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Coronavírus (COVID-19) e a criminalização do ICMS declarado e não pago - Reflexões em torno do bom senso da administração pública

Esta crise assolará muito mais que a saúde pública do Brasil. Demonstrará, também, a verdade sobre a moralidade administrativa brasileira, o bom senso de sua administração pública e, com toda certeza, a força do brasileiro em, juntamente com toda a nação, passar por mais essa fase complicada.

25/3/2020

Antes de adentrar no cerne principal do presente artigo, que é reflexão quanto as consequências jurídicas – penais – tributárias incorridas em razão da crise do coronavírus (COVID-19), convém fazer uma explanação, ainda que breve, sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal que gerará diversas ponderações.

Como é de conhecimento por grande parte dos contribuintes, bem como dos juristas em geral, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, no dia 12 de dezembro 2019, no julgamento do RHC 163.334, formou o entendimento de que a conduta de não pagamento do ICMS próprio declarado acabará por incidir no tipo penal do art. 2º, inciso II da lei 8.137/1990.

Em simples palavras, declarar (escriturar) o ICMS em seus livros fiscais e não o recolher aos cofres públicos tornou-se crime.

"Mas a tese fixada pelo STF frisa que o contribuinte deve ter agido com dolo de apropriação e a conduta deve ter sido contumaz’", dizem os defensores da respectiva tese – acolhida – fazendária. A essa contramão, os militantes da tese dos contribuintes – não acolhida – de não criminalização desta conduta, questionam: quais critérios serão utilizados para considerar que o contribuinte agiu com dolo ou que a conduta é contumaz?

E o problema, que já está sendo severamente recorrido ao judiciário, é exatamente esse. Da ausência de um conceito/critério objetivo, em lei, do que vem a ser a conduta da contumácia.

A única ideia que podemos, desde já, tomar como base/utilizar foi a ponderada pelo ministro Barroso no julgamento do respectivo RHC; onde este insinuou que não seria considerado contumaz o contribuinte que deixasse de recolher o tributo por 3 meses, e mais ainda: ponderando que na situação do contribuinte ter que escolher entre recolher tributo ou pagar seus funcionários, este fato deveria ser demonstrando no processo para que fosse possível alegar a inexigibilidade de conduta diversa.

Sim. Já pressupondo a existência de um processo em razão do não recolhimento – de fins penais.

Deixando bastante claro, consequentemente, que o entendimento construído pela Suprema Corte foi de, simplesmente, criminalizar a mera inadimplência, uma vez que a denominada inexigibilidade de conduta diversa não se trata de elemento jurídico que neutraliza a ocorrência do tipo penal, ou seja, não o faz deixar de ser crime, mas sim exclui a culpa do contribuinte.

Caros leitores, o Brasil parou. Boa parte dos entes federativos, por meio de seu chefe do Executivo, fechou shoppings, clubes, bares, restaurantes, diversos comércios, todos com o intuito de conter o avanço do coronavírus em seu estado.

O caso é muito sério e disso não temos dúvida. A própria OMS que, inicialmente, tinha classificado o risco global como moderado, recentemente afirmou ter se equivocado e passou a falar em risco elevado, levando em conta elementos como a gravidade da doença, a velocidade de disseminação e a capacidade de combatê-la.

Motivo pelo qual, pela saúde social, é dever de todos inclusive tomar todas as precauções necessárias e possíveis. Mas um outro ponto também está severamente sendo questionado, qual seja: economia.

Na medida que as empresas são obrigadas a fechar, o faturamento, por lógico, é reduzido (quando sequer há). Há diversos funcionários para pagar. Há diversos custos para manter o estabelecimento. E, também, diversas operações mercantis, bem como prestações de serviços deixam de ser realizadas.

Se, diante das mais variadas casuísticas, há tempos recentes, o empresário/contribuinte por diversas vezes se encontrava sem caixa para recolher os tributos devidos em determinado período, agora nem se fala.

Na verdade, essa é umas das certezas que podemos ter com a crise do coronavírus que está assolando todo o país.

E o fisco pode amenizar a dor de caixa do contribuinte de diversas formas, seja com a liberação do pagamento do ICMS Antecipação (Fronteira), ou pelo diferimento, a não aplicação de multas por atraso no pagamento, por exemplo, são boas alternativas e que não geram perda na arrecadação.

De todo modo, outra reflexão não poderia haver: se o contribuinte declarar devidamente e não recolher o ICMS próprio, nos dias atuais, ficará à mercê das mais diversas administrações fazendárias na eminência de sofrer uma autuação? Pior: 3 meses seria o suficiente para considerá-lo contumaz para fins de enquadramento, sob a égide do recente julgado do STF, do crime de apropriação indébita?

Sem adentrar ao mérito específico de algumas situações, como, por exemplo, as das empresas inclusas no regime do Simples Nacional, cujo ICMS próprio já está embutido e cujo recolhimento já fora diferido pelo Governo Federal, o fato é que os empresários encontram-se desesperados em razão do coronavírus e, já pensando no futuro – a longo prazo, acreditando na possibilidade de terem sua liberdade restringida devido do não pagamento de ICMS.

É um caos. Qual será, então, o posicionamento dos Governos Estaduais sobre o não recolhimento considerando as circunstâncias atuais? Poderemos considerar a possibilidade da anistia (hipótese de exclusão do crédito tributário - instituto constante no art. 180 do Código Tributário Nacional)? Haverá isenção em quais operações?

Vale frisar, no entanto, que a anistia não se aplica aos atos qualificados como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo contribuinte (art. 180, I do CTN).

Ou seja, se a administração fazendária autuar, discutir administrativamente – e, ato contínuo, finalizar o processo administrativo constituindo o crime de apropriação indébita o ato praticado pelo contribuinte de declarar e não recolher o ICMS, este estaria excluído, inclusive, da possibilidade de ser anistiado em momento posterior.

Infelizmente, vários estados, ainda estão inertes no sentido quanto a isenção. Tendo como um dos motivos, conforme dito pelo próprio presidente do Confaz, Rafael Fonteles, em entrevista que participou recentemente, que qualquer decisão relacionada a renúncia fiscal – benefício fiscal só será tomada após um posicionamento da União acerca dos crédito solicitados pelos secretários de cada ente federativo para suprir a perda na arrecadação do ICMS.

Esta crise assolará muito mais que a saúde pública do Brasil. Demonstrará, também, a verdade sobre a moralidade administrativa brasileira, o bom senso de sua administração pública e, com toda certeza, a força do brasileiro em, juntamente com toda a nação, passar por mais essa fase complicada.

Precisamos refletir, juntamente com questionamentos – que já estão demasiadamente sendo realizados sobre a saúde pública do brasil, as aplicações jurídicas que serão consideradas a partir desde então.

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*Leonardo Nunes Ferreira é colaborador do Guedes Alcoforado, Advocacia & Consultoria Tributária. 


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