I. Da tempestividade da presente contribuição processual
1. Tendo em vista a publicação na sexta-feira (21/3/25) o prazo fatal quinzenal encerra precisamente nesta data (11/4/25), de modo que a manifestação resta tempestiva:
II. Da problematização
2. O edital oportuniza à sociedade jurídica debater sobre competência da Justiça do Trabalho, para apreciação jurisdicional de processos que versam sobre movimentação de FGTS.
3. A primeira ‘questão problema’ diz respeito à competência nos feitos de jurisdição voluntária e indaga o seguinte:
“A Justiça do Trabalho tem competência para apreciar e julgar os procedimentos de jurisdição voluntária para movimentação dos valores depositados na conta vinculada ao FGTS, formulado pelo titular em face da Caixa Econômica Federal?”
4. Já a segunda, traz à baila os feitos em que haja contraditório processual da CEF - Caixa Econômica Federal. Neste caso, tratam-se dos feitos de jurisdição contenciosa:
“E, diante da resistência do órgão gestor, compete a esta Justiça Especializada apreciar e julgar a lide daí decorrente?”
5. Para chegarmos ao jus opinium, faz-se necessário contextualizar – mesmo que objetivamente – a dinâmica envolta do protagonista processual FGTS.
III. Considerações propedêuticas sobre o FGTS
6. Segundo a gestora CEF, o FGTS é um patrimônio brasileiro e um direito do trabalhador. Vejamos as informações basilares:
O que é o FGTS?
O FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi criado com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho. No início de cada mês, os empregadores depositam em contas abertas na CAIXA, em nome dos empregados, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário.
O FGTS é constituído pelo total desses depósitos mensais e os valores pertencem aos empregados que, em algumas situações, podem dispor do total depositado em seus nomes.
A CAIXA assumiu o papel de agente operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço com a publicação da lei 8.036/90, de 11/5/1990 e, desde então, vem cumprindo este papel de realizar sonhos, assumindo compromissos com o trabalhador e promovendo os maiores pagamentos da história do país.
Missão do FGTS:
Constituir e preservar a reserva financeira do trabalhador e fomentar investimentos nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.
Rendimentos do FGTS:
A distribuição de resultado do FGTS é uma medida legal que tem como objetivo o incremento da rentabilidade das contas vinculadas FGTS do trabalhador, por meio da distribuição do resultado positivo auferido pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, além da remuneração mensal com aplicação da TR mais 3% ao ano.
O trabalhador que possuir conta do FGTS com saldo positivo na data de 31 de dezembro receberá o crédito de distribuição de resultado até a data de 31 de agosto do ano seguinte. Importante: Não há alterações nas regras de saque do FGTS.
Os valores creditados na conta do FGTS provenientes da distribuição poderão ser sacados caso os trabalhadores se enquadrem em uma das hipóteses de saque prevista pela lei.
Modalidades de saque:
Entre as opções para você sacar o seu Fundo de Garantia estão previstas:
- Aposentadoria;
- Aquisição de casa própria, liquidação ou amortização de dívida ou pagamento de parte das prestações de financiamento habitacional;
- Saque-aniversário;
- Desastre natural (Saque Calamidade);
- Demissão, sem justa causa, pelo empregador;
- Término do contrato por prazo determinado;
- Doenças graves;
- Rescisão por falência, falecimento do empregador individual, empregador doméstico ou nulidade do contrato;
- Rescisão do contrato por culpa recíproca ou força maior;
- Rescisão por acordo entre trabalhador e empregador;
- Suspensão do trabalho avulso;
- Falecimento do trabalhador;
- Idade igual ou superior a 70 anos;
- Aquisição de Órtese e Prótese;
- Três anos fora do regime do FGTS para os contratos de trabalho extintos a partir de 14/07/1990;
- Conta vinculada por três anos sem depósitos de FGTS para os contratos de trabalho extintos até 13/7/1990;
- Mudança de regime jurídico;
- Saque residual – conta com saldo inferior a R$ 80,00;
- Outros1.
7. Quanto aos valores já recebidos pelos trabalhadores ao longo dos anos, informa a CEF que realizou a distribuição de lucro de 15,2 bilhões em 2024:
Histórico da distribuição de resultado:
O primeiro crédito nas contas dos trabalhadores a título de distribuição de resultado do FGTS ocorreu em 2017, referente ao lucro obtido em 2016. Desde então, já foram distribuídos R$ 67,2 bilhões. Com o valor a ser depositado até o dia 31 de agosto, o FGTS alcançará R$ 82,4 bilhões em recursos creditados diretamente aos brasileiros.
