A era digital transformou radicalmente a forma como nos relacionamos, trabalhamos e litigamos. As redes sociais, em particular, emergiram como poderosas ferramentas de comunicação e interação, mas também como fontes ricas de informações que podem ser utilizadas em processos judiciais.
Neste artigo, exploramos a utilização das redes sociais como fonte de prova para a constatação de litigância predatória, com foco no vínculo de seguidor como elemento indiciário.
A litigância predatória consiste na utilização abusiva do processo judicial com o objetivo de prejudicar economicamente ou intimidar adversários, muitas vezes sem fundamento legal sólido.
As redes sociais podem ser utilizadas como um instrumento para identificar e comprovar a existência de uma organização ou grupo que atua de forma coordenada para promover múltiplos processos contra uma mesma parte, caracterizando a litigância predatória.
O vínculo de seguidor em redes sociais pode ser um indicativo relevante para a constatação de litigância predatória.
A existência de um número significativo de seguidores em comum entre diversos autores de ações judiciais contra a mesma parte pode sugerir a existência de uma organização ou grupo atuando de forma coordenada.
Esse ponto foi o que definiu o sucesso em nossa atuação no processo 3000304-80.2023.8.06.0136.
Nesse caso, a autora contratou um seguro no dia 15/4/23, vinculado à sua conta digital, denominado Seguro Conta Protegida. Alegou, na inicial, que após três dias da contratação, foi abordada por dois sujeitos, os quais a obrigaram a realizar duas transações pix.
Informou, ainda, que o fato foi narrado para as autoridades policiais e, ao entrar em contato com a seguradora, teve o pedido de indenização securitária negado, sob a informação de que o caso se trata de risco excluído da apólice.
A autora entrou em contato com a seguradora e, dessa forma, no dia 21/4/23, foi aberto sinistro, sob 1643156. Diante da ausência de informações necessárias que deveriam conter no Boletim de Ocorrência, foram solicitadas informações adicionais à segurada.
Após o envio do documento solicitado, foi realizada sindicância para análise do sinistro, contudo, foram identificadas inconsistências, que indicariam possível fraude e o sinistro foi declinado. Com a informação dos dados da destinatária do pix, foi produzido um relatório de sindicância, que confirmavam a possibilidade de fraude.
Por meio do Google Maps, a defesa da seguradora identificou que a autora e a destinatária do pix residem na mesma rua.
Além da ferramenta acima, por meio do uso do Instagram, foi constatado que a segurada é irmã de outro segurado, com abertura de sinistro sob o mesmo motivo de coação para realização de pix.
A partir das pesquisas nas redes sociais, foi localizado vínculo de amizade entre a autora e a destinatária do pix do irmão da segurada, fortalecendo os indícios de fraude no caso.
Após apresentação desses pontos, o magistrado decidiu pela improcedência da demanda, sendo a sentença de primeiro grau confirmada pela turma recursal, decidindo os julgadores nos seguintes termos:
“A tese central adotada pela seguradora reside no fato de que foi verificada, na regulação do sinistro, que não foram prestadas informações verídicas acerca das circunstâncias em que ocorrido o sinistro. A seguradora defende que foi constatada fraude e tentativa de forjar sinistro, amparando-se nos seguintes fatos: 1) A segurada e a destinatária do pix residem na mesma rua; 2) A segurada é irmã de outro segurado da apólice, que afirmou também ter sido coagido para a realização do pix; 3) Em pesquisa nas redes sociais, foi localizado vínculo de amizade entre pessoas com nomes similares aos da autora e da destinatária do pix.
Com efeito, ao que se deflui do exame das alegações vertidas pelas partes e das provas contidas nos autos, a segurada não faz jus à indenização securitária por tentar fraudar o sinistro. O conjunto probatório contido nos autos demonstra que o alegado sinistro teria ocorrido no dia 18/4/23, apenas dois dias depois da contratação do seguro. Além disso, não há nos autos elementos que comprovem qualquer tentativa da parte autora de recuperação dos valores transferidos junto a instituição financeira. Ressalta-se ainda que, de fato, a parte autora e a destinatária do pix, suspostamente realizado por meio de coação, residem na mesma rua.
Todos esses elementos conduzem à conclusão de que a parte segurada, aparentemente, atuou em conluio para fraudar sinistro, bem como se
pautou eivada de má-fé ao comunicar fato inexistente. Nesse contexto, a quebra da mais estrita boa-fé entre os contratantes ofende o disposto no art. 765 do Código Civil e desautoriza qualquer indenização securitária no caso em comento.
Assim, observa-se que a parte demandada se desincumbiu de seu ônus probatório a contento, demonstrando de forma conclusiva a má-fé da segurada. Ou seja, se denota ofensa à boa-fé, princípio insculpido no art. 422 do CC/02, que permeia os contratos e a qual as partes são submetidas.”
Assim, seguindo o exemplo acima, para além da análise quanto ao vínculo de seguidores, é possível e interessante, ao verificar o perfil de parte contrária de processo, apreciar os seguintes pontos:
- Natureza das publicações: Analisar o conteúdo das publicações nas redes sociais, buscando por mensagens que indiquem a existência de uma estratégia comum ou a coordenação de ações;
- Data das publicações: Comparar as datas das publicações com o ajuizamento das ações judiciais para identificar possíveis conexões temporais;
- Interação entre os usuários: Analisar a interação entre os usuários, como comentários, curtidas e compartilhamentos, para identificar a existência de uma comunidade virtual com interesses comuns;
- Identificação de pessoas citadas nos processos: Buscar identificar os autores das publicações e verificar se possuem algum vínculo profissional ou pessoal com os autores das ações judiciais.
Isto posto, é possível constatar que as redes sociais representam um novo horizonte para a coleta de provas em processos judiciais. O vínculo de seguidor, quando analisado em conjunto com outros elementos, pode ser um importante indicativo da existência de litigância predatória.