Entre a chegada da família real ao Brasil (1808) e sua primeira Constituição outorgada (1824), até os dias de hoje, já se passaram sete Constituições vigentes. Neste ínterim, direitos e garantias individuais foram conquistados. Incessantes e contínuos esforços, inclusive derramamento de sangue, oriundos de guerras e disputas, foram símbolo da luta dos antepassados em prol da dignidade humana.
Ao longo dos anos, conquistas foram galgadas por esses esforços. O devido processo legal; o contraditório; a ampla defesa; a segurança jurídica; enfim, direitos constitucionais por excelência, onde em tempos pretéritos não existiam em plenitude. Após isso, com o advento da Carta da República de 1988, conquistou-se a efetivação plena de um Estado Democrático de Direito, notadamente na esfera do processual, com a definição dos atores jurídicos, havendo, portanto, o Advogado para defender, o Ministério Público para acusar, e, por fim, o Juiz para julgar.
Por mais horrendo que um crime possa transparecer, por mais infame à sua repercussão social, o direito à defesa deve prevalecer. Incumbe ao advogado o sacerdócio da defesa, a este, cabe tão somente arguir contra a acusação, discorrer em defesa do réu e suas demais nuances.
Certa feita, o célebre advogado Evaristo de Morais, em um caso específico, na dúvida se aceitaria ou não a defesa de um réu, diante do clamor social, à época, ao se aconselhar com o eminente Rui Barbosa, este ponderou: “[...] A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos legais [...]1”.
No mesmo contexto, Rui Barbosa, em resposta à Evaristo de Morais, ressaltou a famigerada defesa de Troppmann, in verbis: “[...] É um dever o que aqui vim cumprir. Poderão tê-lo visto com espanto os que ignoram a missão do advogado. Os que dizem haver crimes tão abomináveis, tão horrendos criminosos que não há, para eles, a mínima atenuante na aplicação da justiça, os que assim entendem, senhores, laboram por engano, confundindo, na sua generosa indignação, a justiça com a cólera e a vingança. Não percebem que, abrasados nessa paixão ardente e excitados da comiseração para com tantas vítimas, acabam por querer que se deixe consumar um crime social, de todos o mais perigoso: o sacrifício da lei [...]2”.
Por isso, incumbe ao advogado, na condição de indispensável à administração da justiça, cumprir o seu papel social e primar pela formalidade que o processo dispõe, e, assim, exercer em plenitude o direito à defesa, seja quem for. Não se pode olvidar que, este, “o crime”, tido como abominável, pode, repentinamente, mostrar-se à espreita no dia a dia.
Arraigado na história, desde os tempos remotos da humanidade, o primeiro homicídio que se tem notícia, é quando Caim mata Abel, segundo a passagem da Bíblia Sagrada, em Gênesis capítulo 4, versículo 8. Caim agiu imbuído de inveja, pois Deus havia se agradado da oferta trazida pelo seu irmão Abel e rejeitado a dele. Sentimento que, infelizmente, até hoje, permeia à sociedade. Por isso, “Deus puniu Caim, amaldiçoando-o, fazendo com que passasse a ser um fugitivo e errante pela Terra”.
Por fim, por sentimentos somos movidos; seres humanos pulsando a cada segundo juntamente com o compasso do relógio. Das horas tornamo-nos escravos da nossa rotina, por instintos, de repente, somos vulcões de emoções, bons e/ou ruins. O erro é inerente à vida humana. Desse modo, quando vermos uma acusação pesar sobre o ombro de algum homem, pensemos duas vezes, pois amanhã poderá ser um de seus semelhantes em seu lugar, e, por conseguinte, vamos querer empatia.
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1 O Dever do Advogado: Carta a Evaristo de Morais / Ruy Barbosa; prefácio de Evaristo de Morais Filho – Bauru/SP: Edipro, 2007 – (clássicos Edipro), pág. 52.
2 O Dever do Advogado: Carta a Evaristo de Morais / Ruy Barbosa; prefácio de Evaristo de Morais Filho – Bauru/SP: Edipro, 2007 – (clássicos Edipro), pág. 66.