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O dolo na lei de improbidade administrativa a partir da lei 14.230/21

O artigo busca realizar uma leitura do dolo no ato de improbidade a partir do Direito Penal, Convenção de Mérida e CF/88.

16/4/2025

O dolo na lei de improbidade administrativa a partir da lei 14.230/21  

O §1º do art. 1º da lei 8.429/92, com a redação da lei 14.230/21, definiu dolo como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.” 

As primeiras obras que trataram do §1º do art. 1º, referente ao “dolo”, sustentaram que a atual disposição normativa incorporou o dolo específico para a configuração do ato de improbidade, não bastando apenas o dolo, necessitando um fim específico para a caracterização do ato de improbidade.

O dolo na justificativa do anteprojeto da lei 14.230/21 

De acordo com a justificativa do projeto que culminou na sanção e publicação da lei 14.230/21, não constou a exigência de um elemento volitivo específico. Na justificativa do anteprojeto, o que se pretendeu – e isso permaneceu até o final – é a clara distinção entre culpa e dolo, com a supressão da culpa no ato de improbidade.  

Houve nítida escolha do legislador em afastar a culpa, mas não de incluir um especial fim de agir no dolo.  

Nos termos da justificativa ao projeto de lei, expressamente, consignou-se que “Neste sentido, a estrutura e a abrangência dos artigos 9º e 10º da LIA permanecem em essência inalterados, subtraindo-se a possibilidade da ocorrência de improbidade administrativa por atos culposos.” 

Fato é que, por alguma razão, a exigência de um especial fim de agir, em algum momento da tramitação, passou a constar no projeto de lei, que veio a ser promulgada.  

Diante da exigência, agora, do fim específico, é preciso analisar detalhadamente sua condição.  

Dolo no Direito Penal: Visão geral. Um contributo à improbidade 

No Direito Penal, o dolo está previsto no art. 18, I, do CP, que define o crime doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Daí decorre a previsão do dolo direito e do dolo eventual.  

No âmbito do Direito Penal, o estudo do dolo está inserido no contexto da teoria do delito (causalista, finalista, funcionalismo, etc). A questão é que, para a justificação do dolo no Direito Penal, poucas não foram as teorias que surgiram para tentar justificá-lo. Conforme Stefan, destacam-se as seguintes:  

Teoria da vontade, segundo a qual o dolo é a vontade voltada ao resultado, de modo que o sujeito que realiza a conduta volitiva dolosa, o faz tendo o conhecimento do resultado e mesmo assim realiza seu propósito, intencionalmente, em busca do resultado.

Oportuna a anotação do professor Cezar Roberto Bitencourt de que “Essa teoria não nega a existência da representação (consciência) do fato, que é indispensável, mas destaca, sobretudo, a importância da vontade de causar o resultado.” Para ele a vontade e a consciência (representação) são “irmãs siamesas [...], pois a previsão sem vontade é algo completamente inexpressivo, [...] e a vontade sem representação, isto é, sem previsão, é absolutamente impossível, eis que vazia de conteúdo."

Teoria da representação: Haverá dolo com a conduta comissiva ou omissão considerando a previsibilidade do resultado como já alcançado (certo) ou alcançável, ainda que o agente não o queira produzi-lo. Há correspondência, portanto, entre dolo eventual e culpa consciente.

Teoria do assentimento ou consentimento, consentimento ou anuência: É dolosa a conduta do agente que consente com o resultado, o que equivale ao querer. De outro modo: sendo previsto o resultado, há dolo na conduta daquele que assumiu o resulto de alcançá-lo.

A conclusão referida por Bitencourt permite compreender a questão do dolo na improbidade, se analisada a partir do Direito Penal, na medida em que as diferenças entre a teoria da vontade e da representação, permitiram chegar “à conclusão de que dolo é, ao mesmo tempo, representação e vontade.” Isso porque “é através da constatação desses dois elementos estruturais do dolo que o operador jurídico poderá chegar à conclusão de que o autor da conduta típica tomou uma decisão contra o bem jurídico.”

O CP brasileiro adotou a teoria da vontade (dolo direto, primeira parte do inciso I do art. 18 do CP) e teoria do assentimento em relação ao dolo eventual (segunda parte do inciso II do art. 18 do CP).

