Processo e Procedimento

O que importa é ser oposição

O colunista trata da oposição, procedimento especial que deve ser aviado de forma autônoma e independente.

10/11/2015

Jorge Amaury Maia Nunes

Ao final de nosso último texto sobre recurso extraordinário, publicado aqui no Migalhas, tínhamos o compromisso de examinar o agravo em recurso extraordinário. Ocorre que, nesse intervalo, foi aprovado na Câmara dos Deputados projeto de lei que altera, entre outros dispositivos, justamente o que trata desse recurso. Após aprovação, o projeto em tela foi encaminhado ao Senado Federal para continuação do trâmite legislativo, com robustas possibilidades de acolhimento, embora não se saiba qual a sua redação final. Assim, enquanto perdurar esse estado de indefinição, não parece razoável tentar dissecar um instituto que talvez não tenha um dia sequer de vigência.

Mudamos, em decorrência disso, nossas preocupações imediatas e passaremos a investigar alguns procedimentos especiais, notadamente aqueles que, no novo Código, trazem alguma curiosidade, provocam perplexidade ou insistem em algum ponto do Código de 1973 censurado pela doutrina. Vamos, hoje, cuidar da oposição, tema que está sempre no centro da cultura jurídica nacional.

O Código de 2015 não trata do instituto da oposição como forma de intervenção de terceiro, inovando, pois, em relação ao Código de 19731. Isso não significa que o instituto tenha deixado de existir. O que ocorre, em verdade, é apenas e tão somente seu deslocamento para a Parte Especial, Livro I, Título III, dos procedimentos especiais, Capítulo VIII. Doravante e em tese, a oposição é, para os fins do Código, um procedimento especial que deve ser aviado de forma autônoma e independente. Convém lembrar que o projeto do Código/2015 começou a tramitar perante o Senado. Lá, o texto aprovado não previa a existência da oposição, cuja regulação foi simplesmente suprimida. Quando em apreciação pela Câmara dos deputados, foram recuperados quase que ipsis litteris os arts. 56 a 61 do Código de 1973, apenas com alteração de sua topologia e um ou outro detalhe cosmético; e assim foram mantidas a redação e a localização, até a aprovação final do parlamento.

É bem de ver que, embora seja, agora, um procedimento especial, e não mais uma figura de intervenção de terceiros, foi quase que inteiramente preservada a estrutura do procedimento comum. Ora, o que caracteriza a especialidade do procedimento é a existência de alguma peculiaridade que impõe, em determinado momento, a alteração da ordem concebida para o procedimento comum. Aqui, a única coisa que sugere tenha a oposição se afastado do caminho atribuído ao procedimento comum foi a supressão do momento inicial destinado à conciliação e à mediação. Exceto isso, não existe nada de substancialmente diferente em relação ao procedimento comum que justifique a retirada desse instituto do âmbito da intervenção de terceiros (de lembrar que não há parte geral no Código de 1963) e a sua inserção no rol dos procedimentos especiais.

A oposição era forma espontânea de intervenção de terceiros, por meio da qual alguém, até então estranho à relação processual estabelecida, e dela tendo tomado conhecimento, pedia seu ingresso para apresentar sua lide, contra ambas as partes em litígio.

Tratava-se de intervenção ad excludendum. A expressão, todavia, há de ser interpretada com certa reserva. O que o opoente pretendia, certamente, era exercer ação contra ambos, visando a demonstrar não ser o autor da ação originária o verdadeiro titular do bem da vida vindicado, para poder exigir, ele mesmo, opoente, o bem ou direito contra o réu. Rigorosamente, a lei processual institui uma espécie de litisconsórcio entre o autor e réu da relação originária, os quais passarão a ser réus na oposição aviada, na qualidade de opostos. Se de litisconsórcio se trata, então deve ser litisconsórcio necessário simples, no sentido de que ambos comporão necessariamente o polo passivo da relação processual, mas a decisão não terá de ser obrigatoriamente uniforme em relação a eles.

