Em 2022, pesquisadores da Universidade Chinesa de Hong Kong apresentaram um robô magnético feito de materiais viscoelásticos, projetado para capturar objetos ingeridos acidentalmente e guiar medicamentos pelo sistema digestivo¹. Apesar de sua aparência lúdica, semelhante ao slime, essa inovação promete avanços biomédicos revolucionários. Contudo, a tecnologia ainda não é utilizada em ambientes hospitalares, permanecendo em fase experimental, o que nos leva a refletir sobre os impactos éticos, jurídicos e regulatórios de sua futura aplicação¹. A ausência de regulamentação adequada antes da adoção dessas inovações pode gerar problemas que, posteriormente, seriam difíceis de resolver. Este artigo analisa o arcabouço jurídico brasileiro, identificando lacunas e propondo soluções para regulamentar tecnologias biomédicas disruptivas.
1. A regulamentação atual: Um arcabouço estruturado, mas incompleto
No Brasil, a regulamentação de dispositivos médicos é guiada por leis e resoluções específicas:
A lei 6.360/1976 regula a vigilância sanitária de produtos de saúde e exige que dispositivos médicos sejam registrados junto à Anvisa antes de sua comercialização².
A resolução RDC 185/2001, da Anvisa, estabelece critérios para a classificação de dispositivos médicos com base no nível de risco (Classes I a IV)³. Robôs magnéticos, por seu uso interno, provavelmente seriam enquadrados nas classes de maior risco, demandando rigorosos testes de segurança³.
A resolução CFM 2.299/21, do Conselho Federal de Medicina, define parâmetros éticos para o uso de tecnologias avançadas na medicina, enfatizando a necessidade de evidências científicas e consentimento informado4.
Essas normas fornecem uma base importante, mas foram criadas com foco em dispositivos médicos convencionais, não contemplando os desafios únicos das tecnologias robóticas disruptivas.
2. Lacunas no arcabouço jurídico e regulações
Apesar de seu potencial, a introdução de robôs magnéticos evidencia lacunas significativas na regulamentação:
- A toxicidade de materiais como o neodímio e o bórax, utilizados nesses robôs, não é abordada detalhadamente pelas normas existentes, o que representa um risco para a saúde humana5.
- A responsabilidade civil em casos de danos causados por tecnologias robóticas ainda é incerta no Brasil. Não há clareza sobre se o fabricante, o médico ou o hospital seriam responsabilizados6.
- O monitoramento pós-mercado de dispositivos médicos no Brasil é limitado, dificultando a identificação de problemas após sua aprovação inicial³.
- Embora a resolução CFM 2.299/21 aborde o consentimento informado, o uso de tecnologias biomédicas avançadas demanda normas mais específicas para garantir que os pacientes compreendam plenamente os riscos4.
3. A necessidade de novas regulamentações
Diante das lacunas identificadas, é necessário implementar medidas regulatórias mais abrangentes:
- Criação de Normas Específicas: Regulamentações detalhadas para dispositivos robóticos, incluindo requisitos de biocompatibilidade e testes rigorosos de toxicidade, são essenciais³5.
- Revisão da resolução RDC 185/2001: A inclusão de dispositivos robóticos magnéticos e disruptivos como uma categoria específica garantiria maior proteção³.
- Marco jurídico de responsabilidade compartilhada: Uma legislação que defina claramente as responsabilidades de cada parte envolvida na utilização de tecnologias robóticas é fundamental6.
- Comitês de ética em tecnologia biomédica: A criação de comitês interdisciplinares para avaliar a segurança, os impactos éticos e a viabilidade jurídica de inovações médicas antes de sua aplicação seria um passo importante5.
4. Exemplos práticos e referências jurídicas
Outras tecnologias robóticas já são amplamente utilizadas na medicina brasileira, como o sistema Da Vinci, empregado em cirurgias minimamente invasivas. Esses dispositivos são regulamentados pela Anvisa sob as normas existentes³. Contudo, o uso de robôs magnéticos, devido às suas características únicas, exigirá padrões mais específicos. O Regulamento 2017/745 da União Europeia, que aborda dispositivos médicos avançados, pode servir de modelo para o Brasil, destacando a necessidade de atualizações constantes para acompanhar a evolução tecnológica7.
Os robôs magnéticos representam uma fronteira promissora na medicina, mas sua adoção requer atenção jurídica e regulatória. Apesar de contar com um arcabouço normativo robusto, o Brasil precisa preencher lacunas específicas para garantir o uso seguro e ético dessas tecnologias. Recomenda-se a criação de normas dedicadas a tecnologias disruptivas, o fortalecimento do monitoramento pós-mercado e a inclusão de comitês de ética. Somente com uma abordagem jurídica abrangente será possível promover a inovação e proteger a dignidade humana.
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1 ZHANG, L. et al. Magnetic slime robots: Development and Applications. Advanced Functional Materials, 2022.
2 BRASIL. Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre a vigilância sanitária e controle de produtos de saúde. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2025.
3 ANVISA. Resolução RDC nº 185, de 22 de outubro de 2001. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2025.
4 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.299/2021. Disponível em: https://portal.cfm.org.br. Acesso em: 10 jan. 2025.
5 TEPEDINO, G. Direitos Fundamentais e Tecnologia. São Paulo: Saraiva, 2018.
6 UNIÃO EUROPEIA. Regulamento 2017/745 sobre dispositivos médicos. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu. Acesso em: 10 jan. 2025.
7 SCHWARTZ, J. Legal Challenges in Robotics: Ethical and Regulatory Perspectives. Cambridge: Cambridge University Press, 2020.