Para o fim que estamos tratando, importa a teoria da vontade (pois não há previsão na lei de improbidade de dolo eventual), assim entendida o desejo voltado à obtenção do resultado. Para o reconhecimento da conduta como dolosa, é necessária a integração de dois elementos: o volitivo e (+) o intelectivo.

No elemento intelectivo “o sujeito deve saber o que faz e conhecer os elementos que caracterizam sua ação como ação típica.” Em curtas palavras, é a consciência da convergência subjetiva com a típico-objetiva.  

O aspecto volitivo consubstancia-se na vontade do agente em realizar a conduta típica e “corresponde, portanto, à intenção (como modalidade de dolo), em que o autor se propõe à consecução do resultado típico.” 

O dolo, assim, é composto pelo “saber” e pelo “querer”. O agente que tendo ciência da conduta ilícita e agita sua vontade em realizar a conduta com vista no resultado, age com dolo. Não basta apenas “ter conhecimento” sem a vontade; e a “vontade” sem o conhecimento também é insuficiente para carrear o dolo. É a conjugação dos dois elementos que resulta o elemento subjetivo doloso. 

Essa sucinta digressão para dizer que o dolo é a consciência adicionado a vontade. E é justamente essa disposição que integra o conceito de dolo insculpido no art. 1º, §2º da lei de improbidade ao considerar o dolo “a vontade livre e consciente”.  

A parte final é absolutamente despicienda, pois ao estatuir que não “basta a voluntariedade” do agente, nada mais faz do que dizer o óbvio, ou seja, não basta, isoladamente, a voluntariedade. Correto. É necessário o segundo elemento: a consciência da ilicitude, o que já consta na primeira parte. Em nosso entendimento, a parte final é a conformação do dolo em si.  

Como norma de interpretação autêntica, o dispositivo legal apenas definiu, nas exatas palavras do legislador, o dolo de acordo com a teoria da vontade (consciência e vontade). Assim, dizer que é necessária a vontade e a consciência para a configuração do ato ímprobo e, de outro lado, dizer que é necessário o dolo é, em nosso entendimento, redundante. 

Essa análise, aliada à leitura da justificativa do anteprojeto, conduz a asserção de que o §2º do art. 1º da lei 14.230/21 exigiu o dolo como elemento subjetivo para a caracterização do ato de improbidade.  

Dolo e dolo “específico”: Rápida abordagem a partir do Direito Penal 

A distinção entre dolo e dolo específico conduz a caminhos diferentes, tanto no direito material quanto no processual (destacadamente no ponto probatório). Sua compreensão conceitual é condição inicial de partida para a estruturação dogmática.  

Conforme lições de Hungria, o dolo “conceitualmente, é a vontade a exercer-se por causa ou apesar do previsto resultado antijurídico”. Noronha assevera a respeito do dolo que “Age dolosamente quem atua com conhecimento ou ciência de agir no sentido do ilícito ou antijurídico, ou, numa palavra: com conhecimento da antijuridicidade do fato.” Basileu Garcia também entende que “Dolo vem a ser a vontade, que tem o agente, de praticar um ato, incriminado como delito, consciente da relação de causalidade entre ação e resultado.” Aníbal Bruno analisa o elemento subjetivo porque “No dolo, o indivíduo sabe o que quer e decide realiza-lo, consciente de que o seu querer é ilícito. [...] O dolo é, portanto, representação e vontade em referência a um fato punível, que o agente pratica sabendo ser o mesmo ilícito.”

Welzel dispõe que "Dolo em el sentido del derecho penal, significa el querer realizar, no solamente el querer aspirar. Pues querer es un verbo auxiliar que necesita siempre de um verbo principal para la determinación precisa del contenido, y este contenido es para el concepto del dolo el querer realizar”.

Nesse panorama, cabe analisar qual a compreensão do dolo “específico” na improbidade. 

Consigna-se, desde já, que partilhamos do entendimento de que “Essa classificação de dolo genérico e dolo específico, a nosso ver, encontra-se superada em face da teoria finalista da ação. Entendemos que o dolo é natural, uno, variando de acordo com a descrição típica de cada delito, não podendo ser confundido com os demais elementos subjetivos do tipo.”