Na oposição, em regra, o opoente exerce duas pretensões diversas: (i) contra o autor da ação original, de natureza declaratória, para que o juiz declare que o autor da pretensão originariamente exercida não é o titular do bem ou direito controvertido, e sim o opoente; e (ii) contra o réu, de natureza geralmente condenatória para que este seja obrigado em relação ao opoente a pagar, dar, fazer, não fazer.

No que diz com o procedimento em si, são dignos de menção alguns aspectos. O primeiro deles, relativo à redação que se emprestou ao artigo 683. Deveras, soa algo pleonástico, já à altura da seção VIII do Título III, do livro I da parte especial, que cuida dos procedimentos especiais, afirmar que o "opoente deduzirá seu pedido em observação aos requisitos exigidos para propositura da ação". Com efeito, fizesse algum sentido esse dispositivo, então todos os outros quinze procedimentos especiais previstos no Código mereceriam a mesma admoestação no sentido do dever de obedecer aos requisitos antes indicados. Isso fazia sentido, antes, quando o instituto era tratado como uma das figuras de intervenção de terceiros, a sugerir que não lançasse mão, o opoente, de simples petição nos autos, sem os requisitos do art. 282 do Código de 1973.

O segundo, relativo ao fato de que, tal como dispõe o Código de 1973, também no de 2015 a oposição deve ser distribuída por dependência ao juízo perante o qual corre a ação relativa ao bem ou direito controvertido. A ideia que se faz presente é a de evitar possíveis decisões contraditórias que poderiam vir a ser proferidas se a oposição fosse submetida a uma livre distribuição.

O terceiro, relativo ao fato de que os opostos são citados na pessoa de seus advogados, aos quais a lei processual confere mandato (uma espécie de mandato ex lege e não contratual) para recebimento de citação nessa específica hipótese, mesmo que não sejam detentores das informações de fato, aptas a permitir a oferta de adequada contestação. Isso até pode fazer algum sentido quanto se trata de uma intervenção de terceiros em processo que já está em curso; não, agora, quando se trata de um procedimento de natureza especial, inteiramente autônomo. Pense-se, por exemplo, que, além da falta de informações sobre os fatos narrados na petição inicial da oposição, o advogado que atua na ação originária pode não ter nenhum interesse em patrocinar a defesa da parte oposta, ou, até, os opostos podem não pretender que o patrocínio seja feito pelo mesmo causídico que atua na ação originária.

O quarto, relativo ao prazo comum de 15 dias. A seguir-se o entendimento sedimentado sob a égide do Código de 1973, não cabe cogitar, aqui, da dobra de prazo de que trata o art. 229 do CPC, ainda que, na oposição, necessariamente as partes rés possuam diferentes procuradores. Essa limitação desiguala, de forma inusual, o direito dos réus, litisconsortes com procuradores diferentes, em relação a todas as outras situações em que ocorrem situações de mesma natureza.

O texto do art. 684 (Se um dos opostos reconhecer a procedência do pedido, contra o outro prosseguirá o opoente) também tinha muita pertinência quando o instituto constituía figura de intervenção de terceiros. Agora, diz uma obviedade, até porque, pela natureza da oposição, o litisconsórcio não é unitário, com o que os opostos serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos. É claro que, se um deles reconhecer a procedência do pedido, o magistrado deverá, com relação a esse, atuar na forma disposta no art. 487, III, a, homologar o reconhecimento (por sentença!) e determinar o prosseguimento do feito com relação ao réu remanescente.

Sob a égide do Código de 1973, em sua redação original, havia dúvida sobre se o ato do juiz que homologava a procedência do pedido deveria ser considerado sentença (art. 269, II, daquele Código), ou decisão interlocutória, com evidente repercussão sobre o recurso cabível, se apelação ou agravo de instrumento. Evidente está que pode haver recurso até para que o oposto possa questionar o próprio ato tido pelo juiz como de reconhecimento do pedido.

Agora, com a regência emprestada à matéria especialmente pelo art. 354, c/c art. 487, III, o novo Código permite o julgamento parcial de mérito, por sentença. O parágrafo único, entretanto, visando a escoimar qualquer dúvida, já deixou expresso que, nesse caso, o recurso cabível será o de agravo de instrumento.

