A lei 14.994, sancionada pelo presidente da república, em 9/10/24, promoveu alterações no CP, na lei Maria da Penha, na lei de contravenções penais, na lei de execução penal, na lei dos crimes hediondos e no CPP. As disposições introduzidas por este novo diploma normativo tem por objetivo criminalizar condutas e agravar cominações de penas como soluções para as violências que atingem mulheres.
No entanto, esse enrijecimento no tratamento aos crimes ocorridos no âmbito da violência doméstica, não promoverão as mudanças efetivas que a violência doméstica, baseada na violência de gênero, necessita. Pretender que o punitivismo exacerbado seja a solução, sem considerar as causas complexas que envolvem o ciclo de violência doméstica, não se trata de ações suficientes para promover mudanças reais e efetivas na sociedade.
A punição jurídica e o sistema penitenciário se tornaram a primeira resposta do senso comum à insegurança pública. Ou seja, há a promessa e a ilusão de resolução dos mais diversos problemas sociais por meio do Direito Penal. No entanto, a lei Maria da Penha vai muito além do aspecto punitivo.
A responsabilização penal do autor da violência é importante, mas deve conferir prevalência às medidas de proteção, assistência, prevenção e promoção de políticas públicas. A própria lei Maria da Penha adota uma abordagem centrada no apoio à vítima e no enfrentamento da violência doméstica como um problema social, promovendo a conscientização e o fortalecimento de redes de proteção para mulheres, além de prever a punição do agressor.
Imaginar que a esfera penal seria a solução da violência doméstica é desconsiderar toda a luta de violência de gênero que envolve os movimentos feministas. O problema da violência doméstica não pode ser simplificado, necessita ser tratado com toda a seriedade, por o gênero ser um conceito relacional, utilizado como forma primeira a dar significado as relações de poderes e justificar os papéis sociais a serem desempenhados pelas mulheres.
A lógica penal criminalizadora pode sim ser uma via política possível de enfrentamento e de diálogo sobre o fenômeno da violência de gênero. Estratégias punitivas podem ser utilizadas, concomitantemente, às demais esferas de afirmação do direito das mulheres no combate à violência doméstica.
Em verdade, as alterações legislativas, tornando o crime de feminicídio como um tipo penal autônomo e recrudescendo as penas, demonstram que a sociedade repudia a prática de crimes contra a mulher por razões do gênero. O valor simbólico dessa mudança é de grande valia, para demonstrar um basta em toda a situação de violência e opressão que envolvem o gênero. No entanto, essa atuação simbólica não pode deixar que efetivas medidas sejam tomadas, para a desconstrução de masculinidades tóxicas e violentas.
O enfrentamento das violências contra mulheres, sejam estas física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, exige o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à ampliação do atendimento das redes de atendimento e de enfrentamento. A própria lei Maria da Penha apenas será efetivada quando se oferecer serviços transversais, interdisciplinares, transdisciplinares, e capilarizados, que promovam os efetivos direitos humanos das mulheres e combata a violência de gênero que perpetua por longo período na sociedade.