A nominação de dolo “específico” é refutada por significativa parte da literatura, como diz Sanches “Esta denominação também é relativa à teoria causalista e indicava que o tipo penal trazia destacado o especial fim de agir. Atualmente, sob a égide da teoria finalista, a expressão cede lugar a elemento subjetivo do tipo ou do injusto.” 

Em arremate, tem-se que com a adoção no Direito Penal pátrio – em grande parte – da teoria finalista, a distinção entre dolo e dolo específico perdeu parcela (se não toda) de sua importância, na medida em que já há valoração da vontade cognitiva para a confirmação do dolo.  

Dolo “específico” no ato de improbidade administrativa 

O dolo específico, firmado a partir da teoria causalista, a qual não tem sido aderida em solo pátrio, mas que, por deferência ao debate, põe-se em causa, é constituído pelo dolo genérico (vontade mais conhecimento) acrescido da chamada especificadora ou especificante. “Quando a lei menciona ou pressupõe um fim especial e tal fim fica sendo elemento integrante do dolo, êste é específico. O dolo genérico não exige qualquer fim particular.” 

Porém, de outro lado, o que a literatura tem sustentado é que, a partir da teoria finalista da ação, fala-se em elemento subjetivo do injusto ou elemento subjetivo do ilícito, elemento subjetivo do tipo ou finalidade específica do dolo.

O §2º do art. 1º da lei de improbidade definiu o dolo como vontade livre e consciência de praticar as condutas “tipificadas” nos arts. 9º, 10 e 11. Refere, na parte final, ser insuficiente a mera voluntariedade (óbvio).  

A regra, portanto, de acordo com a lei de improbidade administrativa, na redação que lhe foi dada pela lei 14.230/21, especificamente no seu §2º do art. 1º, é que a conduta, para ser definida como ímproba, deve ser dolosa. Diz a literatura que “será considerado, portanto, dolo específico não aquela ausência de diligência em se praticar o ato, mas de não atuar com diligência necessária e assim possibilitar o ato”.

Na obra de Neves e Oliveira, o fundamento utilizado para concluir pela necessidade do dolo específico é que a partir da lei 14.230/21 se “supera o entendimento jurisprudencial para exigir, a partir de agora, o dolo específico para a configuração da improbidade” e arremata, em conclusão, que a improbidade administrativa somente ocorrerá com a comprovação do dolo específico “inexistindo, portanto, a modalidade culposa de improbidade, ainda que a culpa seja grave e o erro seja grosseiro”.

Porém, a técnica legislativa adotada pela lei 14.230/21, não foi a mais propositiva, tampouco clara e precisa. Para compreender o elemento subjetivo do tipo exigido na lei de improbidade administrativa, é necessária a interpretação conjuntada entre o art. 1º, §2º com o art. 11, §§1º e 2º da LIA.  

O §2º do art. 1º estabelece o conceito de dolo direto exigida para a caracterização do ato ímprobo. Mas não é só. A lei vai além, embora essa complementação se encontre em dispositivo topográfico diverso. 

Assim, para fins da lei, o dolo deve ser extraído em conjugação ao §1º do art. 11 no qual consta que “somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovada na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.”  

Adiante, o §2º do art. 11 determina a aplicação do §1º “a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.” 

Assim, a partir da harmonização hermenêutica entre os dispositivos mencionados, define-se dolo, para os fins da Lei de Improbidade Administrativa, como vontade livre e consciência, voltada à prática de quaisquer condutas tipificadas como improbidade, seja na lei de regência, seja em leis esparsas, praticadas pelo sujeito ativo, com o fim de obter proveito próprio ou benefício indevido para si ou para outrem.  

A norma do §2º do art. 1º prevê o dolo direito, enquanto os §§ 1º e 2º ambos do art. 11 complementam o elemento subjetivo do injusto ao exigir um propósito específico, consagrado pela fórmula “com o fim de”.  

O dolo de improbidade na Convenção de Mérida: Inconvencionalidade do dolo “específico”

A Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, de dezembro de 2003, realizada em Mérida – México, foi internalizada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do decreto 5.687/06.  

