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Instituída comissão de juristas para criação da lei de direito internacional privado

Ano novo, esperanças novas para os internacionalistas? Depois de décadas de envelhecimento da LINDB em matéria de DIPr, criação de um marco normativo unificado toma forma em Brasília.

7/1/2025

Dez anos atrás, o professor de Direito Internacional da USP André de Carvalho Ramos1 escreveu que “é hora para um novo projeto de lei”, referindo-se às inúmeras tentativas de dar ao DIPr brasileiro uma codificação. Hoje, parece ter chegado a hora de dar corpo à legislação, atualmente dispersa em artigos da LINDB, há décadas sofrendo com o envelhecimento desta.

O anteprojeto será conduzido pela comissão formada no mês passado, na qual estão juristas renomados, incluindo os professores Gustavo Ferraz de Campos Mônaco (USP) e Carmen Tiburcio (UERJ), além de representantes do STJ e do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável. Entre as propostas em discussão, destaca-se a possibilidade de as partes escolherem a legislação aplicável aos contratos internacionais, prática que é amplamente adotada em outros países, mas ainda restrita no Brasil.

A experiência de países como Alemanha, França, Estados Unidos e Reino Unido serve de inspiração para a lei local. Na Alemanha, o princípio da “conexão mais estreita” é amplamente utilizado para determinar a legislação aplicável com prioridade para a relação mais significativa entre o caso e a jurisdição envolvida. Já na França, o DIPr é moldado pela jurisprudência e pela doutrina, com um forte respeito à autonomia das partes, desde que não infrinja a ordem pública francesa. Nos Estados Unidos, a ausência de uniformidade nas normas de DIPr é compensada pelo “Restatement (Second) of Conflict of Laws”, que guia os tribunais a aplicarem a legislação mais relacionada ao caso. No Reino Unido, o “Private International Law (Miscellaneous Provisions) Act 1995” regula questões contratuais e extracontratuais.

Um dos pontos chaves do direito internacional privado é definir os elementos de estraneidade, que são os aspectos transnacionais definidos pelos vínculos que conectam um fato jurídico a mais de um ordenamento e podem surgir de situações de fato, como a presença de bens ou pessoas em múltiplas jurisdições, ou de relações jurídicas, como contratos que prevejam a aplicação de uma lei estrangeira. Ao lado disso, o estatuto pessoal, por sua vez, engloba aspectos como estado civil, capacidade e filiação. Tradicionalmente, há divergência entre a aplicação da lei da nacionalidade (“lex patriae”) e da lei do domicílio (“lex domicilii”) para reger tais questões. No Brasil, a adoção da “lex domicilii” com a reforma da LICC em 1942 representou um marco importante, especialmente em um país que historicamente recebeu grandes fluxos migratórios. Contudo, a necessidade de modernizar a abordagem para contemplar situações contemporâneas, como as novas configurações familiares e a mobilidade transnacional, é evidente.

Na LINDB, dentre outros elementos de conexão, estão a “lex loci celebrationis”, que regula atos como o casamento, determinando que as formalidades da celebração sejam regidas pela lei do local onde ocorreu (art. 7°, §1°); a “lex rei sitae”, que estabelece que a lei do local onde o bem está situado define as normas aplicáveis à posse e propriedade pela soberania das leis locais (art. 8°); e a “lex loci delicti commissi”, que rege a responsabilidade civil com base no local do ocorrido (art. 9°).

O objetivo do Brasil com a modernização de sua legislação de DIPr é duplo: alinhar-se às práticas globais e criar um ambiente jurídico mais atraente para investidores internacionais. Autonomia das partes, previsão de lei aplicável para contratos e flexibilização para atender às demandas das novas tecnologias são elementos centrais da transformação, de modo que a harmonização da legislação brasileira com padrões internacionais possa tornar o país mais competitivo e integrado ao comércio global.

No cenário mundial, incertezas geopolíticas, avanços tecnológicos e transformações econômicas exigem adaptabilidade e visão estratégica: tecnologias como inteligência artificial, “big data” e “blockchain” estão cada vez mais integradas às operações de comércio exterior, otimizando desde o planejamento até a entrega de mercadorias. Com isso, é urgente a criação de uma Lei Geral de Direito Internacional Privado no Brasil para sistematizar um campo jurídico essencial nas relações plurilocalizadas atuais, porém historicamente relegado. Consequentemente, espera-se uma maior atratividade do Brasil como destino para investimentos estrangeiros, uma vez que a previsibilidade jurídica é fator determinante na decisão de investidores.

Além disso, o ano passado também marcou a assinatura do acordo para que o Brasil seja sede da Corte Permanente de Arbitragem, fato que representa um marco significativo para o país no cenário internacional de resolução de disputas. É plausível considerar por estes movimentos que há uma tendência convergente de modernização e internacionalização do sistema jurídico brasileiro, o que levará a reforçar a posição do Brasil como um cenário relevante para a América Latina e o comércio mundial.

__________

1 RAMOS, André de Carvalho. Direito Internacional Privado de matriz legal e sua evolução no Brasil. Revista da AJURIS, v. 42, n. 137, p. 89-114, mar. 2015.

Davi Ferreira Avelino Santana
Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador, no Brasil, tendo realizado parte dos estudos na Universidade do Porto, em Portugal, e na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, na Itália. Student Member do Chartered Institute of Arbitrators e membro do Young International Council for Commercial Arbitration. Diretor acadêmico do Comitê de Jovens Arbitralistas do CBMA e embaixador da Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem.

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