Migalhas de Peso

Vulnerabilidade e a mutação do casamento

O desenvolvimento de um país, principalmente, na ocorrência pandêmica, exige novas formas de adequação aos laços que enlaçam os seres humanos, pois o objetivo da liberdade é o esforço de felicidade que dignifica a própria existência, no propósito de uma participação cidadã no mundo real.

27/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Configurações jurídicas têm acompanhado a realidade das transformações sociais que caracterizam o sentido do casamento como estrutura das interações humanas.

Se constata na população brasileira hoje, principalmente, nas faixas etárias mais jovens o afastamento do compromisso rígido, de origem religiosa, “até que a morte nos separe”, diante dos processos econômicos, culturais, políticos, que vão desde as conquistas femininas de espaço no mercado de trabalho trazendo emancipação do lado de dependência financeira do “macho provedor”, até as lutas que culminam com o reconhecimento legal do direito ao casamento na órbita constitucional.

A pressão que vem flexibilizando este esgarçamento começou nos movimentos de liberação dos direitos humanos orbitando na cada vez maior extensão dos jogos românticos e eróticos: o namoro tradicional com vestes de formalismo com o ritmo vertiginoso de experiências pessoais, substituiu, paulatinamente, as estratificações do interior, o campo e as pequenas cidades, propensas a um conservadorismo vertical de poder político que se intromete no espaço das emoções e do desejo.

E é, exatamente, na pulsão dos desejos que se alimenta a estratégia dos direitos humanos em que deve acabar prevalecendo a aspiração à felicidade e não o condicionamento a células acanhadas de pequenos arranjos para a manutenção de uma vida sacrificada e, muitas vezes, sustentada pela hipocrisia.

O adultério, “a amante”, o “don juan”, a sedução e o assédio tudo correndo paralelo, para quantas vezes, culminar no covarde crime do feminicídio.

Esse quadro de extrema complexidade precisa ser entendido nos conflitos que qualificam o Estado democrático de Direito, em que uma parcela da cidadania, por razões espirituais, religiosas, opta por um casamento “à antiga”, outros segmentos embaralham “tudo junto e separado”, num anseio que implica, por exemplo, entre outros fenômenos, na intenção de evitar o nascimento de filhos.

A insistência de polarizar, radicalmente, numa quase guerra civil, as disputas em torno destas concepções, limitam o entendimento do acerto civilizatório que antes e acima de tudo, de preservar o direito pessoal à escolha do destino da forma de amar, vivendo o sexo, interagindo com a tolerância nas diferenças.

O desenvolvimento de um país, principalmente, na ocorrência pandêmica, exige novas formas de adequação aos laços que enlaçam os seres humanos, pois o objetivo da liberdade é o esforço de felicidade que dignifica a própria existência, no propósito de uma participação cidadã no mundo real.

Flavio Goldberg
Advogado e mestre em Direito.

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