José Reynaldo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/06/2005; Data de Registro: 11/07/2005)".

No julgamento abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, permitiu-se a negociação processual para redução de prazo para o cumprimento de tutela de urgência proferida em ação possessória:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela de urgência. Ação de imissão na posse. Consolidação da propriedade em favor do credor hipotecário e posterior alienação ao agravante, com fundamento na Lei Federal 9.514/97. Decisão que concedeu liminar para determinar a desocupação do imóvel em 60 dias, com a consequente imissão do arrematante na posse do bem. Irresignação. Partes que ajustaram previamente termo de ajustamento de conduta (TAC), prevendo prazo para desocupação voluntária que, não cumprido, possibilitaria a concessão judicial de liminar para desocupação no prazo reduzido de cinco dias. Cláusula contratual clara e expressa, da qual o ocupante livremente anuiu. Indeferimento da pretensão na origem, sob fundamento de que o prazo de 60 dias é decorrente da lei. Descabimento. A partir do advento do NCPC, é possível às partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses, incluindo redução de prazos processuais. Inteligência do art. 190 do NCPC. Negócio jurídico celebrado entre partes plenamente capazes. Atendimento aos princípios da autonomia privada e do pacta sunt servanda. Precedentes desta Corte. Decisão reformada para reduzir o prazo para desocupação, nos moldes ajustados. AGRAVO PROVIDO. 

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2269263-77.2018.8.26.0000; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/01/2019; Data de Registro: 07/01/2019)"

Os julgados prestigiaram a aplicação do artigo 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15.

Por outro lado, recentemente, julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo vetou a possibilidade de celebração de negócio processual fixando-se verba de honorários de sucumbência, na medida em que tal ato seria privativo do magistrado:

"EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Honorários advocatícios sucumbenciais – Arbitramento nos moldes do art. 827 do CPC – Impossibilidade de as partes convencionarem a fixação dessa verba e o exequente inclui-la no valor da execução – Atividade privativa do magistrado na fixação e conforme os parâmetros da lei adjetiva - Recurso improvido.  

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2213606-53.2018.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2019; Data de Registro: 07/02/2019)".

É certo que o Poder Judiciário ainda terá o desafio de consolidar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base a necessária leitura constitucional do processo.

__________

1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68.

2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).