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Pode o advogado acompanhar exame pericial?

O advogado tem sim o direito de acompanhar o cliente, sendo sua vontade no exame pericial.

26/3/2025

Infelizmente, é muito comum o advogado ser proibido de acompanhar perícia médica, sob a falsa retórica de sigilo médico e outros argumentos.

No exercício da profissão já vivenciei uma situação bizarra dessa, onde o médico psiquiatra queria proibir o meu acompanhamento no exame pericial.

Expliquei, ao perito, que estava no exercício regular de um direito e que iria, somente, presenciar e acompanhar a produção de provas.

A propósito, o sigilo profissional não pode funcionar em prejuízo do paciente.

Ora, o sigilo é do paciente. Não é do médico. Como o prontuário é do paciente. Em consequência, estando o causídico devidamente habilitado e ser a vontade do seu assistido, por óbvio, tem o direito de acompanhar à prova pericial.

A presença do advogado, consentida pelo periciando, no ato médico, é dar um conforto e segurança jurídica. Havendo proibição de acompanhar a perícia, é evidente, que afeta o livre exercício da advocacia.

Direito do examinado ser acompanhada por advogado

Ou seja, é direito do examinado ser acompanhado por advogado. A junta médica não tem discricionariedade para dizer se pode ou não ser acompanhada no ato médico ou quem deve acompanhar. 

Uma coisa: Até parece que a presença do causídico vai colocar em risco a liberdade profissional do médico. Que vai tumultuar. Que vai interferir na dinâmica no melhor resultado da perícia.

Presença do advogado, na perícia médica: Dá transparência e lisura

Muito pelo contrário. A presença do advogado, na perícia médica vai corroborar com a transparência e lisura do ato médico. Aliás, no Estado democrático de Direito não existem atos secretos.

Pode, sim, participar, acompanhando, o exame. Isso tudo, é uma consequência natural da prerrogativa profissional.

Alguma dúvida?

Dignidade da pessoa humana

Como se sabe, a dignidade humana é o princípio fundamental da República! (art. 1º, inciso III, da CF/88). É o centro do ordenamento jurídico.

Daí a observação de Daniel Sarmento1 cuja precisa lição:

“No Brasil, a dignidade da pessoa humana figura como “fundamento da República” no art.1º, inciso III, da Constituição brasileira. O princípio já foi apontado pela nossa doutrina como o “valor supremo da democracia”, como a norma das normas dos direitos fundamentais, como “princípio dos princípios constitucionais”, como o coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana. O reconhecimento da centralidade do princípio da dignidade da pessoa humana é recorrente na jurisprudência brasileira, tendo o STF afirmado do “verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país.”

Nesse sentido, ao aplicar o princípio constitucional da dignidade humana, na relação paciente e médico, deve-se, é claro, respeitar a soberania da vontade do periciando, no sentido de, somente, ele escolher quem esteja ao seu lado na perícia, não cabendo à junta médica se opor ou dizer que pode acompanhar o ato.

Vale lembrar que nos princípios fundamentais do Código de Ética Médica, VI: “O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício...”

Além do que, pelo Código de Ética Profissional, no art. 24:

“É vedado ao médico: Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”

O que diz a lei

O art. 133 da CF/88 diz que:  O advogado é indispensável à administração da Justiça. À vista disso, a lei 8.906, de 4/7/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 7º aduz o seguinte:

art. 7º São direitos do advogado: I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; .............................................................................................

VI - Ingressar livremente: ............................................................................................

c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;

Logo, fica bem fácil ver que, no direito da lei, é possível chegar à conclusão, de que o advogado, no exercício da sua profissão, pode e deve estar, junto ao seu cliente, em qualquer repartição pública.

Conclusão

O tema é relevante, pois trata da intersecção entre direito advocatício e a prática médica, o que é de interesse tanto para profissionais da área jurídica quanto da saúde.

À luz do Estatuto da Advocacia, lei 8.906/94, o advogado, no exercício de sua profissão, tem, sim, direito assegurado pelo art. 7º, inc. I, VI, letras “c”, de acompanhar seu cliente, quando solicitado, nos exames periciais em âmbito judicial ou administrativo.

É direito do examinado ser acompanhado por advogado. A junta médica não tem discricionariedade para dizer se pode ou não ser acompanhada no ato médico ou quem deve acompanhar.

A presença do advogado, na perícia médica vai corroborar com a transparência e lisura do ato médico. Não existem atos secretos, em regra, no Estado democrático de Direito.

Ao aplicar o princípio constitucional da dignidade humana, na relação paciente e médico, deve-se, é claro, respeitar a soberania da vontade do periciando.

Por fim: Essas práticas inadequadas, por parte de alguns médicos, que proíbem a presença do advogado, na perícia, violando o seu exercício profissional, têm que ser combatidas, urgentemente, pela prerrogativas da OAB; para promover ações concretas que combatam as proibições.

__________

1- SARMENTO, Daniel, Dignidade da Pessoa Humana, 2016, p.14-15, 2ª ed., Ed. Fórum)

Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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