No Código de 1973, porque o tema é tratado como hipótese de intervenção de terceiro, faz sentido falar-se em "admitido o processamento". Como, entretanto, o Código de 2015, cuida a oposição como um procedimento especial autônomo, ainda que distribuído por dependência, não parece adequado falar em "admitido o processamento". Talvez fosse mais adequado algo semelhante ao que lançado no início art. 334: Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz determinará seja a oposição apensada aos autos da ação originária. Isso, entretanto, não empana a compreensão do que pretendeu o novo Código.

Como se percebe da dicção do parágrafo único do art. 685, o Código manteve, ainda que de forma menos explícita, a mesma distinção constante nos 59 e 60 do Código de 1973, bem cuidada pela doutrina. Diz-se que havia (i) oposição interventiva (art. 59), oferecida antes da audiência de instrução; e (ii) oposição autônoma (art. 60) oferecida após iniciada a audiência. A rigor, o Código de 1973 cuida de uma que podemos chamar de verdadeira hipótese de oposição, realizada em simultaneus processus, quando aviada antes da audiência de instrução e julgamento, hipótese em que era processada em apenso aos autos principais e decidida em uma mesma e única sentença. A outra forma de oposição, decorrente de oferecimento tardio, i.e., após iniciada a audiência de instrução e julgamento, não era verdadeira figura de intervenção de terceiro e sim de ação autônoma, que se estabelecia mediante outra relação processual. Apenas em razão de conveniência de trabalho, o juiz poderia sobrestar no andamento do feito anterior para que as duas ações pudessem ser julgadas conjuntamente.

Se bem examinados os termos lançados no Código de 2015, a situação não mudou. Deveras, ao ler o parágrafo único do art. 685 (e parágrafos prestam-se a explicitar ou excepcionar um artigo), percebe-se que o caput cuida de oposição que, aviada antes do início da audiência de que cuida o art. 358, permite instrução simultânea e julgamento em uma única sentença. Ao revés, o parágrafo deixa claro que, aviada após o início da audiência, o magistrado deve concluir a fase de instrução e, somente após, suspender o curso da ação originária, salvo se entender que uma única instrução para as duas ações (oposição e ação originária) mais bem atende ao princípio constitucional da razoável duração do processo.

Bem percebidas as coisas, o comando do artigo atende, antes de tudo, a uma questão de lógica. Deveras, a rigor, existirão três lides a ser apreciadas pelo magistrado: (i) a questão de direito material que é objeto da ação originária; (ii) a pretensão declaratória exercida pelo opoente contra o oposto que figura como autor na ação originária; (iii) a pretensão de natureza reivindicatória ou condenatória que o opoente exerce contra o réu da ação originária.

Em se tratando de julgamento simultâneo, o juiz, em obediência à questão de lógica antes indicada, deve decidir primeiramente a oposição e somente após, se for o caso, decidir a ação principal. Deveras, se o pedido na oposição for julgado procedente, não haverá mais o que decidir a respeito da ação principal. É que, nesse caso, já terá decidido que o bem da vida deve ser atribuído ao opoente, não cabendo nenhum direito aos opostos!

Se o legislador não fizer nenhuma movimentação suspeita, trataremos, no próximo texto, da consignação em pagamento.

Até lá!

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1 São figuras de intervenção de terceiros, no novo Código: (i) assistência simples e litisconsorcial; (ii) denunciação da lide; (iii) chamamento ao processo; (iv) incidente de desconsideração da personalidade jurídica; e (v) amicus curiae. Deixam de existir, como intervenção: (i) nomeação à autoria; (ii) oposição.
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Colunistas

Guilherme Pupe da Nóbrega é advogado. Especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor de Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação lato sensu do IDP. Coordenador do Grupo de Estudos "Instituições de Processo Civil" do IDP. Coordenador da disciplina de Processo da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.

Jorge Amaury Maia Nunes é advogado. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou a disciplina Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação stricto sensu. Diretor da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.