Nos últimos anos, a figura do influenciador digital emergiu como um dos principais agentes na formação de opinião e hábitos de consumo. Hoje, essas personalidades moldam comportamentos, promovem marcas e impactam milhões de pessoas com um simples clique. No entanto, essa posição de destaque no cenário digital traz consigo a necessidade de um debate jurídico cada vez mais urgente: quais os limites e as responsabilidades desses agentes em casos de danos causados a consumidores e seguidores?
O Brasil, segundo dados de 2024, é o segundo maior mercado de influenciadores do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Essa realidade reflete não apenas o alcance e a relevância desse mercado, mas também os riscos associados às práticas de influência. A ausência de regulamentação específica e o crescimento exponencial do marketing de influência desafiam os operadores do Direito a encontrar respostas adequadas para lidar com questões como publicidade velada, impacto de recomendações prejudiciais e danos à imagem de consumidores.
Este artigo pretende explorar, de forma crítica e aprofundada, os aspectos doutrinários, normativos e jurisprudenciais que envolvem a responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Além disso, visa propor soluções práticas para os operadores do Direito enfrentarem os desafios desse mercado em constante transformação.
1. A base jurídica da responsabilidade civil dos influenciadores digitais
A responsabilidade civil no Direito brasileiro pode ser analisada sob duas vertentes principais: subjetiva, baseada na análise de culpa, e objetiva, que independe da comprovação de culpa, conforme previsto no art. 927, parágrafo único, do CC1.
Os influenciadores digitais, ao recomendarem produtos ou serviços, muitas vezes assumem o papel de "fornecedores aparentes", conforme a interpretação dada pelo art. 3º do CDC2. Essa posição os coloca na condição de responsáveis por eventuais danos causados ao consumidor em casos de publicidade enganosa ou abusiva, conforme dispõe o art. 37 do CDC3.
Para o jurista Cláudio Lemes, “o influenciador, ao endossar um produto, assume a confiança do consumidor, devendo responder pelos danos causados, ainda que indiretamente”4.
2. Casos concretos e precedentes jurídicos
A jurisprudência brasileira já começou a abordar casos envolvendo influenciadores digitais. Em um caso paradigmático julgado pelo TJ/SP, uma influenciadora foi condenada a indenizar um seguidor após indicar um suplemento alimentar que causou reações adversas5.
Outro exemplo relevante envolve o uso de publicidade velada. Recentemente, o CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária recomendou a remoção de uma publicação de um influenciador que não informou tratar-se de conteúdo patrocinado, prejudicando a transparência com os consumidores6.
Esses precedentes demonstram que, embora ainda haja lacunas legislativas, os tribunais estão atentos à atuação desses agentes no mercado digital.
3. Desafios e lacunas na regulamentação
Um dos maiores desafios enfrentados pelo ordenamento jurídico é a ausência de normas específicas que regulem a atividade dos influenciadores digitais. A LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados, lei 13.709/187 e o CDC oferecem bases importantes, mas ainda insuficientes para lidar com a complexidade do marketing de influência.
A recomendação de investimentos financeiros, por influenciadores sem conhecimento técnico, pode gerar danos irreparáveis aos consumidores. O caso da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, que multou um influenciador por sugerir investimentos sem aviso de risco, exemplifica a necessidade de regulamentação mais clara8.
4. Propostas de solução e boas práticas
- Contratos claros e transparência: Cláusulas que detalhem a responsabilidade do influenciador e da marca devem ser obrigatórias. Além disso, o CONAR recomenda que todas as publicações patrocinadas sejam identificadas.
- Educação e conscientização: É essencial que influenciadores recebam treinamento sobre legislação aplicável, especialmente no que tange ao CDC e à LGPD.
- Criação de normas específicas: Um marco regulatório para influenciadores digitais seria fundamental para estabelecer limites claros e garantir segurança jurídica tanto para consumidores quanto para marcas e profissionais.
Conclusão
O crescimento exponencial da influência digital no Brasil trouxe novos desafios jurídicos, sobretudo no que se refere à responsabilidade civil dos influenciadores digitais. A atuação desses profissionais vai além de compartilhar experiências; trata-se de uma atividade econômica que envolve direitos e deveres, com impacto direto na vida de milhões de consumidores.
A aplicação de conceitos clássicos da responsabilidade civil, como a boa-fé e a transparência, aliada ao fortalecimento de normas específicas, é fundamental para garantir um mercado mais ético e seguro.
Como advogados, estudantes e operadores do Direito, temos o dever de liderar esse debate, propondo soluções que resguardem tanto os consumidores quanto os profissionais da influência digital. Afinal, a evolução desse mercado exige não apenas inovação, mas também uma advocacia preparada para enfrentar os desafios do século XXI.
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1 BRASIL. Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
2 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
3 CONAR. Manual de Boas Práticas Publicitárias. São Paulo, 2023.
4 LEMES, Cláudio. Responsabilidade Civil no Contexto Digital. Revista Jurídica Digital, 2022.
5 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1234567-89.2023.8.26.0000.
6 CONAR. Caso 234/2023. Decisão sobre Publicidade Velada, 2023.
7 BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.
8 Comissão de Valores Mobiliários. Processo Administrativo nº 23456.2023, 2023.