As recentes operações deflagradas pela polícia Federal, como a denominada “Overclean”, revelaram esquemas complexos de desvio de recursos públicos envolvendo agentes políticos, empresas contratadas e núcleos técnicos das administrações municipais, evidenciando o grau de vulnerabilidade das estruturas públicas diante de práticas sistemáticas de corrupção.
Todavia, não obstante o noticiado, não é incomum que determinados gestores públicos aleguem desconhecimento sobre os atos ilícitos perpetrados sob sua responsabilidade administrativa, sobretudo em estruturas organizacionais fragmentadas, com alto grau de terceirização de serviços, descentralização orçamentária e repasse de verbas a entes conveniados.
Apesar disso, a responsabilização penal e administrativa pode recair diretamente sobre os dirigentes que, mesmo sem vínculo direto com os atos ilícitos, não adotaram mecanismos mínimos de controle e prevenção capazes de coibir desvios de finalidade nos gastos públicos.
Nesse contexto, ganha relevo a adoção de entendimentos jurisprudenciais que permitem responsabilizar gestores que, diante de sinais evidentes de irregularidades, optaram por se manter inertes, configurando conduta equiparável ao conhecido dolo eventual.
Trata-se, portanto, de uma mudança de paradigma que impõe uma atuação preventiva e vigilante das lideranças públicas, a fim de evitar a criminalização de agentes que, pela sua posição, teriam o dever de frear a atividade criminosa praticada dentro da estrutura pública.
Isso porque o ordenamento jurídico, amparado por normas de integridade como a lei anticorrupção - lei 12.846/13 -, exige do gestor público não apenas a legalidade formal dos atos praticados, mas também a efetiva criação de ambientes institucionais de integridade e transparência.
Com isso, tem ganhado espaço o conceito de compliance público, que se mostra cada vez mais necessário no enfrentamento à corrupção sistêmica, tratando da implementação de práticas permanentes de prevenção, detecção e resposta a condutas ilícitas no interior das instituições públicas, com auditorias regulares, controle interno efetivo, capacitação de servidores e canais seguros de denúncia.
Ademais, medidas como a avaliação periódica de riscos, a segregação de funções e o uso de ferramentas tecnológicas de integridade passam a ser indispensáveis para a construção de uma cultura administrativa voltada à ética e ao interesse público, mitigando a pessoalidade e os desvios de finalidade nas contratações.
Além disso, a mudança cultural é a protagonista das necessidades nesse processo, considerando que não basta institucionalizar programas formais ou aderir a cartilhas de boas práticas se não houver um comprometimento genuíno da alta liderança com a integridade.
A corrupção, portanto, não se combate apenas com normas, mas com exemplo, vigilância e ruptura com o clientelismo histórico que permeia boa parte das relações entre público e privado.
Logo, cabe aos gestores públicos, assim como aos agentes políticos e técnicos envolvidos na Administração Pública, reconhecer que a negligência com os mecanismos de integridade pode significar não apenas prejuízo ao erário, mas também a corrosão silenciosa das estruturas republicanas, gerando crises institucionais e descrédito coletivo.