O capítulo III da Convenção trata da “penalização e aplicação da lei”. É expresso, em vários dispositivos que seguem, a exigência da intencionalidade do agente (sujeito ativo), revelando, pois, o elemento subjetivo do tipo ou a voluntariedade, como se vê do art. 15 a 25. 

Sublinhe-se que o art. 65.2 da Convenção traz previsão que permite cada Estado-Parte “adotar medidas mais estritas ou severas que as previstas na presente Convenção a fim de prevenir e combater a corrupção.” Logo, contrario sensu não é permitido aos estados adotar medidas mais amplas e indulgentes, lenientes ou permissivas, do contrário, haveria desconfiguração do propósito da Convenção.  

Nota-se que, antes da alteração da lei de improbidade administrativa promovida pela lei 14.230/21, não havia exigência de um específico tipo subjetivo do ilícito, bastando o dolo genérico, tendo, no ponto, operado exigência que restringe e contraria, ao fim e ao cabo, a própria norma convencional.  

Além do mais, o art. 28 esclarece que os elementos para a demonstração da intenção do dolo das condutas previstas na Convenção podem ser aferidos a partir das circunstâncias fáticas. 

Como a Convenção estabeleceu a demonstração do dolo, o qual pode ser apurado a partir de elementos fáticos-objetivos e, também, que antes da reforma proposta pela lei 14.230/21 não havia o dolo “específico”, sustentamos a inconvencionalidade do §2º do art. 11, com a redação que lhe deu a lei 14.230/21, por contrariedade aos dispostos nos arts. 15 a 25, 28 e 65.2 da Convenção de Mérida.  

O dolo “específico” do §2º do art. 11 e sua aplicação ampla e irrestrita. Um caso de inconstitucionalidade 

Em relação ao caráter sancionador, tem-se que nos mais destacados conjuntos normativos codificados, sistemas ou microssistemas, o elemento subjetivo do tipo (voluntariedade) não é o dolo “específico”, mas, em regra, o dolo. 

Como já dito anteriormente, o dolo já consagra em sua estrutura a vontade e a intencionalidade. O professor Damásio sustentou que “Quando a intenção do sujeito se esgota na produção do fato material, fala-se em dolo genérico. [...]O dolo é genérico, uma vez que a vontade do agente não vai além do fato material.”

Miguel Reale Jr. aponta que “Os elementos subjetivos exigidos pelo tipo revelam complementarmente o valor tutelado e sua presença na ação concreta contribui para demonstrar qual a posição axiológica do agente, se efetivamente contraposta ao valor protegido.”

O elemento subjetivo do tipo, portanto, deve guardar relação com o valor do bem juridicamente tutelado. Logo, não se coaduna com a tutela da moralidade, a tipificação de condutas ímprobas condicionadas, todas elas, presentes e futuras, ao elemento anímico específico.  

O valor do elemento anímico – especial fim de agir – do agente, deve ser considerado na formação estrutural e material da conduta sancionadora tipificada, considerada as suas particularidades. A generalização do elemento subjetivo especial do tipo torna deficiente a proteção jurídica ao bem que se pretende proteger.  

A risibilidade da internalização da especial subjetividade, ampla e irrestrita, independente do lastro material tipificador, é desarrazoada. Tanto que o §2º do art. 11 da lei de improbidade administrativa chega a reclamar o especial fim de agir não somente nas condutas previstas na sua lei, mas também em leis especiais e em outras leis (inclusive que vierem a ser previstas). Ao que parece, tal dispositivo se apresenta como uma trava na atividade legislativa.  

Ad argumentandum tantum, poderia, por exemplo, o legislador voltar a prever o tipo culposo de improbidade administrativa?  

O propósito, ao que parece, é o apego prioritário ao fim específico sobre todas as elementares, prevalecendo até mesmo sobre o bem jurídico tutelado, o que revela um profundo equívoco – proposital ou não – em desproteger a moralidade. 

Veja-se que a redação do §2º do art. 11, preocupa-se em afastar não somente a culpa, a ilegalidade e a má-gestão, mas também, de forma bastante inequívoca, em afastar o dolo em si, de toda e qualquer conduta.  