Confira abaixo os valores já recebidos pelos trabalhadores ao longo dos anos:
O valor referente à distribuição do lucro pode ser sacado nas situações previstas na lei 8.036/90, como nos casos de rescisão sem justa causa do emprego, aquisição da casa própria, aposentadoria e outros. O recurso recebido não integra a base de cálculo da multa rescisória caso o trabalhador venha a ser demitido sem justa causa.2
8. No debate proposto paira certa conflituosidade positiva de competência, entre Justiça do Trabalho (cuja competência advém de fatos controvertidos nas relações de trabalho) e Justiça Federal (que seria competente para tratar de assuntos de interesse da CEF, total interessada na temática FGTS – uma constatação que faço na condição ex advogado terceirizado da empresa, que passou a compreender a importância sistêmica da gestão do fundo de garantia).
9. Ultrapassadas tais incontrovérsias sobre o FGTS, passaremos a tratar de situações pontuais jus factuais, que imputamos relevantes e passíveis de reflexões.
IV. Motivações jurídicas relevantes
10. A CF/88, em seu art. 109, I diz que as causas de interesse de entidade autárquica ou empresas públicas são de competência dos juízes Federais, excepcionando as ações que envolvem acidentes de trabalho e que são de competência da justiça do trabalho.
11. Por sua vez, o art. 114 do mesmo Texto Maior dispõe sobre a competência originária da Justiça Trabalhista, onde destacamos o inciso IX, que deixa a competência aberta à legislação infraconstitucional e dá margem ao certo debate interpretativo.
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
12. A nossa E. Corte Suprema, exercendo sua competência constitucional, vem julgando importantes situações envoltas à competência da Justiça do Trabalho nos últimos anos. Dito isso, valemo-nos de algumas amostragens que guardam pertinência com o presente debate.
13. No RE 606.003, dotado de repercussão geral, discutiu-se, à luz dos incisos LIII e LXXVIII do art. 5º e I e IX do art. 114 da CF/88, a competência para processar e julgar controvérsia a envolver relação jurídica entre representante e representada comerciais. Daí, gerou o Tema 550, que firmou a tese de que “preenchidos os requisitos dispostos na lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”. Afastada, portanto, a competência da Justiça do Trabalho.
14. Já no Tema 1.143, oriundo do leading case RE 1.288.440, o STF estabeleceu que “a Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa”. Mais uma vez afastada a competência da Justiça do Trabalho.
15. No mesmo sentido o Tema 1.011 do STF: “Controvérsia relativa à existência de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal para ingressar como parte ou terceira interessada nas ações envolvendo seguros de mútuo habitacional no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e, consequentemente, à competência da Justiça Federal para o processamento e o julgamento das ações dessa natureza”. Ressalta-se que mútuo habitacional e FGTS guardam total nexo.
16. O E. STJ também destacou no Tema repetitivo 50: “Discussão sobre a necessidade de participação da Caixa Econômica Federal nos feitos que envolvam contratos de seguro habitacional vinculados ao Sistema Financeiro Habitacional e que não tenham relação com o FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais”.
17. Exemplificados tais precedentes cuja fundamentação leva o ‘objeto jurisdicional FGTS’ à competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual, vejamos casos em que a Justiça do Trabalho tem a competência:
- judicialização envolvendo pagamento por demissão, sem justa causa, pelo empregador;
- rescisão do contrato por culpa recíproca;
- rescisão do contrato por ou força maior;
- rescisão por acordo entre trabalhador e empregador.
18. Inobstante a importância sistêmica da Justiça do Trabalho, precisamos refletir sobre sua competência nos casos que não são atinentes à relação específica de trabalho:
- para apreciar pedido de apresentação de extrato de FGTS em face da CEF?
- judicialização decorrente de problemas referentes à solicitação de saque do FGTS no exterior, via APP?
- relação contratual de empréstimo consignado privado e pedido liminar para não retenção de FGTS para pagamento do débito, sob a justificativa de vício (fraude digital, por exemplo)?
- cabe à Justiça do Trabalho apreciar discussão judicial sobre saque aniversário, retirada por doenças graves, aquisição de prótese, saque calamidade, aquisição de imóvel ou liquidação ou amortização do financiamento?
V. Considerações finais
19. Ressalvando a imprescindibilidade e importância desta Justiça Especializada, que sempre fazemos questão de enaltecer, e respeitando os pontos de vistas diferentes, segue nosso singelo opinium colaborativo:
20. Dado o total interesse da gestora CEF, a competência para apreciar e julgar os procedimentos de jurisdição voluntária para movimentação dos valores depositados na conta vinculada ao FGTS é da Justiça Federal.
21. Em havendo resistência do órgão gestor fica mais constitucionalizada ainda a competência da Justiça Federal.
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1 https://www.caixa.gov.br/beneficios-trabalhador/fgts/Paginas/default.aspx
2 https://caixanoticias.caixa.gov.br/Paginas/Not%C3%ADcias/2024/08-AGOSTO/FGTS-realiza-a-maior-distribuicao-de-lucro-da-historia-e-CAIXA-inicia-o-credito-nas-contas-nesta-sexta-9.aspx