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Sanção de lei traz inovações para o mercado securitário com relação ao prazo decadencial

A lei 15.040/24 introduz um prazo decadencial de 30 dias para que as seguradoras se manifestem sobre a cobertura, buscando celeridade, mas podendo gerar insegurança jurídica.

19/2/2025

A sanção da lei 15.040/24 traz diversas inovações para o mercado securitário, dentre as quais destacamos aquela trazida pelo seu art. 86, que assim dispõe: 

Art. 86. A seguradora terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para manifestar-se sobre a cobertura, sob pena de decair do direito de recusá-la, contado da data de apresentação da reclamação ou do aviso de sinistro pelo interessado, acompanhados de todos os elementos necessários à decisão a respeito da existência de cobertura.

Da leitura desse artigo, podemos extrair que, passado o prazo de 30 dias previsto para manifestação da seguradora acerca da cobertura perquirida pelo segurado, decairá o seu direito de recusá-la. 

Inicialmente, sobre o instituto da decadência, convém ressaltar que é definido pela doutrina como sendo "(...) a extinção de direito potestativo em virtude da inércia de seu titular em exercê-lo", nas palavras de Giovanni Nanni, que é doutrinador e livre-docente pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo. Ademais, sobre a decadência, destacam-se as seguintes características: (i) impossibilidade de suspensão ou interrupção, salvo previsão legal; (ii) nulidade da renúncia à decadência prevista em lei; (iii) possibilidade de reconhecimento da decadência legal de ofício pelo juízo. 

Vê-se, de plano, que o legislador, ao submeter a seguradora a um prazo decadencial legal sobre o qual sequer é admitida renúncia ou negociação acerca de suspensões e/ou interrupções, objetivou conferir celeridade na sua tomada de decisão, sem se atentar, no entanto, para a complexidade técnico-jurídica de determinados sinistros que, invariavelmente, não permitem a conclusão de sua avaliação num prazo exíguo como o estabelecido, abrindo margem para a criação de direitos “fictícios”, que passarão a existir apenas pelo decurso do tempo, e para a judicialização generalizada de questões que poderiam ter sido resolvidas na esfera administrativa.  

Sendo assim, é de salutar importância aclarar o que seriam os chamados direitos potestativos.

Neste sentido, o titular do direito potestativo pode exercê-lo livremente, modificando por meio da constituição, alteração ou extinção de direitos, a situação jurídica da outra parte, que deverá se submeter à autonomia da vontade exercida pelo seu detentor – é o chamado estado de sujeição.

Todavia, a decisão da seguradora acerca da existência ou não de cobertura securitária, conforme suscitado em debate na ANSP - Academia Nacional de Seguros e Previdência, não parece estar revestida da liberdade inerente aos direitos potestativos. 

Isso porque o próprio marco legal dos seguros impõe diversas obrigações às seguradoras para que possam exercer o direito de dizer se existe, ou não, cobertura securitária para determinado sinistro, a exemplo do disposto no próprio caput do art. 86, que preconiza que a recusa deverá ser motivada, além de acompanhada de todos os elementos que a fundamentarão. 

Além disso, não se deve perder de vista que as seguradoras são entidades reguladas e que, dentre os deveres que lhes são atribuídos pelo órgão regulador, está o de zelar pelo fundo mútuo que administra, sendo, em regra, vedados os pagamentos ex gratia, que poderiam passar a ocorrer em razão da impossibilidade de a seguradora emitir uma negativa de cobertura após o decurso do prazo decadencial. 

Outro ponto que pode ser entendido como fator de relativização do entendimento de que a decisão das companhias sobre a cobertura é um direito potestativo das seguradoras, é a previsão legal sobre a possibilidade de o segurado se insurgir quanto a eventual negativa integral ou parcial, por meio de pedido de reconsideração, tolhendo do referido direito a característica impositiva (estado de sujeição dos segurados), que também é inerente aos direitos potestativos.

O professor José Miguel Garcia Medina, acadêmico na área jurídica, destaca uma definição doutrinária sobre a característica impositiva do direito potestativo. Segundo ele, “chama-se Direito potestativo ou poder jurídico a faculdade, assegurada pela norma jurídica, de o seu titular submeter terceiro à sua vontade. Vale dizer, unilateralmente atinge-se à esfera jurídica do sujeito passivo, que a tudo fica submetido. Aqui, ao invés de dever ou obrigação, temos uma posição de mera sujeição à vontade de outrem."

Em que pesem tais ponderações, a forma como a lei 15.040/24 será interpretada e aplicada pelas seguradoras, segurados, doutrina, jurisprudência, órgãos reguladores e todos os demais sujeitos que serão por ela impactados ainda é uma incógnita, considerando que a legislação sequer entrou em vigor.

Sendo assim, esse e outros temas inovadores trazidos pelo marco legal dos seguros devem ser estudados, debatidos e acompanhados, com o objetivo de que eventuais ausências de compatibilidades entre determinados institutos e a própria atividade securitária sejam sanadas, para que os direitos exercidos e deveres imputados às partes estejam revestidos da necessária segurança jurídica.

Karine Oliveira
Advogada da área de Seguros e Resseguros da Schalch Sociedade de Advogados

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