É manifestamente expressa a intenção de não punir o dolo direito. Com disposição normativa encravada no §2º do art. 11, atualmente, no Brasil, não se pune o dolo, salvo se provado o elemento psíquico específico. Dolo direito ou de primeiro grau, de acordo com a LIA, não seria punido como ato ímprobo.  

Poderia então, a título de debate, haver de alguma forma, a previsão de um especial fim de agir? Parece que a resposta é positiva, desde que tais especificantes estejam previstas na conduta taxativa e não de forma abstrata, como fez a lei 14.230/21.

Veja-se, exemplificativamente, que o §1º exige o fim específico na “aplicação deste artigo”. Boa ou não a escolha do legislador, nos parece que exigir um fim específico para a configuração de atos de improbidade que violam princípios (alta abstração), seria justificado, desde que haja previsão de qual fim específico é exigido. Ainda assim, não se trata de dolo específico, mas dolo, apenas. 

Ocorre que o §2º do art. 11 determina a aplicação do dolo “específico” (elemento subjetivo do tipo) a quaisquer atos de improbidade, previstas na lei de improbidade ou em leis especiais ou, ainda, a quaisquer tipos especiais de improbidade administrativa instituída (presente e futuro).  

Essa generalização carece de validade constitucional, a ensejar sua inconstitucionalidade, violadora da vedação do retrocesso, da proporcionalidade (lato e stricto) e do §4º do art. 37 da CF/88, porque exige um especial fim de agir em todas as condutas tipificadas, em abstrato, inclusive, em relação àquelas que vierem ser editadas, sem sequer indicar qual é o fim específico.  

Conclusão

Diante do que foi exposto, concluímos que: (i) a intenção do legislador foi suprimir a culpa do ato de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento e sancionamento administrativo-civil; (ii) conforme justificativa do projeto de lei, propõe-se, de início, afastar a ocorrência de ato ímprobo em casos de erros e má-gestão e afastar o equívoco interpretativo do ato de improbidade; (iii) ponderou-se em preservar, como ato ímprobo, somente ações dolosas; (iv) a Convenção de Mérida exige o dolo direto para as condutas nele estipuladas; (v) não há previsão de um elemento subjetivo do injusto específico na convenção; (vi) o dolo previsto na convenção de Mérida é alcançado a partir de circunstâncias objetivas, e não eminentemente subjetivas, como é na hipótese do dolo “específico”; (vii) não permitir a demonstração do dolo por meios objetivos viola a Convenção de Mérida. Ao estabelecer a regra do dolo com elemento subjetivo do injusto específico no §2º do art. 11, há direta violação às obrigações assumidas pelo Estado brasileiro à Convenção de Mérida, já que a exigência de um especial fim de agir, impede a aplicação da própria convenção, sendo, pois, mais restrita que as disposições convencionais; (viii) a exigência de um tipo subjetivo nem sequer projetado na Convenção de Mérida compromete sobremaneira o enfrentamento da corrupção em si, pois, mesmo que o agente venha a praticar conduta com dolo – sem a especificamente -, não haveria punição, quiçá processo; (ix) o especial fim de agir exigido nos §§1º e 2º é um elemento a mais a ser demonstrado na investigação, no processamento e julgamento e que, como integra o elemento anímico do agente, fatalmente não alcançará êxito processual, ainda que todas as técnicas de prova constitucionais, legais, legítimas e convencionais tenham sido empregadas; (x) a Convenção de Mérida não permite que os Estados-parte promovam medidas mais amplas do que a prevista na Convenção e mais complacentes com a corrupção (art. 65.2); (xi) a previsão de uma especificamente em norma genérica, com propósito de alcançar todas as condutas, presentes e futuras, sem estar agregada à conduta típico-sancionadora, possui alto grau de generalização que carece de validade constitucional, a ensejar sua inconstitucionalidade, violadora da vedação do retrocesso, da proporcionalidade (lato e stricto) e do §4º do art. 37 da CF/88, porque exige um especial fim de agir em todas as condutas tipificadas, em abstrato, inclusive, em relação àquelas que vierem ser editadas, sem sequer indicar qual é o fim específico.  

Marcos Augusto Brandalise
Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. Ex-promotor de Justiça do Estado do Ceará. Professor de direito penal. Titular da 4ª promotoria regional da moralidade administrativa em Xanxerê - SC.

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