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Caso Daniel Silveira e o cabimento de medidas cautelares cíveis

Apesar de todo o imbróglio noticiado pela mídia até então, o qual subjuga-se de fatores mais ideológicos do que práticos, pode-se notar três inconvenientes principais na situação ilustrada, analisados por vieses estritamente técnicos.

1/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

As medidas cautelares colocadas à disposição do Estado são um importante instrumento para fazer valer o poder punitivo estatal sem que seja necessário, num primeiro momento, a decretação da medida mais gravosa ao indivíduo submetido aos flagelos do processo penal.

Nesta linha, de acordo com o CPP – Código de Processo Penal – as medidas cautelares serão aplicadas sempre que houver o preenchimento dos requisitos e fundamentos que autorizariam a determinação da prisão preventiva, mas, pelas circunstâncias fáticas, é possível, e até recomendável, a substituição da segregação por medidas alternativas, menos invasivas.

E disto se extrai o requisito essencial para cabimento das medidas cautelares alternativas à prisão: elas só cabem quando for possível a prisão preventiva, hipótese em que, sendo desautorizada a custódia cautelar, também o é a imposição de qualquer medida cautelar.

Além disto, as cautelares alternativas devem ser, por força do disposto no art.282/CPP, adequadas à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado, de forma que se deve observar, sempre, a utilidade que determinada cautelar terá no caso analisado.

Por exemplo, um agente acusado de se envolver em brigas em boates e demais ambientes festivos pode ser proibido de frequentar tais lugares, com a finalidade de evitar a reiteração dos delitos em apreço e a decretação de prisão preventiva.

Neste contexto, destacam-se os recentes acontecimentos relacionados ao deputado Federal Daniel Silveira que, após determinação do STF para instalação de tornozeleira eletrônica, teria passado a noite na Câmara dos Deputados para furtar-se da efetivação da medida cautelar de monitoramento, a qual pretendia restringir a sua liberdade ao âmbito de seu município de residência, Petrópolis/RJ, e às instalações da Câmara dos Deputados.

Todavia, no mesmo contexto apresentado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a imposição de multas diárias e bloqueio de bens do deputado Daniel Silveira em virtude do descumprimento das medidas cautelares determinadas.

Desta forma, apesar de todo o imbróglio noticiado pela mídia até então, o qual subjuga-se de fatores mais ideológicos do que práticos, pode-se notar três inconvenientes principais na situação ilustrada, analisados por vieses estritamente técnicos.

De início, é importante que se pontue que a aplicação de qualquer medida cautelar substitutiva da prisão no caso em tela é de difícil efetividade, tendo em vista que, apesar de objetivar a não decretação de prisão preventiva, a qual seria muito mais gravosa, encontra alguns entraves relacionados ao exercício do mandato parlamentar, o qual exige uma certa flexibilidade geográfica.

Isto é, o exercício do mandato de deputado exige que este compareça a diversos compromissos em diferentes locais, os quais nem sempre limitar-se-ão à arquitetura da Câmara dos Deputados e, tão menos, ao seu distrito eleitoral.

Inclusive, importante pontuar que, levando-se em conta o período eleitoral, as atividades intensificam-se, sendo necessário que se lembre que o mal, ou limitado, exercício do mandato parlamentar prejudica à parcela de cidadãos representados pelo indivíduo diplomado, e não apenas e diretamente o congressista.

De outro lado, causa estranheza a determinação de multas para forçar a cumprimento de medida de monitoramento eletrônico pois, conforme dispõe o art.282, §4º do Código de Processo Penal, em caso de descumprimento de medidas cautelares, o juiz poderá substitui-las, impor outra em cumulação ou, em último caso, determinar a prisão preventiva.

É bem verdade, contudo, que a imposição de multa diária foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes com fundamento em dispositivos do Código de Processo Civil, o qual aplica-se de forma subsidiária às disposições processuais penais, quando não houver providências específicas neste sentido, o que não ocorre no caso em apreço, tendo em vista que toda a disciplina atinente às medidas cautelares penais está disposta na lei processual penal.

Seguindo nesta lógica, e ainda que se admita o cabimento de arranjos processuais cíveis em matéria criminal satisfatoriamente regulamentada, continua causando estranheza, ao passo que foi determinado, em cumulação com as multas diárias descontadas diretamente dos vencimentos do parlamentar, o bloqueio de bens para garantir o adimplemento de tais imposições pecuniárias.

Em outras palavras, determinar o bloqueio de bens com a finalidade de assegurar o pagamento de multas, que já seriam descontadas diretamente dos vencimentos do investigado, é, no mínimo, uso indevido de providências cautelares invasivas para forçar o cumprimento de medidas que ainda não foram descumpridas, e nem teriam como ser.

Em conclusão, é importante que se pontue que normalmente os acusados ou investigados que tentam furtar-se à instalação de tornozeleira de monitoramento eletrônico tem a prisão preventiva decretada, por consequência lógica das disposições regulamentares do art.282/CPP, fator este que causa ainda mais estranheza, ao passo que cria um perigoso precedente na Corte Suprema.

Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: leonardotajaribeadv@outlook.com

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