Migalhas de Peso

Violência doméstica e a possibilidade de afastamento do trabalho

A mulher que sofre violência doméstica e entra com processo criminal contra o agressor, pode pedir como uma das medidas de proteção de sua integridade física e moral.

25/4/2023

A Lei Maria da Penha foi sancionada com a finalidade de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, trazendo disposições sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, bem como alterações legislativas (Código de Processo Penal, Código Penal e Lei de Execução Penal).

A Lei Maria da Penha visa garantir assistência e proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar e, em alguns casos, autoriza o afastamento da mulher do trabalho, sem a perda do emprego.

Essa medida de proteção consta no art. 09°, §2°, inciso II da Lei Maria da Penha (lei 11.340/06, o qual dispõe que o afastamento do trabalho poderá ocorrer pelo período de até 6 (seis) meses e o vínculo de emprego deve ser mantido, sem que a empregada sofra qualquer punição do empregador pela sua ausência:

Art. 9º: A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. [...]

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: [...]

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. - grifos nossos

Na prática, o Superior Tribunal de Justiça entende que se aplica o mesmo procedimento do afastamento previdenciário comum por motivo de doença, ou seja, os primeiros 15 (quinze) dias devem ser pagos pelo empregador e os dias e/ou meses subsequentes, serão pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Isso porque, diante da falta de previsão legal, a jurisprudência conclui que incide o auxílio-doença no período de afastamento do trabalho, quando referido afastamento decorre de violência doméstica e familiar, pois tal situação advém da ofensa à integridade física e psicológica da mulher.

Ainda, necessário pontuar que o Juiz competente para determinar o afastamento do trabalho é o Juiz da vara especializada em violência doméstica e familiar ou, caso não haja na localidade, o juízo criminal.

Trata-se de uma apreciação de pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista, em razão de afastamento do trabalho da vítima da violência doméstica e familiar. Ou seja, o motivo do afastamento não advém de relação de trabalho, mas de situação emergencial que visa garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher.

E para visualizar bem o cenário apresentado, copiamos abaixo fragmento de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. MEDIDA PROTETIVA. AFASTAMENTO DO EMPREGO. [...] AUXÍLIO-DOENÇA. INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. [...]
1. Tem competência o juiz da vara especializada em violência doméstica e familiar ou, caso não haja na localidade o juízo criminal, para apreciar pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista [...].

2. Tem direito ao recebimento de salário a vítima de violência doméstica e familiar que teve como medida protetiva imposta ao empregador a manutenção de vínculo trabalhista em decorrência de afastamento do emprego por situação de violência doméstica e familiar [...].

3. Incide o auxílio-doença, diante da falta de previsão legal, referente ao período de afastamento do trabalho, quando reconhecida ser decorrente de violência doméstica e familiar, pois tal situação advém da ofensa à integridade física e psicológica da mulher e deve ser equiparada aos casos de doença da segurada, por meio de interpretação extensiva da Lei Maria da Penha.

4. Cabe ao empregador o pagamento dos quinze primeiros dias de afastamento da empregada vítima de violência doméstica e familiar e fica a cargo do INSS o pagamento do restante do período de afastamento estabelecido pelo juiz, com necessidade de apresentação de atestado que confirme estar a ofendida incapacitada para o trabalho e desde que haja aprovação do afastamento pela perícia do INSS, por incidência do auxílio-doença, aplicado ao caso por meio de interpretação analógica.
(REsp 1757775/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 02/09/2019)

Portanto, a mulher que sofre violência doméstica e entra com processo criminal contra o agressor, pode pedir como uma das medidas de proteção de sua integridade física e moral, o seu afastamento do trabalho, sendo que se deferido, também lhe é garantido meio de subsistência enquanto pendurar o afastamento (limitado a 6 meses), pois equipara-se a afastamento previdenciário por motivo de doença comum.

Yara Leal Girasole
Sócia responsável pela área de Direito do Trabalho no escritório HSVL Advogados. Formada pela Mackenzie, com Pós-graduação na PUC/SP.

Aline Ramia
Advogada no escritório HSVL Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Amil cancela unilateralmente planos de saúde de beneficiários: Como continuar tratamentos?

14/5/2024

As mensagens enviadas por WhatsApp após o horário de trabalho podem configurar horas extras?

15/5/2024

PLP 68/24 agrava o inferno fiscal da reforma tributária

14/5/2024

Advocacia, ética e litigância de má fé

14/5/2024

O que são precatórios, entenda

14/5/2024