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Uma análise prática dos termos de ajustamento de conduta nas Agências Reguladoras

Dessa forma, é mister ressaltar que as agências reguladoras “tratam-se de autarquias de regime especial, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiados cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República”.

21/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

As agências reguladoras e, mais especificamente, as constituídas pela União, dispõe de uma atuação exemplar em determinados segmentos, a exemplo da ANEEL, que, recentemente, foi elogiada a nível internacional pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico- OCDE¹.

Dessa forma, primeiramente é mister ressaltar que as agências reguladoras “tratam-se de autarquias de regime especial, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiados cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República”, conforme bem preconiza Alexandre de Aragão².

A criação das agências reguladoras, ainda nos anos noventa, buscou dar maior autonomia na regulação das atividades por cada uma delas abrangida, por meio de mandatos fixos aos seus dirigentes e, submetendo a nomeação deles ao Congresso Nacional.

E a atuação do Estado como agente regulador adveio “de uma mudança na concepção do conteúdo do conceito de atividade administrativa em função do princípio da subsidiariedade e da crise do bem-estar”, nos termos das lições de Marcos Juruena Villela Souto³.

Verifica-se que além da função precípua de editar normas instrutivas regulatórias e submeter aquele mercado de nicho específico à sua regulação e fiscalização, compete às agências também, quando necessário, instaurar processo administrativo sancionador para apurar as eventuais irregularidades cometidas por aquele agente explorador de serviço público, bem como nas hipóteses de exploração de atividade econômica stricto sensu.

Como o objetivo das agências reguladoras é aprimorar o mercado regulado a partir da confiabilidade das suas instruções, de sua atuação independente e, da sua tecnicidade nas decisões, é de extrema importância que as agências atuem em constante diálogo com o ambiente e os agentes regulados.

Diante dessa função educativa do mercado, ao menos na perspectiva do dever ser de uma agência reguladora, os termos de ajustamento de conduta são solução extremamente positiva.

Atualmente, não se vislumbra mais a ideia de que “o estabelecimento de sanções se dá em aplicação do princípio da retribuição, decisivo para o convívio pessoal” para que haja respeito às determinações legais no âmbito daquela atividade regulada, conforme leciona Hans Kelsen4.

Hoje se identifica “uma postura mais negocial e mediadora em relação aos administrados”, adotando uma concepção de administração pública consensual, conforme Floriano de Azevedo Marques Neto e Tatiana Matiello Cymbalista já expuseram essa realidade acerca do tema5.

E o termo de ajustamento de conduta, a princípio, vem exatamente para seguir essa lógica.

A reforma da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro realizada no ano de 2018 reforça essa ideia ao prever no art. 26 caput que “para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público a autoridade administrativa poderá celebrar acordo com os interessados”.

No mesmo sentido, a lei federal 13.848/19, que dispõe sobre o processo decisório nas agências reguladoras, prevê em seu art. 32 caput que, “para o cumprimento do disposto nesta Lei, as agências reguladoras são autorizadas a celebrar, com força de título executivo extrajudicial, termo de ajustamento de conduta com pessoas físicas ou jurídicas sujeitas a sua competência regulatória”.

As referidas normas gerais consagram a ideia já estabelecida desde o início dos anos 2000 de que “os processos administrativos sancionadores passaram a ser definidos autonomamente em atos normativos ao lado dos acordos substitutivos ou integrativos da sanção administrativa em significativa parcela das agências reguladoras”, conforme bem analisa Juliana Bonacorsi de Palma”.6

Calha que o acordo per si, não significa que a administração sempre se beneficiará da alternatividade da sanção que seria imposta diante de condições pré- fixadas a serem acatadas pelo agente fiscalizado e submetido ao processo administrativo sancionador.

Exemplo disso, é que a ANEEL, em 2016, analisando os TACs firmados entre 2002 e 2015, verificou que dos 25 TACs assinados, 8 (oito) ainda encontravam-se vigentes, porém todos haviam sido objeto de certificado de descumprimento de TAC7.

Dito isso é importante lembrar que, para a consecução dos objetivos da agência reguladora, o termo de ajustamento de conduta, pelo menos sob um viés finalístico da busca da regulação consensual, é instrumento de importância significante, já que, ao invés de puramente sancionar àquela empresa regulada, traz, a princípio, soluções práticas mais benéficas para aquela irregularidade eventualmente verificada.

Desse modo, a perspectiva da utilização dos termos de ajustamento de conduta é extremamente benéfica para o diálogo constante com o agente regulado, mas ressaltada a discricionariedade da agência reguladora para avaliar a sua eventual utilização aliada à possiblidade de aplicação de sanção, porque nem todos os agentes regulados estão dispostos a adequar-se à necessidade de prestação daquela atividade em observância ao mister benéfico do desenvolvimento socioeconômico do nosso país.

____________

1. Disponível aqui.

2. ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro:  Editora Forense, 2013. p.280.

3. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 34.

4. KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Editora Fabris, Porto Alegre, 1986. Fl. 173

5. CYMBALISTA, Tatiana Matiello; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os acordos substitutivos do procedimento sancionatório e de sanção. Revista Brasileira de Direito Público- RBDP, Belo Horizonte, ano 8, 31, p. 55 e seguintes, out/dez. 2010.

6PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 228.

7. Julgamento efetuado no âmbito dos processos 48500.006161/2010-82 e 48500.006368/2010-57 que culminaram na edição da Resolução 712 de 19 de abril de 2016 que revogou a Resolução Normativa 333, de 7 de outubro de 2008, que estabelece critérios e procedimentos para celebração de Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta entre a ANEEL e as concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços e instalações de energia elétrica.

Pedro Ludovico Teixeira
Advogado do escritório Bento Muniz Advocacia. Graduado em Direito pelo IDP. Pós-graduando em Direito Público pela PUC/RS. Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Administrativo Sancionador do IDP.

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